1) Emergência do Estado Islâmico muda configuração política no Oriente Médio. Na visão das potências ocidentais Bashar al-Assad deixa de ser o inimigo no. 1 na Síria, embora não se torne um aliado. Baixa o tom da tensão entre as potências do chamado “grupo dos seis” (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China) e o Irã. Embora não tenham chegado a um acordo sobre o programa nuclear deste país até o final do ano, o clima de confronto diretofoi substituído pelo de negociação. Um novo prazo (30 de junho de 2015) foi fixado poara chegarem a um acordo definitivo.
2) Estratégia ocidental no norte da África e no Oriente Médio mostra suas fraturas e fracassos. A Líbia se desagrega em guerra civil. O Estado iraquiano sucumbe ante o ISIS, agora Estado Islâmico.
3) No fim do ano tensão entre palestinos e israelenses atinge novos patamares próximos de uma guerra religiosa. Israel fica mais isolado em escala mundial mas mantém sua política de anexação de territórios que deveriam ser dos palestinos, mediante a implantação de novas “colônias habitacionais”. Também ao final do ano o governo israelense, numa discussão tensa, decide propor ao Parlamento (Knesset) transformar Israel no “Estado-nação do povo judeu”, o queprovoca críticas de organizações de direitos humanos e dentro do próprio ganinete de Benyamin Netanyahu por possíveis restrições aos direitos de minorias.
4) Ofensiva da direita em escala mundial. Candidaturas conservadoras vencem ou se consolidam na Índia, Japão. Golpe militar e “eleição” do General Al-Sisi enterra de vez a “primavera egípcia”. Na eleição parlamentar europeia (maio) extrema-direita colhe resultados significativos na França e no Reino Unido. O UKIP inglês e a Front Nationale francesa são os partidos mais votados em seus países nas eleições em maio para o Parlamento Europeu. Movimentos anti-imigrantes e refugiados políticos crescem em toda parte. Pressionado pelo UKIP o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anuncia sua intençào de restringir os direitos dos imigrantes, o que provoca reações contrárias na Uniào Europeia, inclusive da parte de sua tradicional alaida, a chancedler Angela Merkel. Nos Estados Unidos republicanos vencem eleições de novembro e ficam com a maioria em ambas as casas do Congresso na próxima legislatura (a partir de 2015). No Brasil candidatos de extrema-direita obtém votações expressivas nas eleições de outubro.
Contrastando, apesar da extrema-direita também ter crescido, o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e social-democrata Stefan Löfven tornou-se o primeiro ministro da Suécia, tendo seu partido conseguido ser o mais votado na eleição legislativa (31,2%), formando um governo com os Verdes e o Partido de Esquerda.
A oposição conservadora, que estava no poder, ficou com 39,1% e os Democratas da Suécia, de extrema-direita, com 13%, um recorde histórico. Uma das primeiras medidas do novo governo de Löfven foi reconhecer o Estado Palestino, fazendo da Suécia o primeiro país pertencente à Europa Ocidental e fazê-lo.
5) Na França durante o ano o ex-presidente Nicolas Sarkozy ensaia e consegue um retorno ao primeiro plano da política nacional ao se reeleger como líder da UMP (Union pour um Mouvement Populaire), apresentando-se como o único capaz de derrotar Marine Le Pen nas futuras eleições presidenciais. Para conquistar a simpatia da extrema-direita Sarkozy promete acabar com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
6) Migração e refugiados políticos são tema o ano inteiro. Os desastres dos navios com imigrantes e refugiados no Mediterrâneo ocuparam a pauta da mídia o ano inteiro, bem como os apelos para a União Europeia defina uma legislação e uma ação conjunta tanto sobre a imigração em si quanto sobre a proteção dos desastres marítimos. Nos Estados Unidos o presidente Obama anunciou decreto neste fim de ano que possibilitaria a regularização de 5 milhões de imigrantes ilegais no pais, sob forte oposição por parte dos republicanos. Além disto, a imigração é objeto constante de campanhas contrárias e preconceituosas por parte da extrema-direita em toda a Europa.
7) Economia mundial segue em clima recessivo. China desacelera crescimento. Europa congela-se numa “crise estável” econômica e também política.
Candidaturas e partidos definidos como “eurocéticos” ou claramente anti-União Europeia crescem em toda parte. Consolida-se a perspectiva de que a Europa está deixando de ser “o continente do bem-estar social” para ser, ao invés, o “continente do mal-estar social”. Alemanha para crescimento no fim do ano. Japão entra oficialmente em recessão – mais uma vez. Políticas neo-liberais fracassam em escala mundial, mas seus defensores se aferram cada vez mais a elas.
