Ainda não há provas, mas os indícios são de que
tanto o regime quanto os rebeldes mais radicais têm, e já usaram, agentes
químicos na guerra civil
No fim da noite de domingo 5, em entrevista à Radiotelevisione svizzera,
a investigadora da ONU Carla del Ponte afirmou que os rebeldes sírios
teriam usado gás sarin no combate às forças de Bashar al-Assad. Segundo ela,
havia "suspeitas concretas" sobre este fato. Menos de 24 horas
depois, o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a ONU já haviam
negado a fala de Del Ponte, uma mulher conhecida na comunidade internacional
por fazer alarde de boatos durante crises humanitárias, como contou a
revista Foreign Policy.
Apesar do
desmentido, não é improvável que, com o passar do tempo e o agravamento do
conflito, a guerra civil síria se torne cada vez mais "química".
Assad tem um enorme arsenal com este tipo de armamento. O regime
prometeu não usá-lo contra sua própria população, mas segundo mais de um
especialista, um ou mais dos quatro ataques químicos de pequena monta
realizados até aqui na Síria podem ter sido apenas um ensaio, para fazer
a comunidade internacional "se acostumar" com este tipo de
atrocidade. "Primeiro foi a artilharia, depois os bombardeios, depois os [mísseis] Scud. Um ano
atrás, ele não estava matando 100 pessoas por dia. Ele está introduzindo as armas
químicas gradualmente, para nos acostumarmos", disse à revista The New Yorker o ex-integrante da Inteligência do
Exército dos EUA Joseph Holliday.
Segundo fontes da mesma revista, o regime Assad teria até treinado
as milícias shabiha (que não andam uniformizadas e
realizam uma série de massacres) para manipular essas armas. Seria uma forma de
colocar o arsenal em uso sem transparecer de imediato a responsabilidade sobre
ele.
Quanto
aos rebeldes, a certeza sobre seu arsenal, ainda mais químico, é frágil. Há,
entretanto, indícios. O Exército Livre da Síria, grupo secular que
congrega as diversas milícias da oposição, nega ter armas químicas. O
Jabhat al-Nusra, braço da Al-Qaeda que atua nas fileiras rebeldes de forma
proeminente, no entanto, pode ter algum tipo de arma química e estar pronto
para usá-la.
Em março, após o ataque na cidade de Khan al-Assal, uma fonte do
Exército sírio (e, portanto, interessada) afirmou ao Channel 4 do Reino Unido que os rebeldes teriam
utilizado bombas improvisadas com cloro. Talvez não por coincidência, a Al-Qaeda no Iraque, laço do Al-Nusra
com a Al-Qaeda, fez diversos testes com armas químicas à base de cloro. A
transferência deste tipo de conhecimento bélico, assim, não seria uma surpresa.
De acordo com o jornal The
Telegraph, analistas norte-americanos e independentes acham que
algumas vítimas foram "expostas a agentes cáusticos como o cloro" e
que pode ter havido "uso criativo" de agentes químicos. Ainda segundo
a publicação britânica, este tipo de armamento improvisado não é considerado
"arma química" por tratados internacionais. Assim, ao dizer que os
rebeldes não têm armamentos químicos, a ONU e os EUA podem estar andando sobre
uma linha meramente semântica.
A dificuldade da comunidade internacional para confirmar o uso de
armas químicas pode estimular o uso deste tipo de armamento. Para que as
Nações Unidas digam de forma clara que houve uso de arma química, há um
protocolo que envolve diversos testes em amostras de material genético de
vítimas, humanas e animais, e do solo. Sem acesso direto à Síria,
investigadores de França e Reino Unido, engajados na busca por respostas, estão
tendo dificuldades em confirmar se houve uso de armas químicas, qual agente foi
usado e de qual lado partiu o ataque. Sem as informações, não há como condenar
um dos dois lados. Sem condenação internacional, a utilização de armas químicas
pode se tornar uma trágica regra.
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