terça-feira, 27 de maio de 2014

BRASIL: INFÂNCIA ESQUECIDA


Hoje falar de direitos humanos de crianças e adolescentes se transformou em assunto de gente chata, que quer falar de direitos e não de deveres. Que sempre evita o esquecimento dos direitos e deveres definidos nas cartas internacionais e nacionais da infância. Frases como: “Quem defende erradicação do trabalho infantil, cultura contra palmadas, enfrentamento da proposta de redução da idade penal, é porque que não sabe que na vida a gente aprende é com o tranco e com castigo e trabalho mesmo”.

Estas afirmações acima mencionadas retratam o senso comum de uma boa parte da sociedade brasileira, que perpetua uma cultura de uma possível “educação” forjada na desvalorização e vulgarização dos direitos conquistados ao longo dos últimos anos de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e em condição peculiar de desenvolvimento. Estas pessoas se acostumaram a ver meninas e meninas trabalhando na lavoura, serviços domésticos, no comércio, na fabricação de produtos artesanais ou industrializados e nas esquinas de tantos semáforos de nossos centros e periferias urbanas. A base da legitimação para estas cenas é como se isso fosse uma forma de exercer sua condição humana de ganhar a vida, ou de se educar para o necessário mundo do trabalho.

“Ué, mas é assim que a vida ensina. Trabalhar não é um mal, faz parte da vida humana. Eu trabalhei desde pequeno e isto formou meu caráter e me preparou para a vida. Criança tem que trabalhar pra dar valor às coisas da vida!”.

Esta visão traz no bojo uma afirmação de que as crianças e adolescentes não tem direito de viver sua condição especial de aprendizagem e desenvolvimento, eles devem se submeter à responsabilidade da roda da sobrevivência e ao peso enfadonho da vida regido por um dever de desafios e repetição.

Há uma concepção equivocada, distorcida e danosa historicamente por pessoas que acreditam firmemente no “poder da educação” para crianças e adolescentes por meio do trabalho. A questão é: o que entendemos de infância e Adolescência? Quais são os elementos necessários para esta etapa da vida de todo e qualquer ser-humano? O que deve ser potencializado e oferecido como oportunidade? Durante muitos anos esta cultura de submeter e aceitar a infância mecanismos de trabalho aponta para um adultocentrismo da infância e uma anulação do principio que rege as condições deste período de existência. A vida não é feita só de uma perspectiva laboral. Ou seja: não apenas serei marceneiro, comerciante e assim por diante. Somos um ser integral com diversos potenciais e necessidades que devem ser desenvolvidos e propiciados em territórios diversificados, múltiplos e cotidianos de aprendizagem. Queremos aprender sobre o mundo, suas informações, seus mistérios e revelações, sobre o prazer de brincar e jogar, sem o peso do “dever” imposto pela agenda especifica da responsabilidade da vida adulta. Queremos descobrir leituras e nos lançar em âmbitos e situações que forcem nossa mente e corpo a se desenvolverem de forma sadia e qualitativa.

Na infância sabemos que está uma das etapas mais importante para desenvolver nosso potencial de ser gente. Aprendemos a amar e ser amado, relacionar-se, imaginar, criar, jogar, divertir-se, enfim, aprendemos a aprender. O tempo e os espaços devem oportunizar este “lugar e momento” do desenvolvimento emocional, cognitivo, cultural e social por excelência. Gastar tempo em jogos, brincadeiras e em momentos de criação e imaginação em nossa infância é promover que tenhamos seres-humanos com suas potencialidades desenvolvidas de maneira singular e oportuna em nossa sociedade.

Lugar de criança não é em uma atividade repetitiva ou que a exponha arduamente a busca pela sua sobrevivência. Este é o lugar dos adultos, esta é a responsabilidade dos mesmos. Lugar de criança é na escola, em espaços culturais, na rua, como espaço pedagógico de relações e liberdade, aprendendo a fazer jogos e brincadeiras, se deliciando com as artimanhas de soltar pipa, ou de descobrir seus medos em mergulhos em rios, piscinas ou subir em muros e árvores. Lugar de crianças é no ócio criador que possibilita a imaginação e incentiva a curiosidade que lança para descobertas do corpo, afetividade e do intelecto frente a inúmeras realidades do que chamamos de vida.

Esta perspectiva apresentada é realidade em nosso contexto brasileiro marcado por diferenças sociais e econômicas? Infelizmente em grande parcela de nossas comunidades periféricas e nos rincões de nosso país, isto não é uma realidade construída. Vivemos ainda numa realidade dura e feia gerada pelos equívocos de famílias e da sociedade de modo geral orquestrada pela ineficiência na implementação de políticas públicas na área da educação, saúde, lazer e assistência e tantas outras.

No Brasil sabemos que lugar de criança ainda é em lugares especificamente de adultos, em especial para a população empobrecida e marginalizada pelo sistema econômico. O número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham no Brasil diminuiu, mas o País ainda tinha 3,7 milhões de meninos e meninas em atividades econômicas ilegais em 2011. Os dados fazem parte do estudo O Trabalho Infantil Doméstico no Brasil, divulgado pelo FNPETI (Fórum Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil). O contingente de crianças que trabalham representa 8,6% do total da população desta faixa etária — havia 42,7 milhões de jovens entre 5 e 17 anos no Brasil em 2011.

Enfim, estes são os dados gerais da situação das crianças e adolescentes no país. Um longo caminho teremos que percorrer para chegar a erradicação dos trabalhos severos, considerados escravos, e dos mais comuns e cotidianos que acontecem dentro de casa ou nas ruas de nossas comunidades. Um país em que crianças têm tempo e espaço para se desenvolverem é um país que investe não em seu futuro e sim na condição vital de seu presente.

É hora de nossas crianças e adolescentes viverem aquilo que o próprio ECA define como condição peculiar no artigo 6º: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

O Brasil tem como de, até 2015, erradicar as piores formas de trabalho infantil e, até 2020, todas as formas. Será possível? Se investirmos de maneira prioritária numa nova cultura frente à infância deste país sim.

Continuemos com nossa luta pela efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, livres dos entraves e pesos históricos de adultos donos de tantas verdades e equívocos. Deixemos as crianças serem crianças, não esqueçamos disso em nossas rotinas e desafios enquanto cidadãos de uma sociedade justa para todos e todas, inclusive para nossas crianças e adolescentes, historicamente calados e manipulados por tantos interesses e descasos.

* Fábio José Garcia Paes é Assessor Nacional de Advocacy

Fonte: Carta Capital

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