quarta-feira, 22 de julho de 2015

QUANDO UMA MULHER INDÍGENA DESALOJOU O COLONIZADOR


Quando uma mulher indígena desalojou o colonizador

Por Vitor Taveira

“Vieram. 
Eles tinham a bíblia, nós tínhamos a terra. 
Eles nos disseram fechem os olhos e rezem.
Quando abrimos os olhos, 
eles tinham a terra e nós tínhamos a bíblia”
Desmond Tutu

O colonialismo não foi apenas marcado pela violência física do extermínio dos nativos, do tráfico e escravização de seres humanos. E sinto dizer amigas e amigos, mas o colonialismo não acabou.

Ele continua vigente em seus símbolos, seus detalhes, seus determinismos, nas supostas superioridades de uma cultura sobre outras. 
O colonialismo, este senhor de roupas grossas e barba ruiva, chegou sem pedir licença. Se permitiu o direito de nomear o que era ancestral, marcando um suposto novo começo, a partir de sua chegada, ao que já tinha vida própria.

Uma das primeiras ilhas onde desembarcaram, Ayiti (que significa “terra de altas montanhas” para nativos taínos), foi nomeada La Hispaniola pelos espanhóis e logo Santo Domingo pelos franceses, hoje dividida pelo Haiti, retomando o nome ancestral, e a República Dominicana.

Marcas

O continente, ao qual o povo kuna se refere como Abya Yala, “terra fértil” ou “terra madura”, virou América, homenagem ao navegador europeu Américo Vespúcio. A Pindorama dos tupi-guarani virou Brasil, em referência ao primeiro produto explorado pelo comércio colonial, o pau-brasil.

A partir daí, conforme avançava, ele também ia construindo sua marca sobre a terra arrasada. Fez questão de erguer seus templos justamente sobre os lugares e construções sagradas de quem ali habitava, numa clara mostra de uma nova (des?)ordem, um novo poder que tomava posse. Em Cuzco, o Qorikancha, Templo do Sol dos incas, parcialmente destruído, mantém sua base de pé, com imensas rochas perfeitamente encaixadas sem argamassa, tecnologia resistente a terremotos. Sobre elas, o Convento de São Domingo, construção espanhola.

Tantas voltas ao passado para retornar ao presente. Que tempos vivemos, amigas e amigos. Ali na praça, na parte de trás da famosa Casa Rosada, palácio presidencial da Argentina, estavam Cristina Fernandez Kirchner, segunda presidenta mulher da história do país, lado a lado com Evo Morales, o primeiro presidente indígena da nação mais indígena do continente, a Bolívia. Um encontro de um simbolismo por si só difícil de imaginar há tempos atrás.

Por quase um século, naquele mesmo lugar estava o monumento a Cristóvão Colombo, com a estátua do colonizador, que foi retirada no ano passado, não sem polêmica. Bem disse o arquiteto e escultor Omar Estela, que o Colombo-estátua ali instalado dava as cotas à cidade, ao país. De costas para a Casa Rosada, mirava para a Europa.

A partir da última quarta-feira, passou a habitar a praça um monumento ainda maior. Se instalou na praça a imponente estátua de Juana Azurduy, de espada na mão. Uma “chola” mestiça com ascendência indígena, falante de espanhol e quéchua, ela lutou pela independência da América onde hoje são os países Argentina e Bolívia, seu local de nascimento. Anos antes, havia sido promovida postumamente dentro das hierarquias militares em ambos países, tanto por Evo, como Cristina.

Sai o homem branco, colonizador, que representa para os povos originários o início de um genocídio. Entra a mulher de sangue indígena, lutadora da independência. Que tempo vivemos. Um simbolismo mais, podem dizer. É verdade. Mas que simbolismo, assim como os coloniais, não é construído a partir de fatos concretos? Nesse novo momento, muito além dos governos ditos progressistas, os povos originários têm se levantado e reivindicado bravamente o reconhecimento negado por cinco séculos de colonialismo.

Disputa de Símbolos

É realmente uma disputa de símbolos. Colombo não era a encarnação do mal, assim como Eduardo Cunha tampouco deve ser. São símbolos de um momento histórico. Colombo, foi um ser certamente singular, destacado, por isso pioneiro e transformador da história. Representava uma visão de mundo e agia dentro de uma racionalidade que por se crer superior se tornou genocida.

“É fundamental desandar o caminho da colonização em termos materiais e simbólicos. O ‘patrimônio estatal’ não é um legado imanente do passado, e sim por meio dele se constrói e reconstrói politicamente a história de nosso povo. É por isso que é importante baixar os quadros dos genocidas e desmonumentar Colombo”, declararam membros do Encontro Nacional de Organizações Territoriais de Povos Originários da Argentina em apoio à atitude de Cristina quando anunciada a troca dos monumentos.

Juana Azurduy, talvez tão imperfeita quanto Colombo, Cunha, Evo ou Cristina, é outro símbolo. E transmite outra mensagem. De que sem luta e resistência jamais poderemos ser livres. De que as mulheres, os povos originários e outras maiorias e minorias encobertas também fazem parte desta história.
Resta saber se enquanto trocamos símbolos e Juana Azurduy brilha esplêndida numa praça, seguirá o despojo e a violação de direitos humanos que ocorrem até hoje contra os povos originários na Argentina e em outros países, vítimas da sociedade entre governos, grandes empresas e transnacionais. “Nos farão parte de uma nova celebração enquanto a situação de despojo e expulsão dos territórios comunitários não se detém”, lembra criticamente a Confederação Mapuche de Neuquén.

Que tempos vivemos, amigas e amigos.

♦ Vitor Taveira é jornalista


Fonte: Caros Amigos

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