O universitário Davut, 21, foi detido e
agredido por policiais em Istambul ao participar de um protesto no dia 2.
Acampado no parque Gezi desde então, participa toda noite da vigília que afasta
a polícia da praça. Com medo de novas agressões, Davut preferiu não dizer o
sobrenome e pediu para ser fotografado apenas com máscara de gás lacrimogêneo.
Vim para a praça Taksim no sábado, dia
1º, sozinho, com a roupa do corpo. Soube do que estava acontecendo pelo Twitter
e pelo Facebook. Moro em outra cidade, mas já estava em Istambul por causa das
férias. Como meus amigos vieram pra cá, decidi vir também.
Cheguei às 8h30 da manhã e comecei a
andar para ver o que estava acontecendo. Lá pelas 10h30, houve o primeiro
confronto com a polícia. Veio o gás lacrimogêneo e todos correram,
desesperados.
Eu estava usando uma máscara que meus
amigos me deram. Pelas ruas, algumas pessoas distribuíam máscaras. Mas quem não
tinha chorava e não conseguia respirar. Também jogaram muitos jatos d'água.
Naquela noite, decidi ficar aqui
acampado com os outros para proteger o parque. Mas ninguém conseguiu dormir. Os
enfrentamentos se repetiam e era impossível pegar no sono.
No dia seguinte, por volta das 20h,
decidimos que era preciso distrair a polícia desse lugar que queríamos proteger.
Outras pessoas e eu fomos para o bairro de Besiktas. Eram mais de 2.000 pessoas
lá e ficamos até a polícia desistir, até umas 5h da manhã.
Três amigos e eu estávamos voltando
para cá quando fomos cercados e colocados num carro de polícia. Lá dentro já estava
uma menina, que devia ter mais ou menos a minha idade.
Eles nos levaram para a frente do
palácio Dolmabahçe [usado pelo governo para eventos especiais e visitas de
líderes estrangeiros] e tiraram a gente do carro. Pegaram-nos pelo cabelo e
começaram a bater nossa cabeça na porta do carro.
Eles davam tapas muito fortes na cara
da menina. Diziam que ela era uma puta e que iam estuprá-la.
Enquanto eles chutavam os homens, um
policial, sem querer, acertou a menina. Ela não conseguia respirar.
Depois disso, a polícia ligou o motor
do carro e nos disse: "Podem ir. Procurem um hospital, vão para onde vocês
quiserem".
A gente voltou para cá e foi procurar
ajuda numa enfermaria que os voluntários montaram. Meu lábio sangrava e eu
tinha muita dor na cabeça. Até hoje dói. O outro cara foi para um hospital.
Voltei para a praça porque quero
liberdade. Nós temos um objetivo aqui e não sairemos até conseguir. No começo,
era a construção do shopping. Eu queria proteger as árvores. Depois se tornou
algo muito maior que isso.
A questão não é de religião. Eu sou
muçulmano também. O problema é que o governo quer nos impor a sharia (lei
islâmica). Eu não tenho problema com quem usa véu, por exemplo.
Respeito. Mas quero beber, sair à noite
e quero que as mulheres possam se vestir como elas quiserem.
Acredito em Deus, mas quero ter uma
escolha.
Aqui no parque Gezi é uma festa. As
pessoas bebem, brincam e fazem esportes. Eu me alimento com o que ganho das
doações e tomo banho num hotel que abriu as portas para a gente.
Mas isso só acontece porque a gente faz
barricadas para proteger essa área. Então, à noite, eu quase não durmo.
Colocamos ônibus impedindo a entrada da
polícia nas ruas que dão acesso ao parque e à praça. Também usamos pedras,
tijolos, grades e o que mais tiver à disposição para montar as barreiras.
Toda noite, a polícia vem e começa a
destruir essas barricadas para chegar aqui. É como uma guerra. A gente resiste
e constrói as barreiras de novo. Há duas noites eles não vêm. A gente acha que
estejam fazendo isso para que a gente se descuide e eles possam chegar de
surpresa.
Nós temos cinco objetivos, e um deles é
que [o primeiro-ministro, Recep Tayyip] Erdogan peça desculpas. Queremos outro
governo, mas a gente sabe que ele não vai sair agora. Estamos esperando a polícia
chegar para nos tirar daqui. E, quando eles chegarem, ninguém sabe exatamente o
que poderá acontecer.
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