A CPI da CBF teve até agora o mesmo destino do helicóptero de Zezé Perrella: virou pó! É difícil encontrar uma notícia na imprensa sobre a sua existência.
A prisão na Suíça de sete cartolas da Fifa – inclusive do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o velhaco aecista José Maria Marin – segue repercutindo na imprensa mundial. Já no Brasil, o bilionário escândalo de corrupção, que inclui propinas nas “transmissões televisivas”, simplesmente sumiu da mídia. A TV Globo, por razões óbvias, tirou o assunto da telinha. O “Jornal Nacional” quase não trata mais do espinhoso tema. Já os outros veículos, como em um pacto de mafiosos, também secundarizaram a cobertura do caso escabroso. Isto apesar da apuração do esquema, liderada pela polícia federal dos EUA (FBI) – não por motivações éticas, mas sim por interesses geopolíticos –, produzir bombásticas notícias quase diariamente.
Na semana retrasada, Chuck Blazer, o famoso “Mister 10%”, confessou diante de uma corte ianque que os cartolas da Fifa receberam propinas para escolher a França como sede da Copa de 1998. Segundo ele, os pagamentos ocorreram em 1992, quando a entidade ainda era presidida por João Havelange – um amigo íntimo da famiglia Marinho. “Entre outras coisas, eu concordei com outras pessoas em 1992 para facilitar a aceitação de propina”, afirmou. O delator também garantiu que o mesmo mecanismo foi usado para dar à África do Sul a sede da Copa de 2010. Neste período, o cartola Ricardo Teixeira – outro chegado da TV Globo e ex-presidente da CBF – integrava o Comitê Executivo da Fifa. Parte da propina foi paga pelo direito de transmissão dos jogos, confessou Chuck Blazer.
Antes destas revelações, o FBI já havia decidido investigar a atuação da máfia do futebol internacional nas escolhas da Rússia e do Catar para sediar as Copas de 2018 e 2022, respectivamente. Pelas já citadas razões geopolíticas, a decisão serviu para alimentar a especulação sobre a suspensão do torneio na Rússia, arqui-inimiga dos EUA. Este vendaval de denúncias acabou precipitando o anúncio da renúncia do cartola Joseph Blatter, que presidia a Fifa desde 1998 e que acabara de se reeleger para mais um mandato. Ele também atingiu o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke – que ganhou os holofotes da TV Globo ao criticar os preparativos da Copa do Mundo de 2014 e ao afirmar, arrogante, que o governo brasileiro merecia um “chute no traseiro”.
CPI, Polícia Federal e silêncio
No Brasil, o efeito desta avalanche de denúncias, que sempre partiu do exterior, foi a aprovação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o envolvimento dos cartolas nativos no escândalo. O requerimento foi apresentado pelo ex-craque Romário, senador do PSB carioca famoso por suas críticas à máfia da CBF, mas que sempre manteve relações amistosas com a famiglia Marinho. De imediato, a famosa “bancada da bola” exigiu presença na comissão – inclusive o senador mineiro Zezé Perrella, ex-chefão do Cruzeiro. Na mídia privada, a CPI da CBF teve até agora o mesmo destino do helicóptero da família do cartola, apreendido pela Polícia Federal com quase meia tonelada de cocaína. Virou pó! É difícil encontrar uma notícia na imprensa sobre a sua existência.
Por decisão do “republicano” ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a Polícia Federal também foi acionada para investigar as denúncias. Diferente da sua ação midiática na Operação Lava-Jato, até agora também não houve qualquer show pirotécnico contra os mafiosos do futebol. A apuração segue em total sigilo. Nem parece que existe. O que só reforça as suspeitas de compadrio e cumplicidade. Nos últimos 15 anos, a Polícia Federal já abriu 13 inquéritos para apurar escândalos envolvendo a CBF e o seu ex-presidente, Ricardo Teixeira. Nenhum deles teve qualquer resultado. Neste mesmo período, porém, a CBF patrocinou congressos, viagens e até cedeu a Granja Comary, centro de treinamento da seleção brasileira, para um torneio de futebol dos delegados da PF.
