Luiz Fernando Pezão durante sua campanha ao governo, em 2014, em Manguinhos. A manutenção da política atual provocou uma nova morte (Lucas Figueiredo / Pezão 15)
Há uma morte branca que tem como causa as doenças, as quais, embora de diferentes tipos, não são mais que doenças, essas coisas que se opõem à saúde até um dia sobrepujá-la num fim inexorável: a morte que encerra a vida. A morte branca é uma “morte morrida”. Há uma morte negra que não tem causa em doenças; decorre de infortúnio. É uma morte insensata, que bule com as coisas da vida, como a gravidez e o parto. É uma morte insana, que aliena a existência em transtornos mentais. É uma morte de vítima, em agressões de doenças infecciosas ou de violência de causas externas. É uma morte que não é morte, é mal definida. A morte negra não é um fim de vida, é uma vida desfeita, é uma Átropos ensandecida que corta o fio da vida sem que Cloto o teça ou que Láquesis o meça. A morte negra é uma morte desgraçada. (Batista; Escuder; Pereira, 2004, p.635)
Por Douglas Belchior
Em abril de 2015, como resposta ao assassinato de Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos de idade, atingido por com um tiro de fuzil a queima roupa dentro de casa, no Complexo do Alemão, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB) se comprometeu: “Vamos entrar mais forte, fazer uma reocupação com mais policiais”. O resultado da manutenção da política atual de ocupação surgiu na terça-feira 8: mais uma criança foi assassinada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Desta vez foi Cristian Soares da Silva, de 12 anos. Nasceu negro, favelado de Manguinhos, empobrecido pelo sistema econômico e estigmatizado pelo racismo estrutural. Resultado: O Estado, a polícia e a bala do fuzil o encontraram. Não fosse ele, seria outro. Não fosse agora, seria mais tarde. Fato é que, de tão naturalizado e “pré visto”, dificilmente este assunto será tema de comoção nacional.
Imagem emprestada da página de Facebook do Movimento Mães de Maio, uma importante rede nacional que articula Mães e familiares de vitimas do Estado, sobretudo das polícias. E como é triste a certeza de que esse movimento a cada dia cresce e se torna indispensável para a denúncia e a luta contra o genocídio negro e periférico que sofremos no Brasil. Cresce na dor e no luto, mas também no amor e na luta!
Cristian jogava bola com os colegas, pouco antes. Ao ajudar uma senhora caída no chão, foi atingido pela famosa bala perdida que, acidental e coincidentemente, se encontrou no alvo de sempre. Cristian teria sido vítima de uma troca de tiros ocorrida durante uma operação policial, que buscava por quatro suspeitos de assassinar um PM, dias antes.
Podem questionar: “Mas não há provas de que foi a polícia!” O contexto em que a polícia atua mostra que a discussão é mais profunda do que isso. Ocupação territorial violenta; uso desproporcional da força; ação direcionada à vingança; despreparo; práticas próprias de atuação em periferias e favelas, bem diferente de como agem na nobre zona sul carioca. Um Estado que mata deixa morrer. Responsável em qualquer uma das hipóteses!
Em 2014, 15,6% dos 56 mil homicídios no Brasil foram cometidos pela polícia. No Rio, entre 2010 e 2013, 99,5% dos assassinados eram homens; 79% dos mortos eram negros e 3 entre 4 tinham entre 15 e 29 anos, segundo a Anistia Internacional. A polícia do Brasil é que mais mata no mundo.
Nos últimos dez anos, mais de 50 crianças foram mortas por policiais no Rio de Janeiro, o que equivale 60% de todos os casos no País. No Brasil, 82 crianças e adolescentes de até 14 anos foram mortas por policiais; destas, 73% eram negras.
Há pouco, vivemos uma justa comoção mundial, ante a imagem incomum, violenta e triste do corpo sem vida do menino sírio Aylan Kurdi. Todas as mortes são doídas, há sempre uma mãe, um familiar que chora.
No Brasil, crianças e adolescentes negros e pobres afogam-se num mar ardente de tiros de fuzil e ponto 40. Um naufrágio interminável que já dura 515 anos de genocídio negro-indígena-periférico. Pouco para a sensibilidade racista de nossas elites, nossa imprensa e nossos governantes.
Uma pergunta cristã, guardadas as raríssimas exceções: Comandantes de polícias, secretários de Segurança Pública, deputados, senadores, governadores, presidenta, como dormem? Como conseguem conviver com a culpa de tantas mortes?
Culpa, sim. Já que o Estado, genocida e opressor por sua própria natureza, não funciona sozinho. É dirigido e retroalimentado.
Seria a certeza do perdão ou da impunidade? Seria a confiança na apatia das massas? Ou seria sua histórica convicção racista?
Acreditem, há de chegar o dia. Brasil vai virar Palmares e nossos Cristiansserão lembrados.
Sempre!
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