Quando o filho mais moço do professor Robin Coningham, Gus, tinha 5 anos, lhe perguntaram na escola o que seu pai fazia. "Ele trabalha para o Buda", disse o menino
Mas acontece que Gus não estava tão errado. Na semana passada, soube-se que uma equipe liderada por Coningham, um professor de arqueologia e pró-vice-chanceler na Universidade de Durham, fez uma descoberta surpreendente sobre a data do nascimento de Buda, que poderá reescrever a história do budismo. Depois de três anos de escavação no sítio do templo Maya Devi em Lumbini, no Nepal, Coningham e sua equipe de 40 arqueólogos descobriram um santuário que é anterior a todos os sítios budistas conhecidos em pelo menos 300 anos.
O impacto do trabalho de Coningham é inovador em muitos sentidos. Antes dessa descoberta, pensava-se que o santuário de Lumbini – um importante local de peregrinação para meio bilhão de budistas de todo o mundo – marcasse o lugar onde Buda nasceu no século III antes de Cristo. Mas a estrutura de madeira revelada por arqueólogos foi datada com rádio-carbono no século VI antes de Cristo.
"Isso é realmente importante", diz Coningham, 47 anos. "O que vemos aqui pela primeira vez define uma data para o início do culto do budismo. Isso nos dá um contexto econômico e social realmente claro... Foi uma época de grande transição, em que as sociedades tradicionais estavam sendo abaladas pelo surgimento de cidades, reis, moedas e uma classe média emergente. Foi exatamente nessa época que Buda pregou a renúncia – que a riqueza e os bens materiais não eram tudo."
Os primeiros anos da religião transcorreram antes da invenção da escrita. Em consequência, diferentes tradições orais tinham datas diferentes para o nascimento de Buda. Esta é a primeira evidência concreta de que o budismo existiu antes da época de Asoka, um imperador indiano que adotou entusiasticamente a religião no século III a.C..
Diz a lenda que a mãe de Buda, Maya Devi, estava viajando da casa de seu marido para a de seus pais. No meio da viagem ela parou em Lumbini e deu à luz a seu filho, segurando-se ao galho de uma árvore. A equipe de pesquisadores acredita ter encontrado evidências de uma árvore no antigo santuário, sob uma espessa camada de tijolos. Segundo Coningham, ficou claro que o templo, a 20 quilômetros da fronteira indiana, foi construído "diretamente sobre a estrutura de tijolos, incorporando-a e protegendo-a".
O trabalho minucioso, realizado nos meses de janeiro e fevereiro desde 2011, foi criado inicialmente como um projeto de preservação da Unesco e conduzido conjuntamente, em temperaturas abaixo de zero, por arqueólogos do Nepal e do Reino Unido.
"Nós trabalhamos lá em janeiro porque o nível da água é muito baixo", diz Coningham. "Infelizmente, há apenas uma neblina densa nas primeiras três semanas da estação. Você simplesmente não vê o sol e faz cerca de 3 a 4 graus. Você lava as roupas e não consegue secá-las. Então acaba com dois pares de roupas e bem malcheiroso." Os arqueólogos tinham de usar chinelos para preservar o sítio que, no fundo de uma vala de 2 metros, acumulava muita umidade. De forma um tanto incongruente, eles também usavam capacetes, "por causa da saúde e segurança".
Não havia aquecimento a gás e a energia era limitada a cerca de dez horas por dia, por isso toda manhã às 5h30 Coningham se lavava com um balde de água quente e uma caneca. A dieta, ele diz secamente, era "ótima se você gostar de curry, arroz e lentilhas três vezes por dia". A equipe também teve de enfrentar milhares de peregrinos que visitam o sítio todo ano, vindos do Tibete, da Tailândia e do Sri Lanka, cada qual trazendo seus próprios rituais. "A qualquer momento você era aspergido com água de colônia, coberto por notas de dinheiro ou uma chuva de arroz", lembra-se Coningham. "Havia monjas ocupadas em raspar o cimento dentre os tijolos para comê-lo e ingerir as relíquias e a santidade desse local sagrado, colocando-o dentro de seus corpos. Às vezes isso pode causar muita distração."
Mas ele diz que a reação dos monges e monjas a sua descoberta foi "profundamente comovente e bastante delicada". Não houve uma grande celebração – sua reação foi "tudo o que era necessário".
