Os indígenas se reuniram com autoridades dos diferentes poderes para se contraporem às ofensivas do legislativo, judiciário e executivo.
“Mataram a gente com a Bíblia e com a espada e hoje matam com leis”
Em uma semana de intensa movimentação política, a Mobilização Nacional Indígena levou até Brasília as reivindicações dos diversos povos tradicionais do país. Entre os dias 13 e 16 de abril, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), cerca de 1500 indígenas representantes de aproximadamente 200 povos de diversos estados e regiões estiveram ocupando a Esplanada dos Ministérios na capital federal. Convocado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o 11o ATL teve a participação de quilombolas, ribeirinhos e de movimentos sociais da cidade e do campo, que se somaram ao acampamento.
Com uma agenda cheia, os indígenas se reuniram com autoridades dos diferentes poderes para se contraporem às ofensivas do legislativo, judiciário e executivo aos seus direitos. “É importante reafirmar que estamos vivos, que a nossa cultura permanece entre o nosso povo, e dizer pro Estado brasileiro que estamos aqui pra defender os nossos direitos, acima de tudo pra defender a nossa vida, acima de tudo pra defender o nosso território. O território é a vida dos povos indígenas”, explicou a liderança Lindomar Terena.
Após chegada das delegações, seguida de plenária de organização, o acampamento foi montado na madrugada de segunda para terça-feira. O primeiro dia de mobilização (14/04) teve como foco o Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por recentes decisões que anularam os processos de demarcação das Terras Indígenas Guyraroká – do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, Porquinhos – do povo Canela Apãnjekra, no Maranhão e Limão Verde – do povo Terena também no Mato Grosso do Sul.
Na opinião do movimento, as decisões do Supremo restringem os direitos dos povos indígenas previstos na Constituição Federal (CF) ao aplicar as condicionantes do julgamento da TI Raposa Serra do Sol para analisar outras demarcações. No caso dos três julgamentos citados, os Ministros da 2a Turma do STF utilizaram a tese do marco temporal, que diz que no dia 05 de outubro de 1988, data de promulgação da CF, os povos indígenas deveriam estar ocupando ou disputando a terra, seja judicialmente, seja através do conflito, para configurar a tradicionalidade de um território.
Os manifestantes seguiram caminhando em ato pela Esplanada até o prédio do STF onde realizaram uma vigília com rituais de cantos e danças. A forte chuva repentina não desanimou nem mesmo os mais velhos, que seguiram forte na pajelança para espantar os maus espíritos da casa que concentra as mais importantes decisões da justiça brasileira. “Está chovendo pra lavar o mal do STF”, comentou uma liderança Kaxinawá durante o ato.
Os gritos de “fora PEC 215!” deram o tom dos protestos durante a semana. A PEC, que tem como prerrogativa a transferência da competência de demarcação de terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas, do Executivo para o Legislativo, representa um retrocesso nos processos de regularização fundiária pois entrega nas mãos da bancada ruralista (http://www.republicadosruralistas.com.br/) o poder de decisão sobre os territórios tradicionais. Em dezembro do ano passado, após pressão intensa do movimento indígena, A PEC 215/2000 foi arquivada. Em fevereiro desse ano, porém, foi desarquivada com um requerimento dos parlamentares da bancada ruralista e hoje tramita em uma Comissão Especial.
“Fizeram essa lei [PEC 215] pra matar o meu povo, mas a gente não vai deixar matar não, porque é a nossa terra. Nós nascemos aqui quando surgiu a terra. Essa casa é a casa da cobra grande, a cobra grande está aqui. Nós viemos aqui defender os nossos direitos e vamos matar a cobra grande, matar e enterrar e queimar no fogo pra não nascer mais”, discursou Davi Kopenawa, liderança do povo Yanomami durante a sessão na Câmara dos Deputados que contou com a presença de 180 indígenas, ainda que o movimento tenha negociado a entrada de 500 lideranças – recebidos por um cordão de policiais que atravancaram o fluxo de entrada dos indígenas, dificultando a presença da totalidade do grupo no local.
O cacique Raoni Metuktire, do povo Kaiapó, que juntamente com Sonia Guajajara, coordenadora da Apib, foi o único convidado a sentar na mesa junto com os deputados – ainda que houvessem representantes de cerca de 200 povos acampados na Esplanada –, pediu para que os parlamentares respeitassem os povos indígenas: “O Brasil foi invadido, o nosso Brasil foi invadido, os brancos chegaram aqui no Brasil acabando com todas as nossas riquezas. Eu sempre defendi a terra e os nossos direitos, peço que os parlamentares façam o mesmo”. Na mesma sessão, a liderança Neguinho Truká colocou: “Mataram a gente com a Bíblia e com a espada e hoje matam com leis”.
Após pressão do movimento indígena Dilma assina homologação de terras
A Presidência da República publicou segunda-feira (20) os decretos de homologação de três Terras Indígenas: Arara da Volta Grande do Xingu, dos povos Arara e Juruna, TI Mapari, aonde vivem os Kaixana e TI Setemã, do povo Mura – todas localizadas na Amazônia Legal e, se somadas, contabilizam 232,5 mil hectares. A decisão veio após um hiato de dois anos; a última terra regularizada pelo governo federal foi a TI Kayabi, em abril de 2013. Foi anunciado também nessa semana a realização de novo concurso para a contratação de 220 funcionários para a Fundação Nacional do Índio.
Existem ainda dezoito processos de homologação parados na mesa da presidenta, sem nenhum impedimento legal ou administrativo para serem assinados e 12 terras na mesa do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo que aguardam a assinatura da Portaria Declaratória, etapa anterior à homologação.
O silêncio frente à regularização fundiária de terras em que há conflito fundiário e a consequente situação de vulnerabilidade das comunidades indígenas é sintomático. Para Lindomar Terena, a violência se dá pelo fato de que o governo paralisou a demarcação das terras indígenas: “uma vez que se paralisa o processo de demarcação a gente entende que isso é um combustível para o aumento de conflito nas regiões do país”. Das 1.047 áreas reivindicadas por povos indígenas atualmente, apenas 38% estão regularizadas, destas 98,75% são na Amazônia Legal. Apenas 1,25% da extensão das terras indígenas está regularizada, nela vivem 554.081 indígenas.
O Mato Grosso do Sul, estado que registrou 102 assassinatos e 174 suicídios de indígenas nos últimos três anos, não tem nenhuma terra demarcada desde 2009. A liderança Guarani Kaiowá Eliseu Lopes, de Kurusu Ambá coloca a autodemarcação como única via frente ao descaso das instâncias governamentais: “A demarcação no MS está paralisada há muitos anos. O que tá assegurando agora é a nossa própria força, a própria decisão das comunidades, do Aty Guasu, de todos os Guarani Kaiowá, que é ocupar territórios, as nossas terras. Nós estamos fazendo a autodemarcação pela nossa própria mão, porque pelo governo a gente já esperou muito”, explica.
Fonte: Carta Maior
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