O
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, se comprometeu nesta terça-feira (18) a
examinar a planilha de custos de transporte do município para "refletir no
que eu poderia cortar de serviços para viabilizar a redução da tarifa".
Ele, no entanto, não revogou o aumento durante a reunião do Conselho da Cidade,
que foi praticamente unânime ao pedir a suspensão do novo valor de R$ 3,20.
Temos caminho [para a
redução], mas isso passa pela desoneração dos tributos federais que incidem
sobre o transporte público, como por exemplo o ICMS [Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços] sobre o diesel, que já seria responsável por R$
0,07 dos R$ 0,20 do aumento", disse.
Haddad também se mostrou
favorável a examinar os lucros dos empresários das concessionárias de ônibus
para "cortar gordura" e ressaltou que o imposto sobre a gasolina
direta da bomba seria uma solução. "Se as prefeituras absorverem todo o
impactos dos subsídios [tarifa],vão quebrar", destacou.
Durante a reunião, o
secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, afirmou que a redução da
tarifa custaria R$ 300 milhões para os cofres da cidade e propôs que o
"usuário de transporte individual também precisa arcar com os custos do
transporte coletivo, assim como a Prefeitura e os empresários."
Para compensar a perda,
ele defendeu a cobrança de um imposto sobre a gasolina direto da bomba.
"Esse dinheiro poderia vir para o município e ajudaria a financiar o transporte
público."
De acordo com Tatto,
"não é possível espremer tanto assim os empresários das concessionárias de
transporte para viabilizar a revogação do aumento", disse, referindo-se a
afirmações feitas pelos conselheiros de que o lucro das empresas de transporte
poderia financiar uma tarifa menor.
"Como cidadão, acho
que quem deveria financiar o transporte público é o transporte individual. Além
de melhorar a mobilidade, incentivando quem tem carro a usar o transporte
público, já que a gasolina seria mais cara e as tarifas mais baratas, ainda
existem os benefícios ecológicos do processo", disse Haddad sobre a
proposta.
O prefeito disse que vai
se reunir ainda nesta semana com representantes do Movimento Passe Livre.
"Eu quis apresentar os dados para que todos saibam o que vai acontecer
caso a cidade de São Paulo opte por revogar o aumento", afirmou.
Segundo Haddad, o valor
que a Prefeitura perderia com a redução do valor da tarifa ou com o
congelamento até 2016 seria suficiente para contratar 20 mil médicos ou dobrar
a rede de hospitais. "A decisão precisa ser tomada com base em
informações, e eu sinto que ainda há muito desinformação sobre o assunto. É
preciso que a sociedade saiba quais as consequências de cada decisão",
declarou.
Ele ressaltou também que
não quer a desmobilização dos protestos contra o aumento. "Está lindo
vocês nas ruas. É vibrante um país que vai para as ruas."
Conselho pede redução da tarifa
A maioria dos
integrantes do Conselho da Cidade, criado por Haddad no início do mandato dele,
pediu a redução da tarifa do transporte público na capital paulista durante
reunião extraordinária realizada hoje. O encontro aconteceu na prefeitura, na
região central de São Paulo.
O conselho tem caráter
apenas consultivo, mas entre os membros do grupo há um sentimento de que se o
prefeito for contra um decisão unânime é o caso de repensar a função do comitê.
Em resposta, Haddad disse que vai ouvir "todo mundo para não fazer nada
precipitado" e ressaltou que não criou o conselho para "inglês
ver".
A arquiteta e urbanista
Raquel Rolnik criticou o poder que as concessionárias de transporte têm nas
decisões. "É preciso suspender o aumento [das tarifas do transporte em São
Paulo] imediatamente e rediscutir o modelo da concessão de transportes. O que
os protestos nas ruas estão dizendo é 'queremos participar ativamente do
processo decisório.'"
Outro
integrante do conselho, o jornalista e blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto, também defendeu a suspensão do aumento das
tarifas, que elevaram o preço do transporte coletivo em São Paulo de R$ 3,00
para R$ 3,20. "O primeiro passo é a revogação do aumento e, depois, a
discussão e os debates sobre o modelo", afirmou. "Existem várias
fontes de onde a prefeitura pode tirar recursos, como, por exemplo, aumentar o
IPTU de estacionamentos", disse.
De acordo com o
conselheiro Luís Carlos Bresser, a prefeitura precisa aproveitar o momento de
licitação das empresas de transporte para limitar a taxa de lucro das
companhias. Sônia Coelho, também conselheira, questionou se o valor gasto pelo
governo com gás lacrimogêneo e balas de borracha não poderia suprir os custos
da prefeitura com a redução da tarifa.
