É complexa a compreensão da conjuntura socioeconômica do Brasil nos seus últimos doze anos. Mas, do ponto de vista econômico-político, pode-se afirmar que o acesso progressivo ao mercado de bens e serviços pela grande maioria dos brasileiros não representou imediatamente uma melhoria na acessibilidade universal aos direitos e também na efetividade da soberania popular na regência do estado de direito.
As implementações dos projetos políticos da Renda Mínima e Economia Solidária ainda revigoram a saúde social e econômica do Brasil no século XXI. As políticas de indução ao desenvolvimento socioeconômico e educacional a partir das classes economicamente mais miseráveis do Brasil provocaram o aquecimento da economia, a elevação da empregabilidade, a inserção de trocas simbólicas e a acessibilidade obrigatória à educação escolar. Contudo, a qualidade da participação político-democrática por todos os brasileiros ainda não é a melhor.
Melhorias
As melhorias nos índices que avaliam aspectos socioeconômicos e do Indíce de Desenvolvimento Humano (IDH) são marcantes, mas ainda não incapazes de sustentar uma democracia em pleno exercício. O crescimento social sustentado unicamente por um processo de inclusão prioritariamente econômica já mostra algumas deformidades.
É distintivo como a implementação do Bolsa Família melhorou a vida de várias famílias e ao mesmo tempo aqueceu setores nacionais de produção, circulação e serviço – inclusive de empresas paulistas dos quais seus proprietários e gestores ainda criticam o assistencialismo governamental (1). No entanto, em tempos do capitalismo avançado, cínico e injustamente acumulador, as induções econômicas, políticas e educacionais para o desenvolvimento social foram deformadas pelo processo de sobrevalorização do mercado financeiro. Isso significa que a socialização do crescimento vem diminuindo em passos menores aos dos lucros dos bancos e da concentração de bens, capitais e serviços.
O ciclo de desenvolvimento econômico e social brasileiro iniciado em 2003 levou à forte capitalização de grandes e novas empresas. Contudo, grande e decisiva fatia dos gestores destes empreendimentos abandonaram rapidamente a cumplicidade neste desenvolvimento justamente na parte que mais lhes cabiam responsabilidades sociais, a saber: as do investimento empresarial para o crescimento produtivo e da circulação de mercadorias após os lucros favorecidos por políticas públicas. Ao invés de seguirem a lógica político-econômica do crescimento social, os grandes empresários brasileiros arrefeceram os princípios econômicos do “desenvolvimento integrado” ao preferirem aplicar prioritariamente seus lucros maciços no mercado especulativo de capitais (2). As induções governamentais ainda são usadas pelos empresários para o enriquecimento e concentração de renda. A suas ações políticas servem apenas criticar e sugar do governo induções e políticas de investimento para que eles usufruírem liberalmente dos lucros privados em detrimento das responsabilidades e dos benefícios públicos.
Queda
O investimento para a melhoria da produção nacional, a melhoria do trabalho produtivo e nos de serviço foi freado em nome da aplicação dos capitais empresariais na especulação mobiliária, financeira etc. As consequências inflacionárias e a queda nos índices econômicos imputados como inabilidades administrativas ao governo federal brasileiro é na verdade resultado das formas dolosas, individualistas, lucrativas e financeiro-extrativistas de práticas econômicas adotadas por grande parte dos mais ricos no Brasil. Contudo, mesmo sob o golpe ideológico e econômico do empresariado brasileiro, a gestão presidencial do PT vem estabelecendo políticas de desenvolvimento e inclusão social na educação, saúde, economia e na política nacional e internacional – mesmo que em profunda tensão com a classe social mais rica. Assim, o Estado brasileiro fica mais preso aos ditames econômicos do mercado financeiro-internacional, os empresários acumulam serviços, bens e capitais a revelia do desenvolvimento nacional, e a população brasileira se vê cada vez mais longe do controle político e econômico do seu País.
A classe empresarial mais poderosa luta pela deposição e desorganização da esquerda brasileira a fim de estabelecer uma ruptura com um desenvolvimento socioeconômico mais democrático e inclusivo. Antes, é importante revelar que são aqueles que são esquerda independente do seu papel de posição ou oposição governamental. Esquerda ou Republicanismo no Brasil é uma posição política (PT, PDT, PSOL, PCdoB e outros) que pensa o ordenamento social, econômico, ambiental e político a partir da vontade popular e do benefício universal, sempre sob o regime democrático-constitucional.
Direita
Esta é uma posição oposta ao do liberalismo político e do monetarismo praticado pelos programas políticos do PSDB e do DEM que veem insistentemente e necessariamente a economia como uma esfera livre na qual a sua força e seus benefícios garantiriam o crescimento social e as melhores condições para as ações políticas desprendidas pelo Governo Federal. Desta feita, pode-se entender a tensão que aconteceu na década de 60 do século XX entre, de um lado, os planos de reformas econômicas e democráticas pensadas por João Goulart, Darcy Ribeiro etc. e, do outro, a lógica arcaica de um empresariado anacrônico e denuncialista, se repete em nosso tempo. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, o binômio desenvolvimento e inclusão são destaques para se compreender esta Era na qual as políticas de justiça social não abdicaram em nenhum momento das dinâmicas de um Estado Democrático de Direito (3).
