Apesar dos perigos anunciados e dos efeitos que já estão em curso, a produção e consumo de energia fóssil ainda cresce.
“O único que aumenta mais rapidamente que as nossas emissões de gases danosos é a produção de palavras vazias dos que prometem reduzi-las” – Naomi Klein, jornalista e escritora canadense.
As advertências dos cientistas sobre o aumento das emissões de CO2 não começaram agora, e sim no Século XIX, quando já se falava sobre os efeitos do aquecimento global e sobre a responsabilidade das atividades humanas nesse processo. Em 1861, o físico irlandês John Tyndall mostrou que o CO2 podia causar mudanças no clima. Em 1895, o químico sueco Svante Arrhenius concluiu que a queima de carbono da era industrial aumentaria o efeito estufa. Em 1938, o engenheiro britânico Guy Callendar afirmou que as temperaturas haviam aumentado durante o século anterior, devido ao incremento das concentrações de CO2. Em 1990, o primeiro relatório do Painel Intergovernamental da Mudança Climática – IPCC [1] confirmava que as mudanças induzidas pelo ser humano eram reais e significava uma ameaça à vida.
Já se passaram 36 anos da primeira Conferência Mundial sobre o Clima (WCC), 27 anos do estabelecimento do IPCC, 23 anos desde a adoção da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) e 20 anos da primeira Conferência das Partes (COP) [2] celebrada em Berlim.
Que novidades temos desde esses anos até agora, além da rotação dos países-sede das Conferências das Partes? Quanto se avançou na diminuição das emissões de CO2, na transição a um modelo energético baixo em carbono? São alguns dos questionamentos urgentes a serem feitos durante essa COP 21, mas sobretudo, diante dos perigos cada vez mais latentes de um colapso climático antropogênico que põe em risco a vida de milhões de espécies, incluindo a espécie humana.
Sobre as emissões e sobre uma possível conversão do padrão energético
O IPCC afirmava, em seu informe Climate Change 2014, que: “as emissões antropogênicas de gases do efeito estufa vêm aumentando desde a era pré-industrial, impulsionadas pelo crescimento econômico e demográfico, e atualmente são mais altas do que nunca. Isso tem levado a concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso que não têm precedentes, ao menos nos últimos 800 mil anos”[3].
Apesar dos perigos anunciados e dos efeitos que já estão em curso, do incremento na temperatura do planeta, da desertificação, do estresse hídrico, da extinção de espécies, das inundações, da acidificação dos oceanos, dos eventos hidrometeorológicos cada vez mais violentos, a produção e consumo de energia fóssil ainda cresce. Em 2012, 81,4% da energia consumida mundialmente era de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural. Outros 8,5% da hidroeletricidade, da energia nuclear, da geotérmica e da energia solar, e mais 9,9% da biomassa, da biomassa líquida, do biogás, dos resíduos industriais e dos resíduos urbanos – dados de 2015 do Banco Mundial.
O mundo sofre com a dependência dos combustíveis fósseis, e por isso as corporações petroleiras têm participação fundamental nas decisões que são tomadas – elas são as principais opositoras da ideia de regular as emissões de CO2, o que as obrigaria a deixar de explorar suas jazidas. Por exemplo, a petroleira estadunidense ExxonMobil – empresa que ocupou o 7º lugar na lista da revista Forbes Global 2000 [4] – publicou, no mesmo dia da apresentação do informe da IPCC, um documento onde afirmava que os riscos de um colapso ambiental não modificariam suas estratégias de investimento e produção.
O informe dizia: “a ExxonMobil acredita que embora sempre exista a possibilidade de que a ação governamental possa afetar a companhia [5], o cenário onde os governos restringem a produção de hidrocarburetos (…) durante o período prognosticado [6] é muito improvável (…), e o mundo vai necessitar de toda a energia baseada no carbono que a ExxonMobil planeja produzir (…), não estamos prevendo que a sociedade possa suplantar as formas tradicionais de energia baseada no carbono com outras formas de energia, como as chamadas renováveis (…)” [7].
Por um lado, a ExxonMobil reconhece, em sua publicação, que há riscos de suas atividades afetarem as mudanças no clima do planeta, e a necessidade de se reduzir as emissões de gases danosos provenientes dos combustíveis fósseis, mas difere a respeito da rapidez com que essas medidas devem ser tomadas, ao mesmo tempo em que nega a possibilidade de alguma mudança a curto prazo.
De mesma forma, a tendência da empresa britânica BP – British Petroleum, cujo slogan era “beyond petroleum” (mais além do petróleo) –, e que decidiu deixar a Global Climate Coalition [8], é a de incrementar seus negócios em combustíveis fósseis e a abandonar seus investimentos em energia que produz pouco carbono, ao menos de acordo com uma investigação realizada pelo jornal britânico The Guardian [9].
Para as petroleiras, a transição a outro modelo produtivo, ou a outra matriz energética, é impensável, não querem nem imaginar os custos e as incertezas que poderiam ser gerados, e estão dispostas a pagar o preço ambiental que essa não transformação acarretaria.
Um documento de trabalho do Fundo Monetário Internacional, denominado “How Large Are Global Energy Subsidies?” (“quão grandes são os subsídios globais de energia), indicou que o valor dos subsídios à energia cresceu cerca de 5,3 bilhões de dólares no último ano, o equivalente a 6,5% do PIB mundial de 2015. Os subsídios ao petróleo ocupam 1,7% do PIB mundial. Esse montante inclui os subsídios implícitos, ou seja, os custos socioambientais, como os efeitos no clima do planeta que são derivados da produção e do consumo.
