quinta-feira, 25 de junho de 2015

BRASIL: O CONTEXTO DE UMA ATRAPALHADA E FRUSTRADA VISITA


Os esforços de unidade e paz na América Latina não precisam de visitas atrapalhadas ou de agressividade nas relações internacionais.

A política externa de um Estado visa preservar sua segurança, seus interesses e influências no marco da sociedade internacional. Nesse terreno, as atividades diplomáticas regem-se por princípios que regulam a colocação apropriada, em cada tempo e espaço, de cada ação. As relações internacionais e o Direito Diplomático assumem por isso um caráter formal, trata-se da aplicabilidade de normas e costumes do Direito Internacional.

O corolário que rege essas diferenciações e que, desde logo, serve de fundamento para o conteúdo de cada uma, se encontra na Carta da Organização das Nações Unidas de 1945, que concretamente orienta a necessidade de desenvolver relações de amizade entre as nações, com base na autodeterminação dos povos e a igualdade de direitos. As medidas para essas finalidades devem ser as pertinentes para facilitar os acordos diante das frequentes e naturais controvérsias entre os Estados, bem como para promover a cooperação entre eles.

Entretanto, é claro que a sociedade internacional expressa aquilo que se encontra no seu cerne, as profundas contradições entre o centro e a periferia, as visões geopolíticas, os controles econômicos das multinacionais, as opções midiáticas como fator real de poder projetada à conformação da opinião pública, os interesses predominantes da estrutura hegemônica industrial, financeira e militar que condensa o grosso dos seus rumos.

Por isso, as relações entre as comunidades políticas independentes e os demais atores internacionais encontram no Direito um ponto de inflexão, especialmente pela evidencia da necessidade de colocar limites à ação autoritária dos Estados, e para tanto criaram-se os canais e instrumentos consolidados ao longo da história, seja no âmbito regional ou global, desde organizações que servem de cenários de diálogo sobre os mais diversos temas – Unasul, Celac, Mercosul, dentre outras - até a estruturação de cortes internacionais para a solução de conflitos. 

Se no âmbito internacional é tecido este pano de fundo, na ótica nacional há uma principiologia das relações exteriores fundada no respeito à soberania, que se projeta em dois aspectos: no interno de cada Estado revelando-se como autodeterminação para escolher seu regime político, sua forma e sistema de governo, a estrutura do seu Estado; no externo, como a capacidade de repelir qualquer ingerência que possa colocar em risco a segurança da sua sociedade, as condições de exercício da cidadania dos membros do seu povo, a sua cultura e formas de expressão. 

Diante de toda essa importante consolidação de costumes e textos normativos, e de não poucas reflexões coerentes e avançadas em torno das relações internacionais e da interação entre do doméstico e o externo, resulta desconfortável abordar as aventuras, trapalhadas e improvisos que conjunturalmente para nossa surpresa ainda se tornam matéria obrigatória de jornais e revistas.

Precisamente pelo fato de que a ingenuidade não é própria dos atores mais conhecidos das sociedades políticas é que estas trapalhadas conduzem facilmente a pensar que não se trata de falta de cautela de supostos desavisados, mas da alimentação consciente das confrontações, da exacerbação da animosidade e do compromisso com aprofundar as saídas não construtivas, mas desfavoráveis ao interesse de unidade e paz.

Por isso, que exista uma visão por parte de membros do Legislativo de um Estado com relação à situação de um outro país é completamente normal e até salutar; que pontos de vista, denúncias ou debates possam ser expostos, nos marcos da tolerância e o respeito, com relação ao que acontece em qualquer país vizinho, é apenas a constatação de que há uma complexa luta de contrários no cenário internacional que está intimamente ligado ao plano das contradições nacionais. Nesse sentido, por exemplo, as denúncias sobre as gravíssimas violações de direitos humanos por parte de paramilitares e agentes do Estado colombiano, que constituem uma ameaça constante ao processo de paz atualmente em curso, expostas por organizações de respeitabilidade, são, além de consistentes e legítimas, merecedoras de todas as visitas do Congresso brasileiro. Vale a pena também se perguntar: a situação dos presos em Guantánamo - onde se perdeu o Estado de Direito pela arrogância da política externa norte-americana - mereceria uma visita? Ou o tratamento dado às comunidades negras nos Estados Unidos? Ou o tratamento dos migrantes por parte do Estado francês ou do Estado inglês? 

Pretender, a partir de uma ação internacional, forçar um ato político para contestar em território do Estado vizinho uma situação de cunho doméstico de tamanha envergadura como “marcar eleições” é algo fora dos limites da atuação dos membros da sociedade internacional quando se está diante de um governo eleito com plena legitimidade, e quando sabidamente há denúncias de tentativas de golpe de Estado e uma oposição encabeçada por pessoas que há tempos perderam a cordura e enveredaram pelo chamado ao caminho da violência, vociferando como tem-se conhecimento em favor da realização de atos de vandalismo e sabotagem. 

