segunda-feira, 1 de junho de 2015

UCRÂNIA: A OPERAÇÃO 'ABUTRE' E OS DIREITOS TRABALHISTAS


A luta dos sindicatos ucranianos por salário digno não visa só a saldar dívidas sociais passadas: visa também proteger a economia ucraniana.
O colapso da Ucrânia depois do golpe de fevereiro de 2014 converteu-se num guarda-chuva que protege uma ‘operação’ de roube-o-que-puder-ização[1] galopante.

Dano colateral nessa condição de assalto generalizado, tem sido o trabalho. Muitos trabalhadores simplesmente não são pagos, e o que recebem é quase sempre ilegalmente baixo. Os empregadores retiram das contas das empresas o que lá encontrem e transferem tudo – preferencialmente para o ocidente ou, no mínimo para alguma moeda estrangeira.

Os atrasos salariais são cada dia maiores, porque, com a Ucrânia aproximando-se da véspera de dar calote nos mais de 10 bilhões de euros que deve a Londres, os cleptocratas e empresários começam a abandonar o navio. Já viram que os empréstimos externos secaram, e que a taxa de câmbio só despencará cada vez mais. O anúncio, pelo Parlamento, semana passada, de que subtraiu 8 bilhões de euros da reserva para pagar o serviço da dívida, para usar o dinheiro em mais um ataque militar na região exportadora ocidental do país foi a gota d’água para os credores externos, e até para o FMI. Esses empréstimos ajudaram a sustentar a taxa de câmbio da hryvnia por tempo suficiente para que banqueiros, empresários e outros ‘agentes econômicos’ tirassem do país a quantidade possível de ativos, o máximo de euros e de dólares que pudessem, antes do iminente colapso que virá, em junho ou julho.

Nessa situação de pré-bancarrota, esvaziar as prateleiras significa não pagar empregados nem outras contas. Há notícias de que os salários em atraso já alcançariam 2 bilhões de hryvnias, devidas a meio milhão de trabalhadores. Essa situação levou a Federação dos Sindicatos da Ucrânia a organizar um protesto contra o Gabinete de Ministros ontem, 4ª-feira, 27/5. E mais protestos estão marcados para as próximas duas 4ªs-feiras, dias 3 e 10 de junho. Segundo o vice-presidente da Federação Serhiy Kondratiuk, “o atual salário de subsistência de 1.218 hryvnias ucranianas é 60% inferior ao que determina a lei ucraniana, cálculo confirmado também pelo Ministério de Política Social (...). O salário mínimo no país é de 3.500 hryvnias ucranianas mensais. Mas o governo recusa-se a manter diálogo com a sociedade, para revisar os padrões.”

O cenário que vem por aí 

Esvaziar de vez os bancos comerciais ucranianos deixará prateleiras vazias. Com a economia ucraniana já quebrada, os únicos compradores existentes são milionários europeus e norte-americanos. Vender a estrangeiros é pois o único modo de gerentes e proprietários obterem algum retorno significativo – e compras pagas em moeda garantida depositada em contas no exterior, bem longe das futuras taxas e multas ucranianas. Privatização e fuga de capitais andam juntas.

E o mesmo se dá no campo do trabalho. Os novos compradores reorganizarão os ativos que compram, declaram a falência das empresas antigas e apagam os salários atrasados, junto com qualquer outra dívida incômoda que os empregados imaginem ter a receber. As empresas reestruturadas declararão que a falência apagou qualquer coisa que os ex-proprietários (ou as empresas públicas) devessem aos empregados. É praticamente o que os fazem nos EUA os compradores da massa falida de empresas, para apagar quaisquer obrigações que haja com pensões ou outras dívidas. Lá como cá, esses abutres declararão que “salvaram” a economia ucraniana e a tornaram “competitiva”.

