As investigações sobre o empresário abrem novas perspectivas
De origem libanesa, 62 anos, ele se identifica como um atleta de alta performance. Chegava a correr 17 quilômetros por dia e disputou a maratona de Nova York. Diz ter optado por uma vida saudável, motivo que o levou a se afastar dos negócios. Empresário do ramo de eventos há três décadas, trouxe ao Brasil estrelas da música, como a banda U2, a cantora Amy Winehouse e a diva pop Beyoncé. Fachada? Sim, segundo a Polícia Federal. Preso desde março por suposto envolvimento nos desvios da Petrobras, o doleiro Adir Assad é notório frequentador das páginas policiais.
Há quatro meses a força-tarefa da Lava Jato tenta arrancar informações de Assad, detido na décima fase da operação. Até agora ele mantém o silêncio e nega participação no esquema. Ao juiz Sergio Moro declarou-se um “estranho no ninho” na penitenciária paranaense que também abriga o ex-tesoureiro do PT João Vaccarie o ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque.
Os investigadores o acusam de receber 40 milhões de reais como pagamento pela lavagem de dinheiro da Construtora Toyo Setal. Segundo a PF, o dinheiro seguiu para contas indicadas pelo operador Mário Góes ou foi encaminhado diretamente a Duque e a Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras também encarcerado. Os dois funcionários da estatal representariam os interesses do PT no esquema.
Não só. A prisão de Assad revigora outro escândalo já esquecido: o esquema da Construtora Delta e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. O doleiro aparece principalmente nas histórias de desvios de obras no estado São Paulo, governado há mais de duas décadas pelo PSDB. Um novo documento nas mãos de procuradores e policiais federais tem o poder de revelar detalhes de um escândalo de proporções ainda desconhecidas no ninho tucano. Os promotores de São Paulo sabem da existência das operações e pretendem abrir inquéritos para apurar as operações financeiras.
O documento é um relatório de análise do Ministério Público Federal que enumera uma série de tabelas de pagamentos a cinco companhias. Segundo a PF, trata-se de empresas de fachada criadas para lavar o pagamento de propinas intermediadas por Assad. Entre elas aparece a Legend Engenheiros, responsável por movimentar 631 milhões de reais sem nunca ter tido um único funcionário, conforme a Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho.
A contabilidade da empresa exibe polpudos pagamentos de consórcios e empresas que realizaram obras bilionárias no governo de São Paulo durante os últimos 20 anos. O primeiro pagamento que salta aos olhos é um depósito de 37 milhões de reais ao Consórcio Nova Tietê. Liderado pela Construtora Delta, o consórcio levou as principais obras de alargamento das pistas da principal via da capital paulista em 2009, durante o governo de José Serra. O valor inicial do contrato previa gastos de 1 bilhão de reais, mas subiu para 1,75 bilhão, ou seja, acréscimo de 75%. Um inquérito sobre a inflação de custos chegou a ser aberto pelo Ministério Público de São Paulo. Acabou, como de costume em casos que envolvem tucanos, arquivado.
A obra foi acompanhada na época pela Dersa, empresa de economia mista na qual o principal acionista é o estado de São Paulo. Na assinatura do contrato entre o governo e o consórcio, o nome do representante da empresa estatal que aparece é o de um velho conhecido: Paulo Vieira de Souza, o famoso Paulo Preto, cuja trajetória e estripulias foram bastante comentadas durante a campanha presidencial de 2010. Acusado de falcatruas, Preto fez uma acusação velada a Serra e ao PSDB à época. “Não se abandona um líder ferido na estrada”, afirmou.
Outro consórcio que participou das obras da ampliação das marginais, o Consórcio Desenvolvimento Viário, também contribui com as contas de Assad. Liderado pela Construtora Egesa, foram 16,1 milhões nas contas da S.M. Terraplenagem Ltda. A Egesa, em consórcio com a EIT, foi responsável por um total de 18,32 quilômetros, considerando os dois sentidos da via, entre o Viaduto da CPTM e a Ponte das Bandeiras.
Durante a Operação Castelo de Areia, que investigou a suspeita de pagamento de propina a agentes públicos pela Camargo Corrêa, o nome de Paulo Preto aparece em uma anotação. Precede um valor: 416 mil reais. O ex-funcionário da Dersa nunca foi indiciado pela Polícia Federal. A Castelo de Areia acabou enterrada por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. Assad aparece ainda em outra operação federal, a Saqueador, paralisada desde 2013.
Talvez a “sorte” de Assad mude. Na página 41 do relatório do Ministério Público Federal deste ano, aparece outro pagamento, de 2,6 milhões de reais, da Concessionária do Sistema Anhanguera Bandeirantes à Rock Star Marketing, também de propriedade do doleiro. O sistema rodoviá-
rio interliga a capital paulista ao interior do estado e foi licitado em 1997. O vencedor foi o CCR, que tem entre seus acionistas a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez. Esta, aponta o relatório, repassou à Legend 125 milhões de reais. O sistema possui oito praças de pedágio e, de acordo com o relatório aos investidores, só no ano passado gerou lucro líquido de 669 milhões. Detectou-se ainda um depósito de 624 mil reais na conta da Rock Star por uma empresa pertencente à CCR responsável pela exploração do sistema Castelo-Raposo, que liga a capital ao Oeste Paulista.
O Rodoanel também não deve escapar da mira dos procuradores. Orçada em 3,6 bilhões de reais, a obra foi dividida em cinco trechos. Vencedora de um dos lotes, a empresa Rodoanel Sul 5 Engenharia depositou 4,6 milhões na conta da Legend. Por receber repasses da União, o Rodoanel passou por uma auditoria do Tribunal de Contas da União. De acordo com um relatório do TCU, o consórcio formado pela empreiteira OAS e Mendes Júnior, também envolvidas no escândalo da Petrobras, incorporou irregularmente uma terceira empresa para a execução, uma violação das regras da licitação. Coincidência ou não, a OAS alimentou as contas de Assad. Um depósito de cerca de 2 milhões de reais foi identificado na quebra de sigilo. Outra concessionária responsável por erguer outro trecho do Rodoanel, a SP Mar, repassou 4,2 milhões à empresa de Assad. A SP Mar pertence ao Grupo Bertin e cuidou da interligação do trecho sul à Rodovia Presidente Dutra, em Arujá.
A lista é extensa. Das supostas cinco empresas de fachada foram encontradas movimentações de 1,2 bilhão em operações financeiras com cerca de cem consórcios e companhias, além de indivíduos. Sergio Moro tentou recuperar parte do dinheiro movimentado por Assad. Determinou o bloqueio de 40 milhões de reais. Mas para surpresa, ou não, as contas estavam zeradas.
Os depósitos servirão para novas linhas de investigação pela Promotoria de São Paulo, que também quer entender as planilhas de pagamento do doleiro Alberto Yousseff. Reportagem exclusiva de CartaCapital mostrou que o operador mantinha uma lista de 750 obras, entre elas construções da Sabesp, do Monotrilho e do Rodoanel.
Com uma prisão preventiva nas costas e, sem prazo para se esgotar, os investigadores ainda não conseguiram convencer o doleiro a optar pela delação premiada. O Ministério Público de São Paulo diz pretender ouvir Assad, em busca da origem e do destino dos repasses. Uma eventual colaboração do “empresário do show business” poderia ampliar o escopo das investigações da Lava Jato. Neste caso, a força-tarefa será obrigada a remar contra a maré. Quando não se trata de petistas e seus aliados, os investigadores já devem ter percebido, o ímpeto da mídia e o apoio da chamada “opinião pública” costumam minguar.
Fonte: Carta Capital
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