Em tais condições, até pela delicadeza da situação, é preciso uma avaliação mais depurada. Não é novo para ninguém que analise as relações no contexto da América Latina que a República Bolivariana da Venezuela sofre constantes hostilidades. Trata-se de um assédio sistemático para minar a autoridade política e moral do seu governo e do seu processo de transformações. 

Seu posicionamento contrário aos interesses moldados a partir da lógica geopolítica dos Estados Unidos a colocaram, em virtude de um Decreto de 9 de março de 2015, em mais uma versão trash e medonha da política externa de Barack Obama, como uma “ameaça não usual e extraordinária aos Estados Unidos”. O Decreto, facilmente obtenível na mídia digital, outorga plenos poderes ao Secretario de Estado e ao Secretário do Tesouro para apontar como criminoso a qualquer cidadão da Venezuela e submetê-lo a sanções sem necessidades de notificação prévia. O ato do Executivo, em outro aparte, se dirige a aqueles que façam parte do Banco Central da Venezuela e sanciona a seis comandantes das Forças Armadas e um membro do Ministério Público por ações durante a contenção da violência desatada durante o primeiro semestre de 2014 pela oposição. Vale a pena lembrar que a ação de franco-atiradores e infiltrados nas manifestações ocasionaram comprovadamente a morte de 38 pessoas enquanto que os dados apontam a que 5 pessoas morreram por ação estatal, ações que devem ser apuradas pelo próprio Estado venezuelano. 

Também convêm lembrar que, em 11 de abril, o presidente da Venezuela, na Reunião das Américas realizada em Panamá, entregou a Obama 11 milhões de assinaturas de membros do povo exigindo a revogação do Decreto. E é nesse contexto que se prepara uma visita internacional de alguns senadores brasileiros, com o intuito já apontado, ao que há que adicionar, tentando forçar, pelos depoimentos da Embaixada, o acompanhamento a presídios nos quais estão detidos os investigados e culpados pelos atos de violência. 

A ausência de tato e de desatino beira, por isso, a ingerência, colocando aos agentes dessa ação no terreno da irresponsabilidade política e ética, pelas graves consequências que podem se ocasionar, não só para o deterioro das relações entre o Estado do qual são oriundos e o Estado vizinho, mas das relações regionais. Caminhos para falar de presos e direitos humanos é o que não faltam numa América Latina que já amadureceu bastante para entender que bravatas não resolvem os problemas.

A visita era pré-programada, o que é comum e segue o protocolo diplomático. Mas a extrapolação técnica dos seus objetivos é que marca realmente o cenário dos debates. Desde antes da autorização da Venezuela para o pouso da aeronave da FAB falava-se em sanções e denúncias perante a OEA. Alguns dos membros da Comissão, convertidos em arautos de uma democracia que historicamente pouco conhecem e praticam, expunham abertamente que para lutar pela democracia não há fronteiras, tomando partido no debate interno desse país e desconhecendo o cenário real sem oferecer maiores dados à opinião pública. 

Sem embargo, e para além dessas considerações, a Venezuela autorizou o sobrevoo e o pouso da aeronave. O restante que se vê é um diz que me diz do qual não se pode deduzir nenhuma responsabilidade das autoridades venezuelanas nem do corpo diplomático brasileiro na frustração dos senadores. Tampouco há evidências plausíveis de que tenham sido colocadas em risco sua integridade física pois os dispositivos de segurança foram realmente instalados em benefício da comitiva, como pode-se apreciar das imagens veiculadas pela imprensa e os depoimentos de alguns dos seus integrantes que, por sinal, não afinaram o discurso, apresentando versões contraditórias. Contudo, é sem dúvida lamentável o insucesso, desde o começo, passando pelo meio e culminando com o fim.

Os esforços de unidade e paz na América Latina não precisam nem de visitas atrapalhadas nem de doses de agressividade que apontam a uma prática de relações internacionais pouco razoável, ancorada nas pressões e nas intimidações. Há que voltar ao que realmente importa em termos políticos e jurídicos. Custou muito construir canais sólidos para lidar com as contradições entre as nossas nações e há em curso vários processos de integração regional, sobre os quais podemos ter as opiniões mais variadas e com certeza o debate está aberto nesse sentido.
Contudo, a principiologia da política externa, da diplomacia e do Direito não podem se perder nas conjunturas de maior gravidade. E já aprendemos em nosso passado recente que a unidade entre os povos é algo que se gera a partir da superação não só das dificuldades próprias das assimetrias econômicas ou os distanciamentos políticos, mas também trabalhando com sabedoria repelindo as torpes tentativas de dividir e gerar maiores polarizações, as que em nada favorecem a construção de caminhos que superem o atraso e o subdesenvolvimento. 
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Pietro Alarcon é professor dos cursos de Direito e Relações Internacionais na PUC/SP.

Fonte: Carta Maior

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