A onda de projetos de lei sobre segurança pública a ser garantida para o povo e o território do país, atualmente tramitando no Congresso nacional, serve de advertência para quem ainda não se convenceu a serviço de quais interesses ela aumenta diariamente o seu volume e a sua força.
Infundir medo e pânico no povo, para desviar sua atenção das verdadeiras causas de insegurança, é uma estratégia antiga dos Estados de exceção visando impor política repressiva, divulgada como necessária e urgente para assegurar tranquilidade à população. Daí se obtém explicação e justificativa para o vale tudo, inclusive o de, “em nome da lei”, infringir-se a própria Constituição Federal.
Maioridade penal, terrorismo, estatuto do desarmamento, delimitação de terras indígenas, concessão de terras em nossas fronteiras, poucas vezes viu-se uma força tão poderosa e paranoica de submissão do Legislativo a interesses privados ideologicamente passados como públicos.
Mesmo à custa do sacrifício de conquistas sociais históricas do povo pobre e trabalhador, como pode acontecer com a terceirização do trabalho, até o direito do povo se manifestar, de protestar contra ameaças ou violações de seus direitos, pode ser banido da Constituição, pela recente aprovação, verificada no Senado da República, do projeto de lei antiterrorismo.
O site do jornal Zero Hora comentou o assunto: “A maior polêmica sobre a proposta foi em relação ao parágrafo que exclui da aplicação da lei manifestações políticas e movimentos sociais ou reivindicatórios. Nos termos do proposto inicialmente no PLC 101/2015, estariam excluídas do tipo penal do terrorismo as “pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”.
Um mínimo de senso crítico autoriza identificar-se na supressão dessa ressalva, feita pelo relator da matéria, o senador Aloysio Nunes, a quem, de fato, ela interessa e beneficia, bem como a quem, em verdade, ela prejudica. Será que algum grande empresário, banqueiro, latifundiário, vai lamentar a modificação desse projeto de lei, como ele veio redigido na Câmara dos deputados e o Senado alterou? Por outro lado, quem não goza do favor de encontrar todas as portas abertas para contornar o “devido processo legal”, é pobre, desconhecido, não tem “padrinho” nem influência para defender sua dignidade, seus direitos, gostou dessa alteração introduzida pelo relator e acolhida pelo Senado?
Mesmo sem referir-se uma vez sequer ao terrorismo, o advogado Nilo Batista, também político, ex-governador do Rio em substituição a Brizola, quando esse se licenciou para disputar as eleições para a presidência da República, professor reconhecido no país todo como uma das mais representativas autoridades em matéria de Direito Penal, concedeu uma entrevista publicada na última edição da “Caros Amigos”, de todo oportuna para o momento atualmente vivido pelo país. Perguntado sobre o nosso sistema carcerário, foi muito mais longe disso:
“Tem muita coisa errada O sistema penal é, em si, um problema para o Estado de Direito. O abuso do sistema penal é um mau sinal. Sempre, ao olhar para o século 20 e encontrar um sistema penal muito operativo, com muitas prisões, diligências espalhafatosas, centralidades das agências policiais... A Alemanha nazista, a Itália fascista e até mesmo alguns momentos da União soviética. Na América Latina foram os regimes de segurança nacional. Então, quando houver muita gente fazendo operação policial, desconfie da saúde do regime político. Isso é estrutural, está ligado a uma mudança econômica. No neoliberalismo as mercadorias têm trânsito livre mas os produtores não.” {...} “O sistema penal mudou com a transição econômica para o neoliberalismo. Primeiro porque os programas públicos de assistência foram desmobilizados, nessa lógica do encolhimento do Estado. Encolheu naquilo que Pierre Bourdieu chamava de “a mão esquerda do Estado”, que dava assistência. Mas a mão direita se estendeu e o controle que foi feito sobre essas populações foi o penal. De repente, começou a se criminalizar tudo. Prendemos muito mais na democracia do que na ditadura. Generalizamos os métodos de tortura, aquelas brutalidades aplicadas pelo DOPS, DOI-CODI. O Brasil hoje tem a quarta maior população de presos no mundo.”
A tanto chegou a nossa política de segurança e ela tende a se agravar se a redação atual do projeto sobre terrorismo (PLC 101/2015), como proposta pelo Senado, for transformado em lei. Isso menos se explica e justifica, ainda, se as conveniências dos investimentos econômicos externos, alegadamente desconfiados das seguranças por eles exigidas para pousarem aqui, e se interesses privados relativos às Olimpíadas do ano que vem estiverem inspirando esse projeto.
Um Poder Público, justamente por ser comum, só pode ser identificado como de todas/os na medida em que não se rebaixa a uma tão despropositada eleição de prioridades. Uma lei antiterrorismo não pode ser terrorista.
*Jacques Távora Alfonsin é professor de Direito Civil e de História do Direito na Unisinos (Rio Grande do Sul aposentado) e mestre em direitos fundamentais
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