'O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem,' dizia Nelson Rodrigues. Quem é mais vira-lata no Brasil que a própria imprensa?
"O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima". Essa frase de Nelson Rodrigues aparece no meio do debate sobre o que ele classificou de complexo de vira-latas, ou seja, “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face ao resto do mundo”.
Nelson criou a expressão ao se referir às dores derivadas da derrota Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai, em pleno Maracanã. Mas o tempo passou, perdemos outros mundiais, tomamos uma senhora goleada da Alemanha e nosso jeitinho de vira-latas apenas se enraizou mais.
Vira-lata é aquele que acha que a grama do vizinho é sempre mais verde, que a cerveja da outra mesa está sempre mais gelada e que a crosta de alho sobre o frango a passarinho é sempre mais crocante quando no prato do irmão menor.
Só não somos vira-latas quando olhamos para nossos dois irmãos siameses: os africanos e os outros latino-americanos. Para esses, tão explorados quanto nós, arrotamos caviar depois de um belo hot dog. E quem é mais vira-lata no Brasil que a imprensa que se exibe com olhos depressivos e coração saudoso de suas férias em Miami – sobretudo na cobertura internacional?
O caso de Manuela Picq é um belo exemplo. Manuela é uma franco brasileira que estava no Equador com visto de turista. Ainda assim, estava metida numa série de atividades políticas (o que é irregular, já que é estrangeira e não tinha visto permanente) e trabalhando (também irregular, claro, já que estava assumidamente a passeio). Durante uma manifestação pública contra o presidente Correa, foi retida pela polícia: ela estava sem documentos. Depois disso, teve seu visto revogado e retornou ao Brasil.
O caso dela daria uma bela história, mas isso já está sendo contado na blogosfera. O que me interessa aqui é pinçar esse caso para evidenciar como se faz jornalismo preguiçoso quando se trata de África e da América que fala espanhol.
Com Manuela, Folha e O Globo cometeram tantos equívocos que suscitaram uma série de respostas do próprio governo do Equador. Chegaram a insinuar que a polícia havia batido na garota. Não se deram ao trabalho, pasmem, de observar na própria timeline da Manuela que ela havia sofrido um acidente numa aula de circo. Além disso, também não checaram o currículo de seu namorado e, no mínimo, feito um cotejamento entre seu discurso indigenista e seu histórico de defensor de empresas mineradoras.
No caso africano esse mesmo tipo de preguiça é recorrente. É só ver o silêncio dedicado ao Saara Ocidental, nação invisibilizada pelos interesses comerciais que muitos mantêm com Marrocos (aliás, você já ouviu falar no Saara Ocidental?). Infelizmente, contudo, há tantos outros casos pra citar que você perderia o interesse pela leitura.
Ao contrário de África e América Latina, as notícias sobre os irmãos do norte merecem fontes multi-anguladas, luz e contraluz e a esperança de que um dia sejamos como eles. É incrível nossa indisfarçável inveja de tudo o que conquistaram desde a Segunda Guerra Mundial: só que não dizemos que tudo o que alcançaram foi pago por alguém. Nossa mídia não diz o mais básico e simples: Europa e Estados Unidos chegaram onde chegaram às custas de muita exploração da mão-de-obra semiescrava dos países pobres, dos recursos naturais com subsídios absurdos, das terras baratas e subservientes do terceiro mundo e das guerras inomináveis semeadas pelas esquinas do globo.
Em geral – e, claro, essa generalização é pecadora -, os microfones e teclados da mídia corporativa alimentam a ilusão de que há almoço de graça. Mas isso é mentira. Não há almoço de graça. Para que europeus e estadunidenses almoçassem uma comida bacana, nós tivemos de cortar a lenha, arar o campo e tomar muita chibatada no lombo.
Quando a mídia faz sua cobertura preconceituosa e preguiçosa sobre a estranha Manuela Picq, demonstra, no mínimo, seu temor com o protagonismo latino-americano. Reafirma, assim, seu desconforto com a resistência cubana ou a liderança de Mujica.
Manuela Picq é apenas um exemplo. Um caso esquisito que nos ajuda a sentir o cheiro acre dos muitos e intolerantes vira-latas que nos frequentam e minam nossas coragens diariamente. Vá de retro!
*Glauber Piva, consultor internacional, é mestre em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ). Foi diretor da ANCINE – Agência Nacional do Cinema.
Fonte: Carta Maior
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