O sítio em Lumbini havia estado escondido sob a selva até que foi escavado em 1896. Na época, ele foi identificado como o lugar de nascimento de Buda por causa de um pilar de arenito que continha uma inscrição documentando a visita de Asoka ao local. Os níveis mais antigos permaneceram enterrados até agora.
Depois de filmar um documentário sobre a descoberta para o National Geographic Channel, Coningham foi chamado de Indiana Jones da vida real – descrição que lhe provoca um riso contido. "Eu fui uma daquelas crianças tristes que adoravam dinossauros", diz ele. "Meus avós costumavam ir para Hunstanton [em Norfolk] e eu passava as férias de verão coletando fósseis lá. Então descobri que uma grande maneira de escapar dos feriados familiares era ir às escavações. Comecei aos 15 anos. Depois descobri que se podia escavar no exterior, por isso em meu primeiro ano na universidade [ele estudou arqueologia e antropologia no King's College em Cambridge], decidi me especializar no subcontinente indiano. E ele se tornou a minha vida. Se você falar com minha família eles dirão que ainda é a minha vida."
Sua mulher Paula, que ensina grego para estudantes pré-universitários, e seus dois filhos – Urban, 15, e Gus, 13 – estão habituados a suas ausências regulares, apesar da confusão inicial sobre o que significava realmente seu trabalho. Para Coningham, a escavação em Lumbini foi memorável porque marcou "um momento profundamente raro e excitante quando a fé, a arqueologia e a ciência se uniram".
Ele tem uma fé pessoal? "Fui criado católico", responde. "Tive uma tia-avó que era madre superiora, por isso minha juventude foi cheia de lavar pés, beijar cruzes, etc. Por isso de certa maneira suponho que a experiência [desta escavação] me tornou um grande relativista. Também me mostra quão pouco sabemos sobre os primeiros anos das grandes tradições do mundo." Mas ele diz que os preceitos do budismo contêm uma certa atração. "No momento estou equilibrando esse emprego com o papel de pró-vice-chanceler. Por isso sou um burocrata, e às vezes é muito tentador pensar em renúncia", ele brinca.
O próximo local que Coningham e sua equipe foram incentivados a examinar é um dos locais que seriam o lar da infância de Buda. A Unesco, com a ajuda do governo japonês, está financiando mais três anos de pesquisa.
"O budismo é uma religião em crescimento, e dentro de cinco anos haverá 22 milhões de peregrinos voando todo ano para o sul da Ásia", diz Coningham. "Isso vai superlotar esses locais. Por isso, a próxima missão é começar a mapear e planejar como eles serão protegidos."
Em uma área onde mais da metade da população vive abaixo da linha de pobreza, subsistindo com menos de 1,50 dólar por dia, a chave será equilibrar os benefícios financeiros do turismo com a necessidade de sustentabilidade e preservação histórica. Conforme a história da descoberta em Lumbini se torna mais conhecida, Coningham espera que mais jovens sejam atraídos pelo que a arqueologia tem a oferecer. "O realmente interessante é que são as civilizações antigas que continuam atraindo as pessoas", diz ele. "A arqueologia assim pode interessar a centenas de milhões de pessoas e tocar suas vidas."
Mesmo que os envolvidos tenham de usar chinelos úmidos e trabalhar em condições frias e nebulosas, subsistindo com uma dieta de arroz durante semanas? "Bem, sim", ri Coningham. "Mas isso é a arqueologia."
BUDISMO: UM PERFIL GLOBAL
Existem mais de 488 milhões de budistas em todo o mundo. Segundo o censo de 2001, havia 151,816 budistas na Grã-Bretanha. Em 2011 o número era de 248 mil, ou 0,4% da população.
Os budistas acreditam na reencarnação e buscam o nirvana, um estado de ser absoluto.
A iluminação é alcançada por meio de moral, meditação e sabedoria.
Existem três ramos principais do budismo – Mahayana, Theravada e Vajrayana.
A maioria dos budistas vive na região da Ásia-Pacífico; 50% estão na China. Depois da China, as maiores presenças budistas estão na Tailândia (13%), Japão (9%), Birmânia (8%), Sri Lanka (4%), Coreia do Sul (2%), Índia (2%) e Malásia (1%).
Fonte: Carta Capital
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