Por sua parte, um estudo elaborado pela Universidade de Cambridge precisou que os custos socioambientais gerados pelas corporações são maiores que os lucros obtidos. Ou seja, se as empresas tivessem que pagar os danos que provocam, o negócio deixaria de ser rentável.
Embora a busca pelo lucro, motor da lógica capitalista, possa explicar a razão pela qual as dinâmicas destrutivas das corporações se mantêm vigentes, e particularmente as das petroleiras – aqui exemplificadas com o caso da ExxonMobil e da BP – cabe sugerir a possibilidade de que as economias dos países centrais continuem com a mesma dinâmica, sabendo que serão os menos afetados num futuro colapso, ou ao menos os mais preparados para isso.
Tal como indica um índice elaborado pela Universidade de Notre Dame, países como os Estados Unidos, a Alemanha, a Austrália, a Nova Zelândia e os países escandinavos, são os que tem maiores capacidades para reagir às mudanças climáticas, enquanto a maioria dos países em risco e menos preparados estão na África, particularmente os países que sofrem a intervenção de guerras, a dependência econômica e a pobreza.
Nesse sentido, o caso estadunidense é essencial. A hegemonia econômica, militar e política dos Estados Unidos sobre vastas regiões do mundo está sustentada no controle do petróleo. As forças armadas estadunidenses são a organização que mais consome este recurso no mundo. Por isso, tem sido este o país que mais resiste em transformar seu padrão energético, embora não tenha sido o único. Devido ao esgotamento das reservas de petróleo convencional, os governos progressistas e conservadores do mundo inteiro se voltaram à busca de novas jazidas de combustíveis não convencionais (gás natural, por exemplo) e à expansão das fronteiras de extração (a Amazônia e o Ártico), diminuindo ainda mais nossas possibilidades de evitar um colapso climático.
Nesse contexto, nos perguntamos: será que a COP 21 conseguirá um acordo global vinculante, que permita diminuir as emissões, ou fracassará na tentativa, como as reuniões que a precederam?
Uma diminuição das emissões de carbono levaria à transformação do padrão energético sustentado na energia fóssil, o que implicaria em tocar os interesses econômicos daqueles que obtêm lucros a partir da destruição da atmosfera, um abandono da ideia de crescimento econômico infinito, um questionamento ao modo de produção e consumo promovido pelo 1% mais rico da população, que gera a miséria dos demais 99%. Em resumo, “uma mudança no sistema e não no clima”, como diziam os cartazes das mobilizações sociais nas recentes cúpulas mundiais sobre o clima.
Entretanto, enquanto esperamos que a COP 21 chegue, ocorre anualmente cerca de 150 mil mortes devido aos danos climáticos, a extinção de espécies se incrementa, milhões de pessoas são obrigadas a se deslocar devido aos desastres naturais, sociais, econômicos e políticos provocados – somente em 2012, essa quantidade de pessoas superou os 30 milhões – tendência que poderia se intensificar conforme os efeitos das mudanças no clima se aprofundem.
Sobre as mobilizações, as diversas organizações que lutam por um acordo real e vinculante decidiram abandonar a espera passiva e incentivar uma ação em escala mundial. Atualmente, temos manifestações em diversos países, promovidas pela 350.org, um movimento contra o investimento em combustíveis fósseis, campanhas como a “Keep it in the ground” (“Mantenha-o no solo”), impulsionada pelo jornal The Guardian e o apelo da Vía Campesina – organização que representa cerca de 200 milhões de camponeses latino-americanos – para que sejam rejeitadas as soluções oferecidas pelas corporações responsáveis pelo aquecimento global.
Datas a serem consideradas:
28 de novembro: Mobilizações iniciais das massas em favor da Justiça Climática
5 e 6 de dezembro: A Aldeia Global / Feira de Alternativas Populares
9 de dezembro: Dia da Agricultura Camponesa, Ato pela Soberania Alimentária
12 de dezembro: Ação de massas “A Última Palavra”, em favor da Justiça Climática e Ambiental
Referências
[1] O IPCC é um grupo científico patrocinado pelas Nações Unidas, a qual revisa e avalia a informação científica, técnica e socioeconômica mais recente produzida em todo o mundo, relevante para a compreensão das mudanças do clima.
[2] A COP é uma associação que reúne a todos os países que são partes da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC).
[3] Tradução própria
[4] A lista Forbes Global 2000 enumera as empresas mais poderosas do mundo, medidas por seus lucros e valor de mercado, entre outros fatores.
[5] De acordo com a lógica neoliberal de pouca regulação estatal às ações corporativas, a empresa concebe a intervenção do Estado para a proteção do planeta como uma potencial afronta aos seus interesses.
[6] O período considerado pela ExxonMobil se estende até o ano de 2040.
[7] Tradução própria.
[8] A Global Climate Coalition (1989–2002) foi uma tentativa conjunta das corporações como a ExxonMobil, a General Motors Corporation, a Shell Oil USA, a British Petroleum, entre outras, para se opor à ratificação do Protocolo de Kyoto, e por consequência à redução das emissões de gases do efeito estufa, meta que conseguiram alcançar no Senado do s Estados Unidos.
[9] Ver Macalister, T. (16 de abril de 2015). BP dropped green energy projects worth billions to focus on fossil fuels. The Guardian. http://www.theguardian.com/environment/2015/apr/16/bp-dropped-green-energy-projects-worth-billions-to-focus-on-fossil-fuels
* Maritza Islas é socióloga e especialista em economia ecológica e economia ambiental da Universidade Nacional Autônoma do México.
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