quarta-feira, 14 de maio de 2014

POR QUE A #LEYDEMEDIOS MEXICANA É TÃO PERIGOSA PARA A INTERNET? - COM VÍDEO


Há duas semanas, ativistas mexicanos chamaram a atenção da comunidade internacional para os absurdos de uma proposta de lei de telecomunicações enviada pelo presidente Enrique Peña Nieto (EPN) ao Senado daquele país. Combinando protestos nas redes e nas ruas, os manifestantes conseguiram levar a hashtag #EPNvsInternet ao trending topic mundial, com quase um milhão de mensagens compartilhadas no Twitter. Desde então, diversos protestos irromperam em várias cidades do México, sendo o principal deles a corrente humana entre a sede da Televisa em Chapultepec até a residência oficial de Los Pinos (de onde a polícia não deixou que se aproximassem), palácio do presidente, no último dia 26 de abril.

Mas por que tanto alarde? Será que a proposta é tão nociva?

A julgar pelas questões relativas à internet (a lei de mídia contempla outros aspectos), a resposta é “sim, e muito”. Se, no Brasil, a presidenta Dilma Rousseff sancionou um Marco Civil amplamente debatido pela sociedade, no qual se tenta ao máximo eliminar qualquer tentativa de violar a neutralidade da rede, o caso mexicano vai bem no caminho oposto: sem grandes discussões, a proposta apresentada prevê vigilância expressa sobre internautas e interrupção de serviços sem necessidade de ordem judicial.



Por ora, o PRI (Partido Revolucionário Institucional, sigla de EPN) reagiu aos protestos e recuou da proposta, prometendo alterar os pontos problemáticos antes de o texto ir a votação, agora prevista para junho. Mas não é tão simples. Primeiro, porque o responsável por apresentar a versão do presidente à casa é o senador Lozano Alarcón, do conservador PAN (Partido da Ação Nacional). Ele, que também é presidente da Comissão de Comunicações e Transporte do Senado, é acusado pelos colegas de excluí-los das discussões sobre a revisão da proposta, violando procedimentos parlamentares básicos. Ao se defender, Alarcón tuitou: “Só digo que nossa lei sobre #telecomunicações elimina qualquer censura ou bloqueio na internet, e outras tantas preocupações”.

Em segundo lugar, os principais ativistas da campanha #EPNvsInternet têm denunciado que a patota PRI/PAN tentará aprovar a proposta com pouca ou nenhuma alteração quando as atenções do país estiverem voltadas à Copa do Mundo no Brasil.


Voltando. Enquanto esperamos pelas novas articulações, vejamos abaixo, em alguns pontos, por que a proposta de Peña Nieto é o exemplo do que jamais deve ser seguido em matéria de legislação para internet (o texto original está aqui):

1. Na introdução da proposta (se quiser espiar, está na p. 29), o governo defende solenemente que “as empresas não devem limitar, degradar, restringir ou discriminar o acesso a qualquer serviço, seja provido em sua rede ou em outras, nem limitar o direito dos usuários do serviço de internet a incorporar ou utilizar qualquer classe desses instrumentos, dispositivos ou aparatos que se conectem a sua rede”. Bonito, não? Está na seção “Neutralidade da rede”. Mas seria ainda mais bonito se, no próprio decreto (artigo 197, parágrafo VII), não houvesse a clara determinação de “bloquear, inibir ou anular de maneira temporária os sinais de telecomunicações em eventos e lugares críticos para a segurança pública e nacional quando solicitado pelas autoridades competentes”. Não sei vocês, mas quando leio “eventos críticos”, na verdade leio “manifestações conta o governo”; e, por “lugares críticos para a segurança pública”, entendo “aglomeração de manifestantes”.

2. O terceiro parágrafo do artigo 145 também começa em grande estilo: “As concessionárias ou autorizadas a prestar o serviço de acesso à internet [...] deverão preservar a privacidade dos usuários e a segurança da rede”. E também termina em tragédia: “Poderão bloquear o acesso a determinados conteúdos, aplicações ou serviços sob pedido expresso do usuário, quando houver ordem de autoridade ou sejam contrário a alguma normatividade”.

3. A proposta prevê (na parte VIII, intitulada “Da colaboração com a justiça”) que os provedores de internet poderão armazenar por até 2 anos os dados e os registros de comunicações dos usuários, incluindo apenas: a origem e o destino dessas comunicações, a data, a hora, a duração das mensagens e… o nome do titular de uma linha e o endereço físico do dispositivo de comunicação. Querem mais ou podemos parar por aqui?


Cidadãos de vários países do mundo se engajaram nos protestos online. Imagem: Blog Contra el Silencio

4. Ok, vamos um pouco além. Ainda sobre a morte da neutralidade da rede, o artigo 146 sentencia: “As concessionárias e autorizadas que prestarem o serviço de acesso à internet poderão fazer ofertas segundo as necessidades dos segmentos de mercado e clientes, diferenciando entre níveis de capacidade, velocidade e qualidade”. Da forma como está redigido este e os próximos artigos, a proposta permite que um determinado provedor dê prioridade de acesso e de velocidade a determinados sites (tal como o Netflix, por exemplo, como já ocorre nos EUA). É o típico cenário em que pode mais quem paga mais, fazendo da internet uma grande rede de TV a cabo.

5. O projeto permite interferir diretamente nas comunicações pessoais, sem qualquer tipo de controle judicial, o que viola princípios básicos de direitos humanos. O artigo 190 (número bem sugestivo) obriga que as concessionárias autorizadas a comercializar e os provedores de serviços, aplicações e conteúdos permitam “que as autoridades facultadas pela lei exerçam o controle e a execução da intervenção das comunicações privadas”, além de “conferir todo o apoio que estas lhes solicitarem, em conformidade com as leis correspondentes”. Sim, intervir nas comunicações privadas.

6. Por fim, para minar de vez com os movimentos sociais, os protestos e suas lideranças, recorre-se ao artigo 189, no seguinte trecho: “As concessionárias de telecomunicações e as autorizadas estão obrigadas a proporcionar a localização geográfica em tempo real, de qualquer tipo de dispositivo de comunicação, quando solicitada pelos titulares das instâncias de segurança ou dos servidores públicos aos quais for delegada essa faculdade”.

Que fazer diante de um projeto como esse? Campanhas informativas e pressão social. Acompanhe algumas dessas ações:



No más poder al poder: http://nomaspoderalpoder.org

Yo soy red: http://yosoyred.com

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