O disco do Opportunity não foi aberto. Dez anos depois, o Brasil parece disposto a deixar em paz os sonegadores graúdos, protagonistas em ambos os casos
Delicioso editorial do Estadão de terça 21, a lembrar os melhores textos do senhor Pott, inolvidável diretor da Gazeta de Eatanswill em os Pickwick Papers de Dickens. Lê-se no jornalão que o ex-presidente Lula “só pensa em 2018”. Era do hábito do senhor Pott que a verdade factual pouco lhe importasse, tratava-se de alguém dotado exclusivamente de certezas. Parece difícil acreditar que Lula, neste exato instante, só pense em 2018. Quem, pelo contrário, cultiva a obsessão aterrorizada do retorno do ex-metalúrgico à Presidência é, de fato, a mídia nativa.
Aos barões midiáticos desaconselho fervorosamente a leitura da coluna de Marcos Coimbra à página 43 desta edição, desde que se dignem a tanto. O diretor do respeitável Instituto Vox Populi aponta em Lula o favorito do próximo pleito presidencial, a despeito das turbulências atuais, com efeitos semelhantes àqueles precipitados pelo chamado “mensalão”.
Só faltava esta, mas Coimbra é cidadão desassombrado. Há escândalos e escândalos, está claro, para influenciar momentos políticos variados, e não me referirei desta vez aos eclodidos durante o governo de Fernando Henrique, monumentais e mesmo assim silenciados. Estrondosamente. Mas também há presidentes e presidentes.
Não preciso perguntar aos meus botões por que a Operação Lava Jato prossegue impávida, a nos brindar com acusações a serem provadas, e até condenações, enquanto em torno da célebre lista dos grandes sonegadores brasileiros que filtrou através do sigilo do HSBC suíço fecha-se a omertà, como se diria na Sicília, igual ao mar sobre um barco furado. Inclusive por parte do jornalista nativo que milita em um Consórcio de dimensões globais, em poder de uma parte do elenco vip (leia a reportagem que começa na página 34).
Moita. Caluda. E não se trata de café-pequeno, e sim de mais de 7 bilhões de dólares escondidos em cofres pretensamente seguros. Me sobe à memória o episódio protagonizado, dez anos atrás, pelo disco rígido capturado pela Operação Chacal na sede do Opportunity do indestrutível, onipresente Daniel Dantas. Aquele mesmo que, preso anos após pela Operação Satiagraha, contou com o pronto socorro de Gilmar Mendes, o ministro do STF disposto a “chamar às falas” o então presidente Lula e provocar o desterro do honrado e competente delegado Paulo Lacerda.
Esquecido o disco rígido, enterrada a Satiagraha. Em 2005, o disco foi entregue ao STF pela PF dirigida por Lacerda, que no segundo mandato de Lula se transferiria para a Abin, substituído por um duvidoso Luiz Fernando Corrêa. O disco acabou nas mãos da ministra Ellen Gracie, a qual nunca disse por que o seu conteúdo deixou de ser revelado. Em oportunidades diversas, duas autoridades de alto nível pronunciaram em benefício dos meus ouvidos, e na presença de testemunhas, a seguinte frase: “Se abrirem o disco, cai a República”. Não era conjectura. E uma das fontes admitiria que parlamentares exerciam pressões no sentido de jogar ao lixo o fatídico apetrecho, e também um ministro, o chefe da Casa Civil José Dirceu.
Nada disso me surpreendeu, a corrupção é doença endêmica. Hoje em dia o Partido dos Trabalhadores, que vi nascer esperançoso, encanta-se com um site de obscura origem, que desconfio abastecido por dinheiro do inesgotável Dantas, quem sabe com o beneplácito ou intermediação de Dirceu. Cruzam-se os caminhos da corrupção, a bem da confirmação de um vetusto enredo, que não exclui o moralismo primário dos ingênuos e dos hipócritas.
Dispensados de saída, os botões murmuram sinistramente a probabilidade de que os nomes ilustres elencados no disco do Opportunity figurem em parte, ou mesmo in totum, na lista do HSBC. Machuca, soletram constrangidos, que a Argentina mais uma vez mostre a qualidade da sua democracia na comparação com a nossa incipiente, ao investigar seus sonegadores, com a colaboração de Hervé Falciani, revelador do escândalo, entrevistado páginas adiante e pronto a colaborar também com o Brasil.
Pois é, a Argentina... Somos também o país onde os torturadores não são punidos, os ditadores tornam-se nome de ponte e rodovia, e uma comissão dita da verdade, com V pateticamente grande, cuida de preservar uma Lei da Anistia imposta pela ditadura. Meus botões confessam a dúvida: talvez sejamos o que merecemos.
Fonte: Carta Capital
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