Os rebeldes sírios, frustrados pela relutância do Ocidente em lhes fornecer armas, encontraram um fornecedor improvável: o Sudão, país que sofreu embargos internacionais de armas e mantém fortes elos com um dos mais firmes patrocinadores do regime da Síria, o Irã.
Em transações que não foram reconhecidas publicamente, dizem autoridades ocidentais e rebeldes sírios, o governo do Sudão vendeu armas fabricadas no país e armas chinesas ao Catar, que as entregou aos rebeldes via Turquia.
Os embarques incluem mísseis antiaéreos e cartuchos de fabricação recente para armas portáteis que já foram vistos nos campos de batalha da Síria --e tudo isso ajudou os rebeldes a combater as forças armadas sírias e as milícias leais ao governo, que contam com melhor armamento do que o disponível para eles.
As provas que começam a surgir sobre o fornecimento sigiloso de armas pelo Sudão aos canais que abastecem os rebeldes servem para ampliar o crescimento conhecimento sobre as fontes de equipamento militar da oposição ao presidente Bashar Assad.
O equipamento é muitas vezes pago por Qatar, Emirados Árabes Unidos (EAU), Jordânia, Arábia Saudita ou outros doadores simpáticos à causa.
Embora não esteja claro até que ponto essas armas vêm sendo importantes na guerra civil iniciada quase três anos atrás, elas ajudaram a sustentar a oposição contra as forças do governo, que contam com assistência da Rússia, Irã e Hizbullah.
O envolvimento do Sudão acrescenta ainda outra complicação a uma guerra civil que há muito desafia uma solução diplomática. A batalha se transformou em um combate de prepostos, uma disputa por influência local entre potências mundiais, agentes regionais e seitas religiosas.
No caso do Sudão, o país tem conexões com a maioria sunita da Síria, e interesse financeiro na continuação de uma guerra financeiramente lucrativa para o país.
Mas a decisão sudanesa de fornecer armas aos rebeldes --contrariando os apoiadores internacionais do país e ajudando a cimentar sua reputação como promotor de conflitos-- reflete um esforço de equilibrismo muito arriscado politicamente. O Sudão mantém estreitas ligações econômicas e diplomáticas com o Irã e a China.
Ambos os países oferecem assistência militar e técnica à indústria estatal de armas sudanesa e podem ver a venda de armas pelo país para ajudar os rebeldes da Síria como resultado indesejado de sua colaboração com Cartum, ou mesmo como traição.
Em entrevistas, funcionários do governo sudanês negaram ajudar a armar qualquer dos dois lados na guerra da Síria. "O Sudão não enviou armas à Síria", disse Imad Sid Ahmad, secretário de imprensa do ditador sudanês Omar Hassan al-Bashir.
Al-Sawarmi Khalid Saad, porta-voz das forças armadas sudanesas, acrescentou que as alegações eram insensatas, exceto talvez como esforço de difamação. "Não temos interesse em apoiar grupos na Síria, especialmente se o resultado do confronto não está claro", disse Saad.
"Essas alegações foram feitas para prejudicar nosso relacionamento com países que são bons amigos do Sudão".
Um funcionário do governo do Qatar não tinha informações sobre o possível papel de seu país em encomendar ou transportar equipamento militar do Sudão.
O Sudão tem um histórico de fornecimento de armas a grupos combatentes e de negar publicamente envolvimento nesse tipo de transferência. Armas ou munições fornecidas pelo país foram identificadas no Sudão do Sul, Somália, Costa do Marfim, Chade, Quênia, Guiné, Mali e Uganda, disse Jonah Leff, analista de assuntos sudaneses no projeto de pesquisa Small Arms Survey.
O país forneceu armas ao Exército de Resistência do Senhor, de Joseph Kony; aos rebeldes líbios; e às milícias pró-governamentais janjaweed, acusadas de uma campanha de atrocidades em Darfur.
"O Sudão se posicionou para ser grande fornecedor mundial de armas, e seus produtos atingiram diversas zonas de conflito, entre as quais a Síria e seus rebeldes", disse um funcionário norte-americano conhecedor dos embarques enviados à Turquia.
Analistas e funcionários de governos ocidentais afirmam que a participação clandestina do Sudão no fornecimento de armas aos rebeldes sírios sugere tensões inerentes na política externa de Bashir, que em geral tende a apoiar movimentos islâmicos sunitas mas mantém relacionamento muito apreciado com a teocracia xiita no Irã.
Outros funcionários sugeriram que havia um motivo mais simples em ação --o dinheiro. O Sudão está enfrentando uma severa crise econômica. Ahmad, o porta-voz da presidência sudanesa, sugeriu que se armas sudanesas estavam em poder dos rebeldes sírios, talvez tivessem sido fornecidas pela Líbia.
O Sudão, disse ele, admitiu ter enviado armas durante a guerra de 2011 para derrubar Moammar Gaddafi. Os novos líderes líbios agradeceram publicamente o Sudão. A Líbia tem fornecido muitas armas aos rebeldes da Síria.
No entanto, isso não explicaria de que forma munição sudanesa 7,62x39 mm foi encontrada pelo "New York Times" em posse de rebeldes perto da cidade síria de Idlib.
A munição, de acordo com suas marcas de estamparia, foi fabricada em 2012 no Sudão --depois do fim da guerra na Líbia. Ela estava em uso pelo Soquor al-Sham, grupo islâmico que reconhece o comando militar da Coalizão Nacional Síria, apoiada pelo Ocidente.
Quando informado de que cartuchos sudaneses de produção recente haviam sido fotografados em posse de rebeldes sírios, Saad, o porta-voz das forças armadas sudanesas, descartou a alegação taxativamente: "Fotos podem ser manipuladas", disse. "Isso não é prova".
A sugestão sudanesa de que qualquer de suas armas presente na Síria tenha sido fornecida pela Líbia tampouco explicaria a presença de mísseis antiaéreos FN-6 em posse de unidades rebeldes sírias. Nem as forças leais a Gaddafi e nem os rebeldes líbios detinham essa arma em 2011, disseram analistas que acompanham a proliferação de mísseis.
Fotos detalhadas de um dos tubos lança-mísseis FN-6, fornecidas por um sírio com acesso a essas armas, mostram que alguém se esforçou parta obscurecer sua origem. As marcas de produção haviam sido cobertas com tinta spray. As marcas em geral incluem o número de série do míssil, o número de lote, o código do fabricante e o ano de produção.
Os rebeldes dizem que antes de receberem os mísseis, meses atrás, as peças já haviam, sido pintadas --quer pelo vendedor, pelo transportador ou pelo intermediário--, em um esforço cru de dificultar o rastreamento dos mísseis.
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