A agricultura camponesa agroecológica resiste bravamente e conta com brasileiras e brasileiros idealistas, apaixonados pelo trabalho.
Rio de Janeiro – A última etapa do Encontro Nacional de Agricultura Urbana dividiu os participantes em vários grupos para visitas de campo, tanto na cidade como na região metropolitana. Estive em Guapimirim, a 70 km da capital carioca, o último município da Baixada Fluminense, com 51 mil habitantes e um quarto da população cadastrada e recebendo dos programas sociais do governo federal. Guapi, como é chamado, fica no pé da Serra dos Órgãos, na zona de amortecimento do Parque Nacional – criado em 1954 – e tem 70% do território em área de preservação permanente. É um lugar lindo, com maciços de pedra cobertos pelo que restou da Mata Atlântica, cachoeiras e rios, que deságuam na Baía de Guanabara.
E justamente por isso é cada vez mais atacado pelos especuladores imobiliários, por administradores públicos que não reconhecem o valor das comunidades na zona rural, que produzem alimentos para a metrópole. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro com 19 municípios, 12 milhões de habitantes e registra 5.500 agricultores e agricultoras familiares. Somente na cidade do Rio são mais de mil. Depois de muita luta e organização hoje em dia um circuito de 15 feiras orgânicas comercializa a produção livre de agrotóxicos e transgênicos. Guapi tem 81 e uma associação que reúne 15 famílias na localidade do Fojo – a AFOJO. São migrantes na sua maioria do Espírito Santo, que nasceram ao redor dos cafezais, mas nunca tiveram terra própria. Foram saindo desde a década de 1960 e povoando outras regiões do país. Guapimirim era a última estação do trem, para quem se dirigia a Teresópolis. Mesmo depois da construção da BR-116 a linha foi mantida, embora em estado precário.
Trabalho de pesquisa em sete regiões
Muitos chegaram à região pelo trem, como é o caso da família Benevides, cujos parentes se espalham pelas encostas da localidade do Fojo. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) desde a realização do III ENA em Juazeiro (BA) vem recolhendo experiências de produção agroecológica em sete regiões do Brasil – no Sudeste, no Semiárido Mineiro, no Nordeste, Centro-Oeste, Norte e Sul. O objetivo é simples: mostrar o valor não somente de mercado dos produtos agroecológicos, alimentos saudáveis, mas também o que a economia neoclássica não contabiliza: o trabalho de homens e mulheres que desenvolvem a produção aliados aos ecossistemas, protegendo as nascentes, as plantas nativas, as aves, pássaros, insetos, micro-organismos do solo e muito mais. Quanto vale tudo isso? É difícil avaliar. Mas é o que os técnicos da ASPTA em conjunto com outros parceiros, por intermédio da ANA, com apoio do BNDES e de programas do PLANAPO estão realizando. Um trecho da explicação do projeto:
“- A ASPTA em conjunto com outras entidades parceiras vem desenvolvendo e aperfeiçoando uma metodologia que possibilite avaliar os impactos econômicos e ecológicos dos agrossistemas agroecológicos. Este método descrito como Análise de Agroecossistema se baseia em dar visibilidade às experiências agroecológicas com leitura e interpretação à luz da economia política, econômica ecológica e da economia feminista. O ponto de partida para a elaboração desse referencial de análise econômica foi o reconhecimento da existência da singularidade das estratégias de gestão da agricultura familiar quando comparadas com a lógica do agronegócio”.
Estudo mostra o poder da agroecologia
O estudo envolveu diretamente na comunidade do Fojo três técnicos especializados: Renata Lúcia Souto, Claudemar Mattos e Fabricio Walter. Foram avaliados os anos de 2013 e 2014. Renata alugou uma casa em Guapi e Fabricio se tornou morador permanente, além de ensinar sociologia em uma escola local – também fez da situação de vulnerabilidade e pobreza da região sua tese de mestrado na UFRJ. O estudo é um trabalho insano de levantamento de dados, por se tratar de trabalhadores e trabalhadoras sem experiência de gestão, de contabilidade ou mesmo de administração. Eles não têm ideia geral do tamanho da produção que conseguem viabilizar, muito menos as relações entre todos os segmentos, suas trocas e a interação com o ambiente.
