Além de apresentar um projeto que é um atentado contra a dignidade e a vida das mulheres, Cunha possui um histórico de agressão contra sua ex-mulher.
É cada vez mais escandalosa a permanência do presidente da Câmara dos Deputados deste país legislando e ainda instalado na cadeira de segundo sucessor do cargo máximo da República; mesmo a considerar a histórica lentidão da justiça seletiva classista praticada no Brasil. Espantoso também é o relativo silêncio (embora esta semana, dia 28 às 18 horas, esteja marcado protesto de organizações femininas, na Cinelândia, no Rio de Janeiro) que ronda as mulheres não apenas diante das pautas de votações e aprovações que tal patético personagem vem propiciando na sua prática de chantagem desabusada ao sabor de interesses pessoais e compromissos vergonhosos com a bancada religiosa, de sua propriedade.
Mas pautas específicas que afrontam as mulheres propondo não só o retrocesso em direitos trabalhistas, na formatação legal da família contemporânea, na proteção de minorias, e a favor do racismo e da violência. Retrocesso, particularmente, na proteção às mulheres brasileiras no que diz respeito ao direito do aborto em casos de estupro, e desmantela, em particular, a defesa de mulheres mais vulneráveis, pobres e negras, dificultando o seu atendimento no SUS. Cunha impede o fornecimento de “pílulas do dia seguinte” para profilaxia de gravidez decorrente de violência sexual e criminaliza médicos que dão informações para as vítimas.
Em outra ponta, chega ao cúmulo de determinar às deputadas eleitas, pela primeira vez na história do parlamento, como se deve dar a votação da bancada feminina!
Neste último fim de semana de outubro o país ouviu o resfolegar de uma grotesca voz feminina transtornada pelo ódio, no protesto histérico contra o governo, numa livraria de São Paulo. Ouvem-se, regularmente, uivos de mulheres xingando pesadamente a presidente Dilma Rousseff com insultos escatológicos. Mas há certa indiferença feminina, com preciosas exceções, em relação ao descalabro da atuação do presidente da Câmara dos Deputados no caso de Projeto de Lei de sua autoria, o PL 5.069/2013, aprovado dia 21 último.
“Ele e outros deputados que têm apoiado as investidas contra os direitos das mulheres parecem ter prazer ao rebaixá-las, retirar-lhes a condição de cidadãs, ampliar seu sofrimento,” escreveu a professora de Ciência Política da UnB, Flavia Birolli. Para a professora, há também sadismo. Cunha, segundo ela, se vê como “agente político mais eficaz quanto mais compromete a dignidade das mulheres.”
É este mesmo Cunha, relembra Birolli, “que tem comprovadamente dinheiro de corrupção na Suíça em seu nome, que mentiu à CPI e mesmo assim conta com apoio suficiente da oposição e de setores do governo para permanecer na presidência da Câmara dos Deputados.” Para Cunha, no Brasil, são as mulheres as culpadas por sofrerem estupro, ela diz.
A Associação Juízes Para a Democracia (AJD) lançou, semana passada, nota de repúdio ao Projeto de Lei 5.069/2013 aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados Federais e nela, registra que “a proposta torna crime anunciar, induzir ao uso, ou fornecer meios ou substâncias abortivas a uma gestante mesmo em caso de estupro. Além disso, o projeto torna obrigatório que mulheres que afirmem terem sido estupradas façam um boletim de ocorrência (o BO) e exame de corpo de delito para que "comprovem" que estão dizendo a verdade.”
A AJD acredita que a medida é um instrumento misógino de controle da sexualidade feminina e um verdadeiro atentado contra a dignidade, a saúde e a vida das mulheres. "O projeto constitui uma violação flagrante ao direito fundamental das mulheres à garantia de sua saúde física e psicológica, sexual e reprodutiva, garantida pela Constituição Federal e pelo sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos".
Há um episódio na vida de Cunha, no entanto, que embora de conhecimento público, não vem sendo registrado pela velha mídia. Ele reforça a sua misoginia. Se não exemplifica sadismo, distingue atitude violenta, autoritária, agressiva em relação às mulheres. E mostra rejeição aos direitos humanos enquanto liberdade fundamental feminina.