A crise do desenvolvimento social brasileira vivida nestes últimos anos é fruto de algumas barreiras sociais que impendem o pleno desenvolvimento social. Delas podemos destacar as seguintes:
1. O monopólio oligárquico de uma mídia acordada num sistema de cartel que controla e planifica as informações jornalísticas e do investimento empresarial;
2. A tímida autonomia política que a sociedade brasileira goza, a despeito das conquistas vinda com a Constituição de 1988, mas que vigora por consequência de seu imaginário senhoril e paternalista que ainda regem a dinâmica política, social, empregatícia e familiar de muitos brasileiros do Amapá ao Rio Grande do Sul;
3. Um corporativismo produtivo e financeiro nacional que se tornou subordinado aos imperativos e lucros dos empreendimentos estrangeiros – destacam-se a subordinação econômica às grandes empresas estrangeiras promovidas no governo de Juscelino Kubitschek, a sujeição aos ditames do Fundo Monetário Internacional nos governos que vão de João Batista Figueiredo à Fernando Henrique Cardoso, e a subordinação ao mercado financeiro especulativo como resultado do ajuste monetarista da economia brasileira no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Dependência
Nestes processos de dependência às ideias e planos econômicos internacionais, a inclusão e o desenvolvimento social brasileiro não poderiam e nem podem quebrar a lógica dos acordos produtivos estabelecidos na história do Brasil (4). Além deles, a dependência que se impôs ao Brasil pelo Fundo Monetário Internacional é aquela que atrela este País aos interesses dos maiores bancos privados do mundo. Desta forma, o Brasil perde progressivamente autonomia na condução de sua própria política fiscal e orçamentária. Isso acontece porque o nosso País cumpre acordos de pagamento de juros e dívidas que engolem ao menos um terço do nosso produto interno bruto, tal como se estivéssemos presos ao ciclo do mito de Sísifo. É importante também destacar que o ordenamento da produção alimentar brasileira é cada vez mais dependente da lógica internacional de commodities agrícolas – algo que obriga este setor a ficar cada vez mais blindado às demandas de desenvolvimento social, ambiental e humano de sua práxis (5). Extrativismo produtivo no campo é importantíssimo para a receita das contas correntes brasileiras, mas ainda se desenvolve sob condições agressivas e trágicas para o ambiente, a socialização do trabalho e a lógica do benefício público da terra (6).
Os anos do governo petista foram fundamentais para o desenvolvimento social brasileiro. Todavia, este desenvolvimento que trouxe marcas e índices sociais plausíveis, pouco trouxe para a autonomia política, jurídica e educacional da sociedade civil. Desta forma, o governo petista comete um erro fundamental: a autonomia política está à espera, equivocadamente, de uma autonomia produtiva. Cada vez mais, vemos um Brasil carente e dependente do aumento de sua produtividade e de sua capacidade de arrecadação fiscal para a exequibilidade de seus projetos sociais, da justiça social. A dependência financeira da política governamental brasileira e sua incapacidade para reformas políticas e jurídicas mais profundas nos revelam que os que conquistamos é pouco, é mínimo!
O ganho do poder aquisitivo não representou um ganho na autonomia política e jurídica para cada cidadão brasileiro. Porém, mais do que nunca, é necessário que aconteçam reformas políticas de base para que todos os brasileiros possam aferir ou proibir ações econômicas que favoreçam maciçamente grandes empreendimentos capitalistas (7). Não adianta sediar uma Copa se o brasileiro não tem mais acesso às suas várzeas futebolísticas. Não tem menor sentido promover Jogos Olímpicos se a maioria das nossas escolas e universidades não têm nem mesmo um mínimo espaço de sociabilidade – quanto mais infraestrutura para o exercício esportivo de jogos clássicos.
Mais do que acesso às mercadorias, a brasileira e o brasileiro precisam ter direito aos seus rios, às suas histórias, aos seus melhores frutos e cafés, às suas nações quilombolas, germânicas, pré-colombianas etc. de forma cooperativa, solidária, participativa e autônoma. Precisamos de uma reforma política radical e democrática para que se dê à sociedade civil brasileira os lemes do seu desenvolvimento socioambiental.
Como afirma a letra da boa música “Comida” cantada pela banda Titãs:
“A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte/ A gente não quer só comida,/ A gente quer saída para qualquer parte,/ A gente não quer só comida,/ A gente quer bebida, diversão, balé / A gente não quer só comida,/ A gente quer a vida como a vida quer”.
Referências
[1] Redação da Folha de São Paulo. “Produção industrial cresce 6% em 2007, maior expansão em três anos”.http://economia.uol.com.br/ultnot/2008/02/08/ult4294u994.jhtm.
[2] PIKETTY, Thomas. Economia da Desigualdade. São Paulo: Intrínseca, 2015; HABERMAS, J. Problemas de legitimaciónenel capitalismo tardío. Madrid: Cátedra, 1999.
[3] MERCADANTE, A. Brasil:Primeiro Tempo- Análise Comparativa do Governo Lula. São Paulo: Ed. Planeta, 2006. Da Silva, Luiz Inácio 2013 "A Mensagem da Juventude do Brasil", no The New York TimesNew York) 17 de Julho. Em< http://www.nytimes.com/2013/07/17/opinion/global/lula-da-silva-the-message-of-brazils-youth.html?_r=0 >
[4]CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo.Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
[5]LÖWY, M. A Herança de Chico Mendes. 27/11/2003.http://blogdaboitempo.com.br/category/colunas/michael-lowy/.
[6] Recomendo a leitura deste ótimo artigo: ALMEIDA, F. P. M.; PEREIRA, N. C. Ecologia profunda: para uma ecologia do proletariado. Voices, v. XXXVII, p. 309-322-322, 2014.
[7]NABATCHI, Tinna; LEIGHNINGER, Matt. Public Participation for 21st Century Democracy. New Jersey: JosseyBass, 2015.♦ Manoel Ribeiro de Moraes Junior é pós-graduando em Ciências da Religião na Universidade do Estado do Pará
Fonte: Caros Amigos
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