Operação Abutre 

O golpe do general Pinochet no Chile foi ensaio geral para o que hoje se vê em todo o mundo e também na Ucrânia. No Chile, a junta militar golpista apoiada pelos EUA atacou furiosamente líderes sindicais, jornalistas, acadêmicos e líderes políticos potenciais. No Chile, foram extintos todos os departamentos de Economia nas universidades, exceto os que recebiam ‘especialistas’ em ‘livre-mercado’ vindos de Chicago, e que se concentraram na Universidad Católica. Ninguém pode ter “livre-mercado” à moda Chicago, sem tomar essas medidas totalitárias.

Os estrategistas norte-americanos gostam de dar nomes de aves míticas a esses seus golpes: Operação Fênix, no Vietnã; Operação Condor, na América Latina. Hoje, está em andamento programa semelhante contra falantes de russo que vivem na Ucrânia. Não sei que nome-código darão a mais esse ‘golpe padrão’. Sugiro chamá-lo Operação Abutre.

Para os sindicalistas, o problema não é só receber salários atrasados mas, também, conseguir algum salário mínimo necessário que permita sobreviver. Se não saírem às ruas e protestarem, simplesmente não serão pagos. Por isso estão organizando uma manifestação ‘neo-Maidan’ a favor, declaradamente, dos direitos dos trabalhadores da Ucrânia – tentando assim que os pistoleiros-atiradores ocultos que matam a serviço do Setor Direita não os tomem por manifestantes pró-Rússia. Os sindicatos estão tentando proteger-se buscando o apoio da Organização Internacional do Trabalho e da Confederação Internacional de Sindicatos em Bruxelas.

A tática mais efetiva para enfrentar a corrupção que está permitindo o não pagamento de salários e aposentadorias, é focar o ataque sobre o apoio externo que o atual regime na Ucrânia recebe, sobretudo do FMI e da União Europeia. 

Usar os sofrimentos dos trabalhadores como manto de proteção, para exigir outras reformas. Essas outras reformas podem incluir advertências bem explícitas de que qualquer venda a estrangeiros, de terras, matérias primas, aparelhos de infraestrutura e outros itens do patrimônio público ucraniano são negócios que serão desfeitos no futuro, quando houver na Ucrânia governos menos corruptos.

A favor dos sindicalistas, está o fato de que o FMI já violou suas próprias “Regras para Acordos de Empréstimos”, ao emprestar dinheiro para finalidades militares. No momento em que esse último empréstimo chegou às mãos de Poroshenko, ele anunciou que estava escalando sua guerra contra o leste do país. Esse movimento põe o empréstimo feito pelo FMI bem próximo do que os teóricos de Direito Comercial chamam de “Dívida Odiosa”: dívidas assumidas por junta que toma o poder à força e saqueia o Tesouro e faz dívidas, que deixa para algum futuro governo pagar pelo que a junta tenha roubado.

A luta dos sindicatos por salário digno não visa só a saldar dívidas sociais passadas: visa também pôr em prática um plano de recuperação que proteja a economia ucraniana de ser tratada como a da Grécia ou da Letônia, à moda dos neoliberais. 

Estrategistas norte-americanos têm tentado classificar como “Dívida Odiosa” – para escapar da obrigação de saldá-la – os $3 bilhões que a Ucrânia deve à Rússia, que vencem em dezembro. Tentam também classificar essa dívida como “ajuda externa”, o que a tornaria não cobrável. Por irônico que pareça, o Peterson Institute of International Economics, George Soros e outros Guerreiros da Guerra Fria, têm fornecido aos futuros governos ucranianos um vasto repertório de razões plenamente legais, para safarem-se da dívida externa que sufoca o país – e liberar recursos para pagarem salários e aposentadorias em atraso.

Se não for isso, só resta aos credores internacionais pensarem primeiro no FMI, na União Europeia e nos acionistas externos, e deixarem ‘prá depois’ a defesa de direitos soberanos capaz de impedir a autodestruição da Ucrânia.

[1] Orig. Grabitization. “A peça central do programa ocidental de rápida privatização do sistema comunista de produção em pouco tempo passou a ser conhecida na Rússia pelo termo grabitization: a apropriação ilegal de patrimônio do estado e da população soviética, por apparatchiks do partido, que logo se tornaram oligarcas com preciosas conexões dentro do poder.” 

Fonte: Carta Maior

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