Quem não vive na Madeira nunca poderá entender o que se passou em 29 de setembro último. Uma ilha turística semeada de flores e hotéis de cinco estrelas, até recentemente paraíso fiscal, preferida por ingleses e holandeses, viveu nas últimas décadas entre o desenvolvimento imobiliário, a construção de novas estradas e túneis, incontáveis projetos que os dinheiros europeus iam financiando sem problemas de maior. Mas os turistas que passeiam pelas ruas nunca vivem na ilha o tempo suficiente para perceber a dor e a luta surda que foi alastrando pela vida política local.
Alberto João Jardim, o todo-poderoso presidente do governo regional da ilha e do partido governante PSD-Madeira, um pequeno ditador a brincar à democracia, tem sido tolerado pelos políticos continentais, receosos que este proclame a independência da região autónoma, como muitas vezes já ele, furibundo, ameaçou.
A nós, que não vivemos na Madeira, basta ver a agressividade populista dos seus discursos, as ameaças sem qualquer disfarce aos seus oponentes, as piadas de tirano bem-disposto e omnipresente, para perceber que estamos perante um déspota moderno, que se passeia generosamente entre os súbditos, orgulhoso do trabalho feito ao longo de décadas, como se durante essas décadas o progresso não tivesse de acontecer fosse com quem fosse.
Há 35 anos que o partido de Alberto João Jardim e o governo local se tornaram numa única e mesma coisa. O partido do senhor feudal da Madeira ganhou 45 eleições seguidas desde 1976, como se fosse possível a um povo escolher democraticamente 45 vezes a mesma pessoa. Como escreveu um jovem madeirense, Paulo Pereira, estes longos anos “anestesiaram críticos, compraram ambições e foram geradoras de impunidade, arrogância, despesismo, irresponsabilidade e clientelismo. (…)
Foi a mão que suborna e chantageia, que ameaça com dinheiro e com emprego, e que nela mantém a gente a comer, porque nunca se morde a mão que nos alimenta. A febre foi radicalizando ao ponto de já nem ser branqueada. Desta vez, Jardim ameaçou abocanhar a RTP Madeira ou implodir financeiramente as сâmaras que o traíssem. É esse o tipo de impunidade com que a Cosa Nostra se habituou a fazer as suas coisas e, como num romance orwelliano, inculcaram-nos que não existia alternativa. Que havia o partido-Estado ou o Adamastor, o PSD ou o fim. As pessoas, agredidas por essa lobotomia, habituaram-se a aceitar o culto do chefe e o culto do medo, a aceitar essa violência doméstica e a conservá-la de uma maneira estranha, porque, como qualquer abusado, achavam que isso era tudo a que podiam aspirar”.
"Acreditei que as coisas podiam mudar, porque achei que isso era a única coisa a que a minha geração se podia permitir."
O dia 29 de setembro veio mudar tudo. Paulo Cafofo, um professor de História de 42 anos, à frente de uma coligação de vários partidos da oposição nas eleições autárquicas, enfrentou o regime de Alberto João Jardim e ganhou. Foi eleito presidente da Câmara Municipal do Funchal com 39,22% dos votos, um município governado desde 1976 pelo PSD.
Outras seis câmaras municipais da região autónoma e 22 juntas de freguesia passaram para partidos de oposição.
A candidatura que viria a ser vitoriosa foi "uma bandeira contra a frustração, o conformismo, a inibição e a autocensura", como disse o próprio Paulo Cafofo.
Rebelaram-se aqueles para quem “ainda conta para alguma coisa não perseguir jornalistas, nem caçar quem pensa de maneira diferente. Os que querem ter igualdade de oportunidades sem ter de fazer juramento ao partido e os que querem falar alto sem serem aconselhados, e sem perderem o emprego ou a sorte dos filhos”.
“A Madeira festeja a morte do medo, o afrontamento à máquina do amedrontamento e faz o funeral de todos aqueles eufemismos de retórica criados pelo Jardinismo, entre os quais, a figura do tal Povo Superior, essa grande fraude que serviu para enganar, camuflar e, simultaneamente, tirar o maior dos proveitos políticos, e não só, do analfabetismo, da iliteracia, do conformismo, da apatia, da humildade e da ingenuidade do povo madeirense. Sem chaimites nas ruas, chegou a revolução da manifestação da consciência individual, a concretização da liberdade de expressão para além das paredes falantes, dos muros das lamentações ou dos murros nas mesas dos cafés”, escreve Ricardo Duarte Freitas num artigo no jornal dnoticias.pt.
O jovem madeirense Paulo Pereira, que votou pela primeira vez, conseguiu sentir a violência do autoritarismo legitimado. Provavelmente não lhe falta pão, que os pobres na ilha não são assim tantos, mas faltou-lhe liberdade. Disseram-lhe a vida toda que não valia a pena, que mudar não era possível. “Mas acreditei que as coisas podiam mudar, porque achei que isso era a única coisa a que a minha geração se podia permitir. Hoje, o futuro veio-me dizer que sim, que valeu a pena. Que o dia em que já não somos um feudo monárquico, e em que os madeirenses levam a cabeça mais levantada do que nunca, porque quiseram e puderam ser melhores, chegou”.
Fonte: Voz da Rússia
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