terça-feira, 29 de abril de 2014

BRASIL: ACRE LEVA HAITIANOS PARA SÃO PAULO E INICIA CRISE EM QUE TODOS PERDEM


Quinhentos haitianos entraram nas últimas duas semanas em aviões fretados pela Força Aérea Brasileira no Acre e desembarcaram 3.600 quilômetros ao sul, na cidade de São Paulo, dando início a uma pendenga política que se não tem potencial destrutivo na seara eleitoral, é – para dizer o mínimo – vexatória no âmbito humanitário.

Muito resumidamente, a transferência de imigrantes de uma das regiões mais carentes do país para seu principal centro econômico causou briga entre os estados relacionados. A secretária paulista da Justiça, Eloisa de Souza Arruda, disse que estuda denunciar o Acre à Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo envio dos refugiados sem aviso. O governador acreano, Tião Viana (PT), acusou em resposta o governo paulista de "preconceito racial".

Bom, para começo de conversa, juristas já se posicionaram afirmando que Eloisa Arruda nem se quisesse poderia acionar a OEA nesse conflito. Por se tratar de uma questão interna, a organização, dedicada à mediações internacionais, não poderia se manifestar à respeito. Em segundo lugar, o governador acreano, que ao meu ver toca não sem razão na questão do preconceito das elites paulistas, deveria, ao menos, ter a elegância de comunicar seu colega de São Paulo sobre o transporte forçado, já que o Acre não tem mesmo como arcar com a assistência a um fluxo migratório dessas proporções.

"Temos precedentes já julgados na União Europeia, na Corte Europeia de Direitos Humanos, até dentro do espaço europeu, que é um espaço livre. Há uma cláusula dizendo que, quando há um grande deslocamento humano, o país que desloca precisa avisar o outro país", afirmou a secretária paulista, como se o Acre estivesse no continente asiático, e não alguns estados acima, incrustado na floresta amazônica.

"O andar "de cima" das elites parece mesmo querer, em pleno século 21, assegurar seu território livre de imigrantes do Haiti? Vamos recomendar-lhes a releitura de Martin Luther King", escreveu Tião Viana em redes sociais.

Há, como se vê, erros e até uma proposta de debate de ambas as partes. Mas, para além do bate boca, o problema é que, espremidos entre os dois lados que não se acertam, uma massa de imigrantes para lá de carente (e em alguns casos com qualificação intelectual acima da média local) se vê jogada para cima e para baixo, alocada em abrigos improvisados e sem perspectivas concretas quanto ao seu futuro.

Perde-se tempo e energia com uma disputa fora de hora. Enquanto se joga a responsabilidade de um lado para outro, os haitianos correm riscos, lançados à própria sorte e à mercê de aproveitadores. Um exemplo disso é a recente preocupação do Ministério do Trabalho e Emprego de São Paulo que, no fim da última semana, acionou a Polícia Rodoviária Federal para tentar rastrear um ônibus que chegou, em um começo de tarde, à sede da Pastoral do Migrante, onde funciona um desses abrigos no centro de São Paulo, e levou cerca de 20 haitianos que estavam abrigados ali.

Como os imigrantes não têm carteira de trabalho, o temor do Ministério Público é de que eles sejam submetidos a empregos em situação irregular ou equivalente a escravidão. Um problema ainda recorrente principalmente em áreas rurais mais afastadas.

O pior é que essa situação envolvendo os haitianos é mais um capítulo em uma tragédia que há quatro anos vem se desenrolando silenciosamente. Há um ano, neste mesmo espaço, falei do drama de 1,3 mil refugiados do país caribenho que lotavam um acampamento improvisado na cidade de Brasiléia, no Acre, onde o Brasil faz fronteira com a Bolívia e com o Peru.

Hoje, lá já se espremem 20 mil haitianos. Eles passam a noite em colchões sobre placas de papelão e lutam por um prato de comida da mesma forma que disputam a oportunidade da obtenção de um visto humanitário, documento que abre o caminho para trabalharem na construção de usinas hidrelétricas da região ou nos estados mais ricos localizados ao sul.

A onda de imigração é motivada por uma combinação de decadência política com desastre natural. Após o recrudescimento de uma crise civil, um terremoto matou 217 mil pessoas no Haiti em 2009, desterrou meio milhão deles e, por pouco, não transformou a capital Porto Príncipe de cidade montanhosa em imensa planície.

O tempo passou e a região continuou em frangalhos, mesmo depois de bilhões de dólares em assistência internacional. E para não morrer de fome, sede e perspectivas, os habitantes locais começaram a fazer o que deles se esperavam – saírem correndo de lá. A maioria seguiu para os Estados Unidos, Canadá e França. Parte considerável, no entanto, rumou para Brasiléia, que tem cerca de 25 mil habitantes e algumas poucas pousadas destinadas a receber turistas que vão às compras na Bolívia. Cobija, a cidade peruana que está do outro lado da ponte, também é destino de consumo. Funciona como algumas cidades paraguaias vendendo eletrônicos sem impostos.

É natural que o Brasil entrasse na rota dos haitianos. O país lidera a MINUSTAH, siglas para Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti. Até chegar a Brasiléia, os haitianos enfrentam uma verdadeira epopeia América adentro. Geralmente, iniciam a jornada na vizinha República Dominicana. De lá, partem para o Panamá e, após conexão, para Quito, no Equador. Depois seguem por uma dura jornada terrestre até Cuzco, no Peru. De Cuzco para Puerto Maldonado e de Puerto Maldonado para Inapari, já na fronteira com o Brasil.

O primeiro grupo de viajantes alcançou Brasiléia em dezembro de 2010. Eram 250 haitianos. De lá para cá, estima-se que 5 mil imigrantes atravessaram a fronteira do Acre com o Peru. Financeiramente, a movimentação contabiliza um custo de mais de US$ 1,5 milhão ao governo do Acre, que tenta – nem sempre com êxito – suprir os refugiados com alimentos e assistência básica.

A situação tem-se arrastado desde então. O Acre é um estado pobre, sem vocação econômica definida. Para piorar, fica longe de Brasília, é praticamente um outro mundo para quem mora no Rio de Janeiro e não desperta mais do que a curiosidade dos paulistas, que tocam o coração financeiro do Brasil.

Bom, isso até agora, quando Tião Viana começou a pagar a passagem para que os haitianos com visto humanitário cheguem até São Paulo. Com sua flexibilidade colocada em xeque, o governo paulista que há tempos não acerta em uma questão relevante (a segurança pública e a recente crise de abastecimento de água são dão duros golpes à reeleição de Geraldo Alckmin), vai ter de encontrar uma saída inteligente para a questão. Mas, como dito, as primeiras semanas dessa experiência, foram pouco promissoras. E se não mudar o discurso rapidamente, o governo do estado rico vai passar para o Brasil uma mensagem pouca amistosa. Vamos aguardar e torcer para um rumo mais feliz nessa questão.

Fonte: Voz da Rússia

Segue o link do Canal no YouTube e o Blog
Gostaria de adicionar uma sugestão, colabore com o NÃO QUESTIONE

Este Blog tem finalidade informativa. Sendo assim, em plena vigência do Estado Democrático de Direito, exercita-se das prerrogativas constantes dos incisos IV e IX, do artigo 5º, da Constituição Federal. Relembrando os referidos textos constitucionais, verifica-se: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (inciso IV) e "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (inciso IX). As imagens contidas nesse blog foram retiradas da Internet. Caso os autores ou detentores dos direitos das mesmas se sintam lesados, favor entrar em contato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário