É incrível o
malabarismo com palavras que alguns comentaristas fazem para justificar um
comportamento machista. Quem leu o debate causado pelo último post pode ter uma
amostra bastante real do que as mulheres enfrentam ao saírem sem a companhia de
um “homens responsável” à noite. Gostaria de saber por que alguns machos cismam
em achar que violência só aparece na forma de mata-leão, soco no olho e
cotovelada que alguns proferem contra as mulheres quando não têm seus desejos
atendidos. O pior é o que passa despercebido, como se fosse parte de algo que
nos faz brasileiros.
Muitas
são vítimas de violência doméstica e no trabalho, enfrentam jornadas triplas
(trabalhadora, mãe e esposa), não têm direito à autonomia do seu corpo – que
dirá de sua vida, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas
também por uma sociedade que vive com um pé no futuro e o corpo no passado. A
qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas
bizarrices. Discutimos muito sobre as mudanças estruturais pelas quais o país
tem que passar, citando saúde, educação, transporte, segurança, mas esquecemos
dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos
fundamentais. Que não conhecem classe social, cor ou idade. Como as mulheres
que são maioria numérica – e minoria em dignidade efetiva. Alguns comentários:
1)
Dado Dolabella, que ficou conhecido por agressão e por ser enquadrado na Lei Maria
da Penha, ganhou um R$ 1 milhão em um reality show após voto maciço de
internautas e telespectadores. Um povo que premia um agressor de mulheres tem
moral para reclamar de corrupção na política ou de qualquer outra coisa?
2)
Temos uma mulher na Presidência. Simbolicamente relevante, politicamente
insuficiente. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas,
vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios.
Isso sem falar das chefias de redação. Falta criar condições para que elas
cheguem lá. Ou alguém acha que isso vai ocorrer por geração espontânea?
3)
A Suprema Corte tem 11 assentos. Só dois deles pertencem a mulheres,
infelizmente. Quem liga a TV Justiça em horário de transmissão do STF de pautas
importantes e temas que são holofotes para o ego sabe o que estou dizendo.
4)
Para muita “gente de bem”, pior que exploração sexual de crianças é mulher
adulta ter direito a decidir sobre seu próprio corpo. Até porque, cada coisa no
seu lugar: mulher é historicamente objeto e menina com peito e bunda já é
mulher.
5)
Um juiz de Sete Lagoas (MG) disse ao rejeitar punições baseadas na Lei Maria da
Penha?: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós
sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade
emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é
masculina! Jesus foi homem!”(…) Para não se ver eventualmente envolvido nas
armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido
de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.”
6)
Tem também o então arcebispo de Olinda e Recife José Cardoso Sobrinho, que
excomungou os médicos envolvidos em um aborto legal realizado em uma menina de
nove anos, grávida de gêmeos do padrastro que a estuprava desde os seis anos de
idade. Ela tinha 1,36 m e 33 quilos.
7)
Em 1983, o ex-marido de Maria da Penha atirou nas costas da esposa e depois
tentou eletrocutá-la. Não conseguiu matá-la, mas a deixou paraplégica. Muitos
anos de impunidade depois, pegou seis anos de prisão, mas ficou pouco tempo
atrás das grades. A sua busca por justiça tornou-a símbolo da luta contra a
violência doméstica. A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006 para combater a
violência doméstica contra a mulher, sofre constantes ataques desde que foi
criada. Interpretações distorcidas de juízes, falta de orçamento para colocar
políticas de prevenção em prática, tentativas de diminuir a força dessa
legislação.
8)
A opressão é, por vezes, travestida de um simples costume. Por exemplo, forçar
a namorada a adotar o sobrenome após o casamento é bisonho. A lei garante que
ela não seja obrigada mas, mas forte que a lei, são os olhares tortos da
família do noivo e, não raro, também da família da noiva. Uns vão chamar de
tradição – esquecendo que tradição é algo construído, muitas vezes pela classe
(ou gênero) dominante.
9) Homens que trabalham no Brasil gastam 9,2
horas semanais com afazeres domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham
dedicam 20,9 horas semanais para o mesmo fim – dados de uma pesquisa da
Organização Internacional do Trabalho. Com isso, apesar da jornada semanal
média das mulheres no mercado ser inferior a dos homens (34,8 contra 42,7
horas, em termos apenas da produção econômica), a jornada média semanal das
mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens – 52,3
horas – somando com a jornada doméstica. E os caras ainda dizem que trampam
mais do que elas.
10)
Pesquisas apontam que a violência doméstica não é monopólio de determinada
classe social e nível de escolaridade. A mão que, à noite, espanca pode ter
apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O
que une os diferentes não é o futebol. É o machismo. Cantar um “tapinha
não dói” tornou-se hit cult e sucesso popular.
É
o que eu já disse aqui antes: todos nós, homens, somos sim inimigos até que
sejamos educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é
um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto.
Grande parte dos comentaristas deste blog estnao aí para provar meu ponto.
Fonte: Leonardo
Sakamoto - Jornalista e Doutor em Ciência
Política
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