quinta-feira, 2 de abril de 2015

BRASIL: LINCHAMENTO, EXTERMÍNIO EM NOME DA ORDEM


O Brasil está entre os países que mais lincham no mundo. Nos últimos 60 anos, de um milhão a um milhão e meio de brasileiros já participaram de ações de justiçamento de rua. Ações essas, motivadas por atos de estupro de crianças, casos de incesto, roubos que vitimaram pessoas pobres e desvalidas, que culminam no trucidamento violento dos acusados. Esses dados fazem parte de um estudo feito pelo sociólogo José de Souza Martins, e que virou livro: Linchamento – a justiça popular no Brasil, lançado em março pela editora Contexto.

Com ênfase na dimensão ritual dos linchamentos, os ensaios escritos para o livro constituem uma análise sistemática de dados ao longo de mais de 30 anos de observações e registros, e possuem um caráter preferencialmente qualitativo, que puramente quantitativo.

“Os linchamentos por aqui datam de 1585 e o número de participantes mostra que a crescente frequência dessas ocorrências já pode ser o resultado de um efeito multiplicador, o que se nota em municípios e bairros em que tendo ocorrido um linchamento, com facilidade ocorre outro”, explica Martins.

No Brasil, 95,7% de linchamentos e tentativas acontecem no meio urbano, 66,7% nas regiões metropolitanas, 58,3% nas capitais, 41% em cidades do interior e 4,3% em zonas rurais. A região metropolitana de São Paulo é a que mais lincha no país. Em segundo lugar está Salvador, seguida pela cidade do Rio de Janeiro. São Paulo lincha quase quatro vezes mais do que o Rio.

Os linchamentos se adensam nas áreas periféricas das cidades. Localidades onde se concentram os migrantes do campo, recentes ou não, privados da terra e do trabalho regular, vivendo no limite da economia estável e da sociedade organizada. Uma população dividida entre a desmoralização e a necessidade de afirmação dos valores mais tradicionais da família e da vizinhança.

Martins contesta o discurso de que os linchamentos ocorrem porque a policia é omissa, ou até mesmo, conivente. E que seriam uma expressão de orientação política que favorece a prática da justiça extralegal.

“Minha análise aponta em outra direção. Esse tipo de atrocidade tem caráter espontâneo e se configura em decisão súbita, difusa, irresponsável e irracional. Mesmo nos casos em que não é praticado pela típica multidão anônima, e sim por grupos mais bem ‘comunitários’, não decorre de uma atitude de vigilância para reprimir o crime”, afirma o sociólogo.

Embora no geral seja curta a duração do ódio que move a agressão, não é pequeno o elenco dos momentos do ato de linchar. Eles vão da perseguição ao apedrejamento, ao espancamento, à mutilação e, não raro, ao extermínio da vítima.

Foi o que aconteceu com Fabiana Maria de Jesus, 31 anos, espancada e morta no bairro de Morrinhos, no Guarujá – litoral paulista – em maio de 2014, após ser confundida com uma mulher que fazia rituais de magia negra com crianças. Surpreendida por dezenas de pessoas quando voltava para casa, a dona de casa foi agredida por pauladas, socos e pontapés. Teve uma de suas mãos amarrada e seu corpo arrastado por alguns metros. Ela teve traumatismo craniano e morreu dias depois. 

Segundo Martins, o que move a prática do linchamento é a motivação conservadora, a tentativa de impor castigo exemplar e radical a quem tenha, intencionalmente ou não, agido contra valores e normas que sustentam o modo como as relações sociais estão estabelecidas e reconhecidas ou tenham posto em risco.

“A crueldade da multidão é demarcada e regulada por valores e procedimentos do justiçamento arcaico, que nos remetem a normas e critérios da Inquisição e das Ordenações Filipinas”, explica o sociólogo.

Em novembro de 2011, o motorista de ônibus Edmilson dos Reis Alves, de 59 anos, foi espancado até a morte em Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, após perder o controle do veículo e bater em três carros, três motos e atropelar um rapaz de 26 anos. Segundo a polícia, ele teve um mal súbito ao volante, o que fez com que deixasse de controlar o veículo.

Pessoas que estavam no local e participavam de um baile popular passaram a depredar o ônibus, entraram no veiculo, levaram o motorista para a rua e iniciaram o pancadaria.

Para Ariadne Lima Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), os linchamentos evidenciam a crise da ordem social e a cultura de violência da sociedade brasileira, exemplificadas ainda nos bullyings e nos maus tratos a crianças. “Vivemos a cultura de que bandido bom é bandido morto”, diz.

Para justificar a sua tese, Ariadne relembra as declarações das pessoas que atacaram Fabiana de Jesus, no Guarujá. “Elas disseram que não sabiam que a moça era inocente. Isso quer dizer que a lógica estava funcionando. Ou seja, se ela fosse culpada, o linchamento estaria justificado. O direito a vida não pode ser suspenso em hipótese nenhuma”, afirma.

Segundo Martins, a própria população está se encarregando de combater a prática do linchamento. “Muitos estão sendo evitados porque as pessoas ligam para a polícia, que chega a tempo e evita o pior”, diz.

Fonte: Carta Maior

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