O Conselho, que é
formado por representantes de movimentos sociais, sindicatos e associações
empresários, além de intelectuais, artistas, políticos, lideranças religiosas e
jornalistas, tem o objetivo de acompanhar o plano de metas da atual gestão,
analisar a revisão do plano diretor, entre outros temas.
Entre os conselheiros
estão Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, Juvandia Moreira Leite, predidente
do Sindicato dos Bancários, Fernando Quaresma, presidente da Associação da
Parada com Orgulho LGBT, Murilo Portugal, presidente da Febraban, Oded Grajew,
fundador do Instituto Ethos e coordenador geral da Rede Nossa São Paulo,
Viviane Senna, presidente do Instituto Ayton Senna, Eugênio Bucci, jornalista e
professor da USP, entre outras cerca de 150 pessoas.
IPTU
Mais cedo, Haddad
afirmou que dobrar o valor do IPTU não seria suficiente para zerar a tarifa do
transporte público da capital paulista, como quer o Movimento Passe Livre
(MPL), que também participa do encontro. De acordo com ele, a medida cobriria
apenas 50% do valor. "Isso porque 60% dos impostos estão vinculados a
saúde e educação, de acordo com a Constituição Brasileira", disse.
Dinheiro para a Copa
Para Mayara Vivian, uma
das líderes do MPL, "se há dinheiro para estádios, há dinheiro para o
transporte". Segundo ela, a decisão do aumento da tarifa é política.
"Não acreditamos que seja uma questão só de remanejar impostos. O modelo
de transporte e o papel dos empresários precisa ser revisto".
Haddad havia afirmado
antes da fala do MPL que nos países desenvolvidos os empresários são
responsáveis por subsidiar um terço do valor da passagem. De acordo com o
prefeito, em São Paulo, esse valor é de apenas 10%.
Referendo
Durante a reunião, a
Rede Nossa São Paulo apresentou um documento sugerindo que o valor da tarifa e
o modelo do transporte público seja definido em um referendo.
A rede também quer que
seja criado um conselho municipal de transporte junto à Secretaria Municipal de
Transporte para apresentar em 60 dias um estudo com as principais propostas
para um Plano de Mobilidade e Transportes Sustentáveis. Posteriormente, o plano
deverá ser apresentado e discutido com a população.
O documento da rede
também cobra que o Governo Federal entre no rateio dos custos para priorizar o
transporte público, "posto que já contribuiu bastante para financiar e
subsidiar o transporte individual".
Entenda
Que
se os usuários de transporte público deixarem de pagar passagens, como pede o
Movimento Passe Livre, esse dinheiro terá que vir dos cofres da cidade. Haveria
duas formas de obtê-lo: cortando custos em outros setores ou aumentando
impostos.
Quando a Prefeitura de
São Paulo propôs a extinção da tarifa de transporte público em 1990 (na gestão
Luiza Erundina, então do PT), a previsão era que o dinheiro sairia do IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano), cobrado de quase 2 milhões de proprietários
de imóveis na cidade. Essa é a fonte mais óbvia para os recursos, porque
atinge de forma uniforme quem mora ou tem uma empresa na capital.
As outras formas de
arrecadação da prefeitura são direcionadas a parcelas específicas da população,
como o ISS (cobrado de quem presta serviços) ou taxas de fiscalização. Mas,
para compensar o fim da tarifa, seria preciso, segundo cálculo da Folha,
praticamente dobrar o valor do IPTU, ou seja, passar dos pouco mais de R$ 5
bilhões arrecadados em 2012 para algo como R$ 9,7 bilhões (mais 92%).
Esse acréscimo, da ordem
de R$ 4,62 bilhões, é quanto se arrecadou no ano passado com as tarifas do
transporte público --o sistema consumiu R$ 5,69 bilhões, mas pouco mais de R$ 1
bilhão foi pago diretamente às empresas pela prefeitura, o chamado subsídio.
Quem paga hoje R$ 1.000 por ano de IPTU, por exemplo, passaria a pagar R$
1.920.
O aumento não atingiria
diretamente moradores mais pobres, hoje isentos desse tributo --é o caso, por
exemplo, de quem tem imóvel com valor venal de até R$ 73.850 ou pensionistas e
aposentados do INSS beneficiados pela isenção. Indiretamente, no entanto, a
conta pode acabar sendo repartida por todos, pois empresas instaladas no
município teriam seus custos aumentados e tenderiam a repassá-los para seus
preços.
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