Ao propor a prática de crimes tipificados no Código Penal e no arcabouço legal brasileiro, Bolsonaro coloca-se fora da lei. Não é mera quebra de decoro.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) não é, definitivamente, um simples caso de quebra sistemática de decoro parlamentar. Esse decoro é a menor das vítimas do nada ilustre parlamentar. Ao dizer, da tribuna do parlamento, que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merecia”, e ao defender o crime da tortura, Bolsonaro afronta o Direito e a lei brasileira. A fala do deputado, nesta terça-feira (9) foi a seguinte:
“Não sai não, dona Maria do Rosário, fica aí. Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias você me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”.
Os absurdos e anúncios de crime que a fala do deputado contém são tantos e tão gritantes que fica difícil ordená-los com a gravidade que merecem. Em primeiro lugar, anuncia sua disposição para estuprar uma mulher. O fato de Maria do Rosário ser uma parlamentar aí é um detalhe. Do alto de sua boçalidade fascista, Bolsonaro misturou o que seria uma ameaça (o estupro) com um prêmio (o estupro também). A parlamentar gaúcha estaria livre da ameaça por “não merecê-la” como um prêmio corretivo.
O crime de estupro – crime hediondo, aliás – está tipificado no artigo 213 do Código Penal brasileiro. Segundo prevê a legislação brasileira, o crime de estupro consiste no fato de o agente “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Para constranger a vítima, o sujeito pode se valer da violência ou grave ameaça, que são os meios de execução do crime de estupro, legalmente previstos no Código Penal. Também denominada de violência moral, a grave ameaça é a promessa da prática de um mal a alguém, de acordo com a vontade do agente. Não é necessário que esse agente tenha intenção ou efetiva condição para concretizar a ameaça, basta que a ameaça seja séria, capaz de intimidar.
Bolsonaro é reincidente nesta amaça contra Maria do Rosário. Em 2003, durante uma entrevista à RedeTV!, ele travou o seguinte diálogo (se é que se pode chamar isso de diálogo): "O senhor promove a violência", disse Maria do Rosário na ocasião. "Eu sou estuprador agora? Jamais iria estuprar você, porque você não merece". Além disso, ele a empurrou e xingou de "vagabunda".
No caso de Bolsonaro, as ameaças de agredir o corpo de outras pessoas, por causa de diferenças de opinião, não se limitam ao crime do estupro. O deputado também é defensor de outra prática criminosa, a tortura, tipificada na Lei nº 9.455 nos seguintes termos:
Art. 1º. Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
A tortura é um crime imprescritível, inafiançável, não sujeito a graça e anistia como dispõe o Artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal.
O deputado Bolsonaro, portanto, não é um tema apenas para a Comissão de Ética da Câmara e para debates envolvendo a quebra de decoro parlamentar. A conversa com ele se dá no terreno do Código Penal, da Constituição e do ordenamento jurídico. Não parece ser por acaso, aliás, que o sujeito em questão seja um herdeiro da ditadura que agrediu, torturou e matou centenas de brasileiros e que participou, com a sua logística macabra, da morte de milhares de outras pessoas em outros países do continente. Ao propor reiteradamente a prática de crimes tipificados no Código Penal e no arcabouço legal brasileiro, Jair Bolsonaro coloca-se fora da lei.
Fonte: Carta Maior
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