Angelo Segrillo


O que pode ter surpreendido é que em um cenário mundial totalmente mudado, com a notória perda de liderança americana em lugares antes cativos e novos players políticos e econômicos influindo cada vez mais decisivamente, é ouvir que a ausência ou omissão dos Estados Unidos diante dos "perigos do mundo" "criaria um vácuo de liderança que nenhuma outra nação é capaz de preencher".

Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), reforça o consenso de que "não há como um país resolver tudo (e em nome de todos) somente pelo poderio militar e econômico" e, mesmo que pudesse tecnicamente – e os casos do Iraque e Afeganistão estão aí para desmentir – não há autoridade moral e ética para isso.

O presidente Putin foi bem explícito em relação a isso em seu artigo de argumentos bem estruturados, em um texto considerado impecável. "É extremamente perigoso encorajar o povo a se ver como algo excepcional, seja qual for a motivação", escreveu, complementando com um toque confessional, invocando a "igualdade" de todos diante de Deus.

Trazendo em miúdos essa disputa dialética entre os dois presidentes - cujas nações já estiveram aliadas para derrotar Hitler na Segunda Guerra Mundial e depois estiveram em lados opostos durante a Guerra Fria, como foi observado com naturalidade pelo russo -, as questões sírias que a motivaram acabam dando razões aos dois.

Difícil aceitar que os ataques com armas químicas não tiveram as impressões digitais de Bashar Assad, mas também é fácil concordar com Vladimir Putin quando ele destaca que na Síria "há poucos campeões de democracia", em referência óbvia e já comprovada de que a Al-Qaeda e jihadistas em geral sequestraram o grosso da insurgência das mãos da oposição laica e mais afeita à democracia pós-Assad. Ademais do barril de pólvora que incendiaria toda a região mais do que já está em caso de um ataque americano (cirúrgico ou não), igualmente epigrafada no texto do presidente russo.

Até por isso, bem fez o Putin em propor a eliminação das armas químicas tirando da perspectiva imediata uma ação americana e deixando que os sírios resolvam seus problemas. E depois mostrar, no artigo, que "se não fosse eu os Estados Unidos teriam se metido numa enrascada", na visão bem humorada do diplomata brasileiro Castro Neves, embaixador na China (2004 a 2008) e no Japão (2008-2010), além de outros importantes postos no exterior e no Brasil.

Castro Neves


Num sentido mais amplo do recado que Barack Obama quis passar, segundo o qual os Estados Unidos podem intervir em qualquer lugar, ainda que equivocadamente em nome de outros países quando o assunto é só do interesse deles, difícil imaginar que a Rússia não faria o mesmo se sua segurança não estivesse sob fogo cerrado dos terroristas.

Como já o fez. A Chechênia, por exemplo, foi esmagada pelas tropas do presidente Boris Yeltsin e do seu então primeiro-ministro Vladimir Putin para sufocar o extremismo islâmico. E até hoje essas e outras repúblicas do Cáucaso são acompanhadas com lupa pela inteligência e forças armadas russas, por sinal em parceria com os Estados Unidos em certos casos.

O perigo da excepcionalidade arrogada por Barack Obama, elegantemente desconstruída por Vladimir Putin – apesar de na Rússia "existirem correntes messiânicas que a apontam como tendo um papel especial, como os eurasianistas", de acordo com o professor Segrillo -, é um país se achar no papel de juiz. "Como no nível dos indivíduos, o 'excepcional' se denota naturalmente e não precisa propagandear-se", conclui o titular do Departamento de História da USP e autor de vasta bibliografia sobre a Rússia.

De volta ao paralelismo geopolítico: Henry John Temple, o Lorde Palmerston, aqui lembrado por Luiz Augusto de Castro Neves, tentou frear a todo custo o curso expansionista da Rússia, enquanto tratava de expandir o Império Britânico.

Fonte: Voz da Rússia

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