Feiras de armamentos, treinamento militar, aéreo e naval: na África, a influência do Brasil vai muito além dos seis países de língua portuguesa.
Nathan Thompson e Robert Muggah, na Foreign Affairs
Depois de anos consolidando acordos de segurança na América Latina e no Caribe, o Brasil começa a olhar para mais longe, confirmando a sua influência do outro lado do Atlântico. Tudo começou silenciosamente, com o país proporcionando assistência técnica em ciência, tecnologia e desenvolvimento professional a diversos países do continente africano.
Ao longo da última década, porém, as iniciativas de soft power somaram-se a um aumento dramático na cooperação militar com a África, com a realização de exercícios navais conjuntos, transferência de treinamento militar e armamentos, e a criação de postos avançados em portos localizados em toda a costa oeste do continente. Hoje, a postura oficial da Defesa brasileira tem um alcance ainda maior, com capacidade de projeção de poder indo da Antártida à África.
As parcerias transatlânticas estabelecidas pelo Brasil são o resultado de uma ambição antiga. Em 1986, junto com Argentina, Uruguai e 21 países africanos, o Brasil propôs a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. O objetivo não declarado era, assim como agora, minimizar a interferência externa na região, especialmente da OTAN.
O desejo de manter “estrangeiros” longe do Atlântico Sul é motivado, em grande parte, por interesses comerciais. O Brasil, em particular, quer proteger seus recursos naturais na costa e em offshore, que a Marinha do Brasil chama de Amazônia Azul. Esta área abriga extensas reservas de petróleo e gás, bem como concessões de pesca e de mineração dentro e fora de suas atuais fronteiras marítimas.
Para os líderes brasileiros, preservar a influência sobre a Amazônia Azul é uma questão de segurança nacional e de soberania. O programa PROMAR, da Marinha do Brasil, promove campanhas de conscientização pública que exaltam a importância econômica, ambiental e científica do Atlântico Sul.
Para proteger as fronteiras da Amazônia Azul, o Brasil está requerendo na Comissão da ONU sobre os Limites da Plataforma Continental a extensão de sua zona econômica exclusiva, área que se estende a 200 milhas náuticas da costa, em que um país tem direitos especiais de exploração e utilização dos recursos marinhos.
Para embasar a demanda, o Brasil está criando um sofisticado sistema de vigilância e monitoramento da Amazônia Azul. O chamado Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul pretende digitalizar mais de 4.600 milhas de costa para navios militares e comerciais estrangeiros através de uma combinação de satélites, radares, drones, navios de guerra e submarinos.
Em janeiro, o país escolheu três finalistas para desenvolver o projeto de 4 bilhões de dólares: um consórcio liderado pelo conglomerado aeroespacial Embraer, outro liderado pela empresa multinacional de construção Odebrecht, e um terceiro pelo jovem grupo Orbital Engenharia. O exército brasileiro também está construindo um sistema multibilionário para monitoramento e vigilância das fronteiras. Os dois programas podem, eventualmente, ser integrados.
Rumo à África
Na África, a influência do Brasil vai muito além dos seis países de língua portuguesa do continente. As trocas comerciais totais com países africanos pularam de cerca de 4,3 bilhões dólares, em 2000, para 28,5 bilhões de dólares em 2013. Não surpreende que os acordos de segurança entre o Brasil e a África sejam motivados, em grande medida, pelo desejo de expandir oportunidades de negócios para empresas brasileiras de defesa.
Em 1994, por exemplo, o Brasil assinou um acordo de cooperação de defesa com a Namíbia; hoje, o Brasil é o principal fornecedor e parceiro de treinamentos da Marinha da Namíbia. Em 2001, o Brasil garantiu sua presença na África Meridional ao abrir uma missão naval em Walvis Bay, o maior porto comercial e único porto de águas profundas da Namíbia.
A Namíbia foi só a primeira. O Brasil também assinou acordos de cooperação de defesa com Cabo Verde (1994), África do Sul (2003), Guiné-Bissau (2006), Moçambique (2009), Nigéria (2010), Senegal (2010), Angola (2010), e Guiné Equatorial (2010 e 2013). Após exercícios conjuntos com a Marinha de Benin, Cabo Verde, Nigéria e São Tomé e Príncipe, em 2012, e exercícios adicionais com Angola, Mauritânia, Namíbia e Senegal, no ano seguinte o Brasil implantou outra missão naval brasileira, em Cabo Verde.
Enquanto isso, está atualmente em revisão um acordo de cooperação de defesa com o Mali, e o Ministério da Defesa do Brasil anunciou ter planos de criar ainda este ano uma terceira missão naval, em São Tomé e Príncipe.
O Brasil também está fornecendo à África treinamento militar, aéreo, e naval. Entre 2003 e 2013, a Escola Naval e a Escola de Guerra Naval treinaram cerca de dois mil oficiais militares da Namíbia. A Força Aérea Brasileira tem dado suporte a pilotos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. E desde 2009, a Agência Brasileira de Cooperação tem uma parceria com o Ministério da Defesa, com orçamento aproximado de 3,2 milhões de dólares entre 2009 e 2013, para programas de formação de militares africanos.
A enxurrada de acordos de cooperação é um forte estímulo para os empresários do setor de defesa brasileiros fazerem negócios na África. Empresas públicas e privadas estão fazendo fila pelas oportunidades, assim como organizações de comércio como a Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança, Comdefesa, e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.
Os fabricantes brasileiros de armas redobraram esforços para alinhar o desenvolvimento de armas e canais de produção de tecnologia com a demanda africana. A Embraer, por exemplo, intermediou vários acordos para vender suas aeronaves Super Tucano A-29, além de programas de treinamento e assistência técnica. A empresa assinou contratos com Angola, Burkina Faso e Mauritânia no valor de mais de 180 milhões de dólares no total.
Da mesma forma, Gana, Mali e Senegal assinaram acordos de compra ou manifestaram a intenção de comprar Super Tucanos da Embraer. Estes acordos são insignificantes se comparados aos feitos pela empresa com Estados Unidos, Suécia, e Emirados Árabes Unidos, mas eles são significativos uma vez que eles representam um aprofundamento das relações com o Brasil.
O Brasil também está faturando em feiras internacionais de armamentos, e alguns de seus principais clientes estão na África. O país exportou mais de 70 milhões de dólares em armas de pequeno porte e munição para 28 países africanos entre 2000 e 2013, de acordo com os últimos dados disponíveis da ONU. A Argélia encabeça a lista de clientes de armas de pequeno porte e munição made in Brazil, com gastos de mais de 23 milhões de dólares. Depois da Argélia vêm Botswana, África do Sul, Quênia e Angola.
Feiras de armas representam oportunidades importantes para o Brasil aprofundar a cooperação Sul-Sul com a África. Na edição de 2013 da LAAD (Latin America Aerospace and Defense Fair), a maior da região, , ao longo de três dias, o ministro da Defesa do Brasil reuniu-se com 14 ministros ou vice-ministros de países africanos e latino-americanos. Tais fatos confirmam que o Brasil está endurecendo seu soft power no Atlântico Sul. Neste processo, sua movimentação na África sinaliza que o Brasil tem hoje um papel relevante no cenário mundial.
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Tradução de Clarisse Meireles.
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