Por volta de 1996/97, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Cunha, então ex-presidente da Telerj (segundo Fernando Henrique Cardoso, ele fazia ‘trapalhadas’ naquela empresa) acabara de casar com a jornalista Cláudia Cruz que apresentava o RJ-TV segunda edição. Moça com “pouca aptidão jornalística”, lembram colegas dela da época.
Um dia, um repórter do telejornal local gravou reportagem com uma mulher da "sociedade", na Barra, que dizia ter sido agredida pelo marido.
Houve grande constrangimento na equipe da TV Globo porque a apresentadora do RJ-TV era a colega Cláudia.
E a mulher que se dizia agredida, nada mais nada menos do que a ex-mulher do marido dela.
O marido de Cláudia, dizia a ‘rádio - corredor’ da Globo, era um homem poderoso. Eduardo Cunha estava sendo acusado pela ex-mulher, Cristina Dytz, de tê-la agredido.
Detalhe: o chefe da Globo/Rio era então Laerte Rimoli, ex-coordenador de campanha de Aécio Neves, hoje, diretor de Comunicação da Câmara.
Há um testemunho pessoal sobre este episódio, de autoria da jornalista Ruth de Aquino e que se encontra no blog da revista Época, e um trecho reproduzido abaixo:
"Quando eu dirigia o jornal carioca O Dia, em agosto de 1996, pude perceber como Cunha agia ao se sentir acuado. O episódio era prosaico. Não havia crime. Ex-presidente da Telerj nesse tempo - e fonte assídua e ardorosa de jornalistas -, Cunha foi parar com a ex-mulher, Cristina Dytz, numa delegacia da Barra da Tijuca, no Rio. O motivo tinha sido uma briga de casal. Vizinhos chamaram a PM porque Cunha estaria, aos gritos, tentando entrar no apartamento do condomínio em que Cristina morava com os filhos, sob o pretexto de apanhar documentos. Cunha tinha 38 anos, morava num apart-hotel, estava com a perna engessada e, segundo se apurou, não queria pagar a pensão mensal de R$ 18 mil para ela e os três filhos, depois de 12 anos de união. A PM levou o casal para a delegacia, com seus advogados, e o jornal publicou uma matéria curta. Até aí, nada. Mas Cunha fez de tudo para impedir a publicação. Telefonou primeiro para um editor, depois telefonou para o dono do jornal. A reportagem saiu. Cunha travou com o jornalista um diálogo pesado ao telefone. E o levou à Justiça. Perdeu, porque nada havia ali que configurasse difamação ou injúria. Apenas fatos."
Ruth de Aquino, que assina o texto, relembra o fato e mostra a truculência do presidente da Câmara dos Deputados. A ex-mulher, supostamente agredida por Cunha, é a mãe de Danielle Dytz Cunha - que consta como uma das beneficiárias das contas de Cunha na Suiça.
Perguntamos: não há crime em tentar invadir à força a casa de uma mulher, nesse “episódio prosaico”?
E será que uma moça que aguarda o ônibus, à noite, para levá-la para casa de volta do trabalho e acaba estuprada – esse é um ‘episódio prosaico’? Esta mulher estuprada e ferida, segundo o Projeto Cunha deverá se dirigir a uma delegacia e denunciar o que ocorreu. Mais: deverá se submeter a exame de delito. Na delegacia, a moça estuprada poderá ser motivo de chacotas mais ou menos escancaradas conforme o nível indigno de machismo – ou sadismo - dos presentes.
É razoável lembrar que não apenas as mulheres pobres se encontram enquadradas no Projeto Cunha contra o aborto e contra as mulheres. Num estacionamento semi deserto (como tem ocorrido) ou numa rua elegante do eixo Jardins-Leblon-Barra da Tijuca motoristas de classe média também podem ser estupradas.
Sugerimos relembrar o que diz o jornalista político Paulo Moreira Leite: “Para os adversários do PT, de Lula e de Dilma, Cunha pode prestar um serviço único e, no momento, insubstituível. Eles acreditam que o presidente da Câmara é um político tão leviano e inconsequente que seria capaz de um gesto irracional, semelhante aos instintos de um assassino bestializado, capaz de cometer crimes em série porque está convencido de que não tem mais nada a perder. Essa é a tragédia do momento.”
Esta é a tragédia das mulheres em um país arbitrado por um misógino ostensivo.
Fonte: Carta Maior
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