Quando se fala de 'reformar' e 'modernizar' os direitos trabalhistas, quem paga a conta da modernização é o trabalhador, que fica sem garantias.
Os direitos trabalhistas são apontados pelo Medef, o poderoso sindicato do patronato francês, como o responsável pelo desemprego de quase 11% da população. Este problema crônico da economia francesa pode ameaçar a reeleição de François Hollande em 2017, pois ele declarou que não se candidata a um segundo mandato se não conseguir « inverter a curva do desemprego ».
Não faltam aliados à tese do Medef, até mesmo no governo socialista. Eles louvam as vantagens de uma reforma para « modernizar » as relações trabalhistas. O problema é que, como apontam alguns, quando se fala de « reformar » e « modernizar », quem paga a conta da modernização é o trabalhador, abrindo mão de direitos e garantias.
« Hoje, tudo o que chamam de « reformas » constitui de fato um conjunto de recuos sucessivos em matéria de direitos sociais e de proteção aos assalariados, com privilégios para os poderosos e prerrogativas ampliadas para o grande patronato. Isso provoca no povo uma rejeição de qualquer ideia de « reforma », pois ele pressente que em nome dessa palavra mágica vão lhe pedir novos sacrifícios », afirma o jornalista Jack Dion, autor do livro « Le mépris du peuple ».
A solução segundo Pierre Gattaz, o “patron des patrons” (presidente do Medef), seria mudar a lei para permitir a tão desejada « flexibilização », que não é outra coisa senão menos segurança para os trabalhadores e mais facilidades para os patrões despedirem com menos despesas.
Apesar de garantir direitos sociais mais protetores que a maioria dos países europeus, o famoso modelo francês vive uma degradação nesse setor há quase 30 anos pois, como informa o Insee (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos) os empregos se tornaram mais precários e mais instáveis, sobretudo para as categorias mais frágeis. Segundo o Instituto, algumas formas particulares de emprego como contratos por tempo determinado (CDD) e contratos de estágio no setor privado já representavam 13% em 1998, enquanto que em 1982 eles eram apenas 5%. Esses contratos triplicaram, pois, num prazo de 15 anos. Consequentemente, os CDI (contratos por tempo indeterminado) foram diminuindo com o passar dos anos.
O livro recém-publicado Les contrats de travail flexibles. Une comparaison internationale, de Sophie Robin-Olivier, professora de direito na universidade Panthéon-Sorbonne, mostra como, pouco a pouco, as relações entre patrões e empregados foram sendo solapadas pela « flexibilização » do contrato de trabalho. No extremo oposto da proteção francesa, por exemplo, estão os Estados Unidos e a Grã-Bretanha que dão às empresas maior liberdade de contratar e de despedir. O que explica em parte a taxa de desemprego menor que a francesa, segundo alguns economistas.
Segundo Robin-Olivier, o direito trabalhista americano dá mais flexibilidade às empresas mas, em compensação, dá menos direitos e garantias ao trabalhador. Não é de admirar que em todos os países do mundo seja o patronato que defende a « flexibilização » que não é outra coisa senão a instauração do trabalho cada vez mais precário.
Segundo o autor de « Le mépris du peuple » esse avanço do neoliberalismo quer dar razão a Margaret Thatcher que dizia « There is no alternative ». Mas não é isso que pensam os movimentos de esquerda europeus como Podemos e Syriza, que pretendem justamente ser uma alternativa ao tsunami neoliberal que tomou conta da Europa e contaminou, até certo ponto, mesmo os socialistas franceses.
Em entrevista recente, o presidente do Medef defendeu o modelo dinamarquês de contrato de trabalho, chamado de “flexisécurité” (flexisegurança). « Ele não impede as empresas de despedir um empregado (como na França que tem muitas cláusulas de estabilidade, mesmo na empresa privada) mas os dinamarqueses também se preocupam com a segurança do assalariado para que ele possa encontrar novo emprego. Simples demais e funciona. Mas na França, tudo é política ».
Tradução : deixemos de lado o pudor de despedir e sejamos pragmáticos. Na opinião de Gattaz, sem dúvida « there is no alternative », como pensava Margaret Thatcher.
Fonte: Carta Maior
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