A esfinge midiática do capitalismo
Por Ari Zenha
Os subalternos: “Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, fodidos e mal pagos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura , têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome , têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns que custam menos do que a bala que os mata.”
Os subalternos, o homem televisivo, massacrado, que é impregnado pela mass-mídia, comporta-se como um ser passivo, um indivíduo impotente frente à avalanche de imagens, falas, mensagens, que os tornam um ser inativo frente a uma realidade figurada e reconfigurada de desvarios instituídas e propagandeadas pelos meios de comunicação, mobilizando visões obnubiladas da realidade, um conjunto de fatos despolitizadores que agem de maneira enganosa sobre a mente e a vida de todos eles.
Nesse contexto, a mass-mídia na concepção burguesa encontra sua abrangência, sua solidificação, sua encarnação na hegemonia pela qual ela faz imperar no interior da sociedade e no modo de vida dos dominados a abrangência de suas normas e de suas instituições de dominação, onde os burgueses impedem os subalternos de edificarem seu projeto totalizante e libertador de vida fora dos limites da ordem do capital.
Dessa forma, o alcance da mídia do capital: “... significa aprisionar as classes trabalhadoras em um círculo infernal: para elas inexiste qualquer solução real sob a ordem do capital, só a aparência de solução.”... “O segredo é simples: falar dos subalternos, com eles, mas transmitindo mensagens que não são as deles.”
Convém aqui ressaltar que o significado das palavras, as construções linguísticas, os discursos que trazem consigo imagens e mensagens de uma visão de mundo fundada nos ordenamentos das classes dominantes, vêm permeadas de conteúdos vazios, mas ao mesmo tempo “seguro” de conteúdo real para aqueles a quem se destinam; os subalternos.
Ideologia burguesa
Nas palavras de Gramsci, “... libertar-se da ideologia burguesa é o primeiro passo da classe trabalhadora para construir sua subjetividade e historicidade, ultrapassando a situação de classe instrumental a serviço dos dominantes. Libertar-se dessa ideologia implica autonomizar-se da fala dos dominantes”, e de Sodré Muniz, “... agora é preciso dizer que o jornalismo (na TV brasileira) oscila entre o jornalismo de boutique e o jornalismo de esgoto.” Isso nos remete à questão da ideologia do espetáculo, da falsa consciência, da expressão de um viver idealizado, manipulado, alienado, unificado e ao mesmo tempo difundido, propagandeado de palavras e frases feitas que expressem o viver, o querer, o poder da classe dominante e dominadora.
Edmundo Dias nos coloca ainda que... “o espetáculo é uma força privilegiada da linguagem e da tentativa de hegemonização. A simples possibilidade de neutralização do outro pelo fato de ter a seu favor a impossibilidade da ação contraditória, no Brasil se não deu no Jornal Nacional, não aconteceu; a mesma lógica do magistrado que afirma: ‘ se não está nos autos não existe’.”
Dessa forma, é necessário e fundamental para entender a dinâmica do mass-mídia que ela seja desconstruída não só no campo objetivo, mas principalmente no subjetivo, no subliminar. A finalidade mediática burguesa é apropriar do inconsciente dos subalternos, apagando e ao mesmo tempo criando em seus seres formas culturais, políticas, sociais, modus de vida, representações de poderes, de normas de uma determinada espécie de vida – burguesa -, de fala, de escrita, de desejos, utilizando uma linguagem opressiva, fantasiosa do existir dos dominantes, criando com isso uma realidade cindida pelo desejo de possuir, de realizar, de consumir de uma forma turbo-consumista tudo que a ela é ofertado; mercadorias que abrange todos os aspectos da vida, seja ela material ou imaginária, sugerindo, ou melhor, impondo, para os subalternos – ente supranacional -, que ao mesmo tempo convive com/na miséria, é massacrado pelo domínio globalizado da mídia dos dominantes, que espetacularizam o seu modus vivendi, fazendo os desejos, as vontades e os mais diversos sonhos dos seres humanos (necessários ou criados) serem alimentados freneticamente e glorificados na incorporação da mídia dos dominadores encorajando os homens, no sentido genérico, a engajar-se cada vez mais na sociedade do capital.
Armas de informação
Assim considerada, a televisão, o cinema, as novas tecnologias da informação atuam como poderosas armas de guerra ao estilo hollywoodiano de mídia do século XXI. É uma forma de fazer propaganda pelo mundo como uma espécie de “nouvelle vulgate planétaire”, um tipo de querer viver dentro de um “mondo grande e terribile” que é o capitalismo. Cancline (2005) expressa o controle do mercado mediático dizendo: “nos Estados Unidos a indústria audiovisual ocupa o primeiro lugar nos lucros por exportações com mais de 60 bilhões de dólares, o que em vários países latino-americanos abarca cerca de 4% a 7% do PIB, mais que a indústria da construção, a automotriz e o setor agropecuário no México.” “Cerca 97% dos africanos não têm acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, enquanto a Europa e os Estados Unidos concentram 67% dos usuários de Internet. A América Latina que conta com 8% da população mundial e contribui com 7% do PBI global, participa no ciberespaço apenas com 4%.”
Na perspectiva televisiva, os Big Brothers, uma espécie de paranoia cibernética, um “reality show” das TVs, onde se trabalha no campo da subjetividade, da linguagem subalternizada e globalizada do mercado capitalista, consolida-se a imposição do american way of life, onde o capitalismo apresenta-se como o “único horizonte diante do qual tudo o mais seria non sense.”
Com tudo isso, cria-se uma espécie de padrões universais de ser, de viver, estandardizados em um tipo de ditadura multifacetada que se apresenta de forma “invisível”, “natural” e “agradável” para todos.
TV
Neste sentido a televisão é inigualável, ela não liberta, aprisiona, acorrenta com seus estereótipos, com seus desejos, com suas imagens manipuladas, editadas, reluzentes e deslumbrantes a aspiração da vida dos dominantes por eles criados para “seduzir” os subalternos, é uma espécie de “discurso da passivização e do silenciamento.”
Segundo Groucho Marx, (...) “Em minha opinião a televisão é muito educativa. Cada vez que alguém liga o aparelho, vou a outro cômodo e me ponho a ler um livro.”
O capital não é um poder pessoal: é um poder social.
Fonte: Caros Amigos
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