O local é o Sítio Santo Antônio, com cinco hectares onde o casal Nazaípe Bernardo (paraibana) e Carlos Benevides (capixaba) trabalha em regime de parceria – 80% é deles e 20% para o dono da terra. Eles mantêm várias roças de legumes – maxixe, quiabo, jiló-, um galinheiro com 72 aves, uma criação de peixes, centenas de frutíferas e pés de café, além de um viveiro de mudas. Tudo em meio à Mata Atlântica. A comunidade do Fojo já tinha uma área certificada pela ABIO – Associação dos Agricultores Biológicos – através do Serviço de Proteção Garantido (SPG), previsto na regulamentação da produção orgânica. Eles ainda compram ração de fora para as galinhas, embora elas comam vegetais de todo tipo. Mas a essência do projeto é de autonomia, justamente o que a agroecologia tem para mostrar – quanto mais trabalho local, maior o valor agregado na produção e maior autonomia.
Produto Interno Bruto do Sítio é de R$33,7 mil
Na soma dos itens produzidos o estudo contabilizou 45 entre palmito, hortaliças, plantas medicinais, mudas, frutas, ovos e as galinhas. A comercialização é feita de porta em porta no bairro próximo e desde 2014 na Feira Orgânica de Guapimirim. Também mantém uma unidade de fabricação de caldas caseiras – supermagro, bordalesa e sulfocálcia, insumos utilizados, juntamente com o esterco de galinha, restos de cultivo. O núcleo familiar é composto por oito pessoas, entre elas uma filha com necessidades especiais. Recebem Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada. O Produto Interno Bruto do sítio Santo Antonio é de R$33.701,64, sendo R$18.521,64 a renda agrícola, R$15.180,00 a não-agrícola – contando a transferência de renda e outras atividades. O que dá uma média de R$3.704,33 por hectare e um valor agregado por ha de R$4.106,33. Na composição do Produto Bruto entraram as vendas, o autoconsumo, trocas e doações e o estoque. Posteriormente a Repartição do Valor Agregado por Esfera foi dividido entre mercantil, autoconsumo; doméstico e de cuidados; participação social e pluriatividade.
Também referenciaram o rendimento dos diversos segmentos dentro do sítio, como a agrofloresta, a horta, lavoura-roçado, piscicultura e viveiro de mudas. Está tudo ilustrado em gráficos comparativos. Porém, o importante de tudo isso é o gráfico final totalmente colorido onde entra cada participação dos itens produzidos contando ainda as vendas, autoconsumo, doações e o estoque. E mais o valor por intensidade de cada segmento no uso da terra com seu valor agregado. No final a repartição do valor agregado por esfera de trabalho e por gênero, onde fica evidente o trabalho da Nazaípe exclusivo em cuidar da casa, da filha, além de participar da feira, das reuniões, eventos – eles registraram a participação social como forma de trabalho -, de ajudar na colheita dos produtos para a feira. Quando surge o gráfico dos dias trabalhados a diferença é gritante, mesmo que Carlinhos se ocupe integralmente dos cuidados da roça, do viveiro, das galinhas e etc.
Resultado é inestimável
É importante ressaltar que o estudo foi discutido em oficinas locais, assim como os resultados. Outro morador, Anísio Benevides, de 62 anos, já proprietário de um lote, também ajudou na formulação dos dados e nas análises posteriores. A verdade é que contabilizada em detalhes aquilo, que parece miudeza, ao final do ano se transforma em algo consistente. Claro, que não se trata de uma renda de classe média da cidade, mas a função do trabalho de pessoas como Nazaípe e Carlinhos, para personalizar o caso, que produzem alimentos livres de venenos e de transgênicos, protegem o ambiente, porque é dali que sai o ganha pão, e comercializam comida saudável para a comunidade não tem preço. Se forem somados 10 mil hectares de agroecossistemas, imaginando um território contínuo, o agronegócio da soja movido a capital e veneno se transforma em algo fictício, mentiroso, antieconômico, sem contar a destruição ambiental e os prejuízos à população local.
Enfim, a agricultura camponesa agroecológica resiste bravamente na segundo maior região metropolitana do país e conta com brasileiros idealistas, apaixonados pelo trabalho, extremamente cuidadosos em ensinar aos que precisam, para que trilhem seus próprios caminhos, sem necessitar de políticos ou gestores de fora do território. Uma lição para o Brasil neste momento, onde todo o poder da mídia está voltado, justamente, em promover àqueles que querem destruir este legado.
Fonte: Carta Maior
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