A Folha até registrou, numa notinha, estas sinistras ligações. “A relação da CBF com integrantes da PF se intensificou a partir de 2009. Ricardo Teixeira liberou R$ 300 mil para que a Associação de Delegados da Polícia Federal realizasse o 4º Congresso Nacional, em Fortaleza (CE). Foram quatro dias de evento. Teixeira foi um dos palestrantes na ocasião, onde falou sobre a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Meses depois, em 2010, a ADPF (Associação de Delegados da PF) realizou uma ‘pelada’ de futebol na Granja Comary, local usado pela seleção brasileira como centro de treinamento. Por três dias, a associação, que chamou o local de um dos ‘templos do futebol brasileiro’, reuniu delegados, peritos e policiais do Distrito Federal”. Na sequência, porém, o jornal sepultou o assunto.
A vida de luxo dos mafiosos
Motivos para um escarcéu midiático não faltam. Na semana passada, o Ministério Público Federal decidiu apurar se o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, cometeu irregularidade na compra de dois apartamentos de luxo em 2014, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. A Receita Federal também investiga a mesma transação. Uma das coberturas, no valor de R$ 5,2 milhões, foi adquirida de uma empresa dos filhos do empresário Wagner Abrahão, antigo parceiro comercial da CBF e amigo do ex-presidente da entidade Ricardo Teixeira. Antes, em maio do ano passado, Del Nero registrou em cartório que comprou outro duplex, no mesmo local, por R$ 1,6 milhão. Apesar das graves denúncias, o cartola se mantém irredutível à frente da confederação.
Também na semana passada, após intensa pressão, a Polícia Federal anunciou que indiciará o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, por “suspeita” de crimes financeiros. As operações “atípicas” foram identificadas pelo Coaf (Controle de Atividades Financeiras), ligado ao Ministério da Fazenda, que constatou que o cartola movimentou, entre 2009 e 2012, R$ 464,6 milhões. Nem o “Jornal Nacional” conseguiu, desta vez, encobrir o caso, que pode resultar no indiciamento do amigo da famiglia Marinho pelos crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A notícia até pintou na telinha da TV Globo, mas logo depois o escândalo da máfia do futebol brasileiro foi novamente abafado.
Pesadelo dos filhos de Roberto Marinho
Além dos cartolas da CBF, a Rede Globo é a maior interessada em que o caso seja logo enterrado. Ela detestaria ter seus executivos convocados a depor numa CPI para explicar como funcionam os contratos de exclusividade de transmissão dos jogos. Daí seu esforço para abafar totalmente o funcionamento da CPI. Os filhos de Roberto Marinho também devem perder o sono com as “delações premiadas” nos EUA do empresário-bandido J. Hawilla. No final de maio, William Bonner chegou a ler um editorial no Jornal Nacional tentando desvincular a imagem do império midiático do temido delator: "A TV Globo, que compra os direitos de muitas dessas competições, só tem a desejar que as investigações cheguem a bom termo e que o ambiente de negócios do futebol seja honesto".
A declaração “ética”, porém, não convenceu ninguém. Como lembra o jornalista Nelson de Sá, a emissora tem sólidas relações com o empresário-bandido. Além de chefiar o esquema de propina na transmissão do futebol, ele é dono de uma afiliada do império global. “A TV TEM é a maior rede de afiliadas da Globo no interior paulista, em extensão, com base em cidades como São José do Rio Preto e Sorocaba e canais adquiridos junto à própria Globo, 12 anos atrás. Tem um faturamento anual de cerca de US$ 300 milhões, aproximando-se de redes nacionais como a Band. Como Hawilla declarou, a Globo foi sua sócia da TV TEM, com 10% do negócio, ao menos nos primeiros anos. Entre outros negócios, o vínculo da Globo com Hawilla se estende à própria programação nacional da rede. A produtora TV 7, que é parte da Traffic do empresário, realiza entre outros programas o ‘Auto Esporte’ e o ‘Pequenas Empresas, Grandes Negócios’”.
Estas e outras sujeiras ainda encobertas ajudam a entender porque a Rede Globo já sepultou a CPI da CBF e outras investigações sobre a máfia do futebol! Se depender da poderosa emissora, a Comissão Parlamentar de Inquérito, que terá 180 dias para apurar as irregularidades nos contratos das partidas de vários campeonatos, não dará em nada novamente. Se depender dela, as investigações da Polícia Federam terminarão em mais uma “pelada na Granja Comary”. Se depender do império global, o futebol brasileiro – paixão e patrimônio do povo – continuará sendo tratado como negócio privado e lucrativo de mafiosos.
Fonte: Carta Maior
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