8) Crise ucraniana se estabiliza enquanto tal. País segue dividido, Crimeia é reanexada à Rússia. Com evidente ajuda russa os rebeldes do leste conseguem deter e mesmo reverter ofensiva do governo de Kiev ajudado pelo Ocidente. Moscou e países do Ocidente trocam acusações sobre respectivos papeis na crise.
Ao fim do ano, depois de graves incidentes, começa um cessar-fogo entre separatistas e o governo de Kiev, mas que é altamente instável e quebrado várias vezes de parte a parte. Ocidente aumenta isolamento da Rússia, suspendendo-a do G-7 e impondo diversas sanções econômicas a empresas e políticas a governantes e emepresários russos. Rússia começa retaliação cessando importações da Europa e abrindo-se para novos mercados, como China e Brasil.
9) A partir da crise ucraniana a Europa e o mundo entram em novo período que renova a polarização da Guerra Fria. Os enfrentamentos verbais são constantes, há movimentações militares do lado Ocidental e na Rússia, incidentes como o da derrubada de um avião malaio sobre os territórios separatistas inflamam mais os ânimos. Há sanções e retaliações econômicas de parte a parte. Para vencer seu isolamento, a Rússia volta-se mais para a América Latina, incluindo o Brasil, os BRICS e, em particular, para a China. O capitalismo realizou aquilo que o comunismo não conseguiu: aproximar os dois gigantes asiáticos.
10) A China ocupou o noticiário político várias vezes. Depois de um ano cheio de tensões com o Vienã e o Japão, ela e este último país vislumbram um entendimento parta distensão no continente asiático. China e Austrália anunciam acordo de livre-comércio. Num acordo histórico, China e Estados Unidos concordaram em diminuir suas emissões de carbono até 2030. Mais uma vez, nos EUA, os republicanos se declararam contra o acordo e prometeram derrotá-lo no Congresso.
11) BRICS se consolidam como grupo articulado em torno de propostas de revisão da ordem econômica mundial, criando novo Banco para investimentos em infra-estrutura e fundo de emergência para ajuda em caso de crises econômicas, como alternativas ao FMI e o Banco Mundial.
12) No Brasil a presidenta Dilma Rousseff consegue se reeleger depois de uma intensa campanha nacional e internacional contra seu governo. A derrota de Dilma seria estratégica para os fundos especulativos mundiais e também para as companhias petrolíferas de olho no pré-sal. A vitória da oposição brasileira desarticularia o Mercosul e fragilizaria a ação dos BRICS. Também seria uma baliza para o “fim do ciclo de esquerda” na América do Sul e Latina. Não deu certo, apesar da forte campanha difamatória contra o governo, o PT e sua direção e a própria presidenta, além do ex-presidente Lula. A margem estreita da vitória revela, no entanto, o forte apelo da direita laica e religiosa. Mídia conservadora mundial compara seguidamente o “intervencionismo negativo” do governo brasileiro na economia com a “liberalização positiva” do México, apesar da realidade desmentir tal atitude: o México se desagrega, mergulhando no aumento significativo da pobreza extrema, na dependência excessiva da economia norte-americana em crise e no embolamento entre polícia, corrupção e narcotráfico, como evidencia o caso do desaparecimento dos 43 estudantes em Igualá, no sul do país.
13) De um modo geral, as eleições presidenciais de 2014 foram favoráveis às esquerdas latino-americanas. Em El Salvador o ex-guerrilheiro Salvador Sanchez Cerén se elegeu, derrotando o candidato conservador. Na Costa Rica, venceu Luís Guillermo Solis, chamado de “centro-esquerda” pela maior parte da mídia. Na Colômbia o presidente conservador Juan Manuel Santos se reelegeu, numa eleição apertada. Apesar de estar na centro-direita em termos de espectro ideológico, sua vitória foi considerada favorável às esquerdas continentais por sua reaproximação com a Venezuela chavista e por seu empenho no processo de negociação com as Farc, que era combatido por seu rival, o uribista e linha-dura Óscar Iván Zuluaga.
Dizia este que a reeleição de Santos significaria que seu país seria governado pelas Farc e por Cuba, onde se realizam as conversações de paz. Na Bolívia o presidente Evo Morales se reelegeu facilmente. No Uruguai, o ex-presidente Tabaré Vásquez, da Frente Ampla, se elegeu novamente, para suceder a seu correligionário José Pepe Mujica. Bateu Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, por 52,8% a 40,5%, no segundo turno. Já no Panamá, venceu o conservador Juan Carlos Varela, tendo o candidato mais à esquerda ficado em terceiro lugar.
14) A queda de braço entre o governo argentino e os chamados “fundos abutres” de investimento, sobre a dívida externa daquele, ocupou manchetes mundiais por várias semanas. Apesar de se declarar favorável à Argentina, o governo norte-americano nada fez para neutralizar a ação judicial destes fundos em seu território. A Argentina tentou driblar a situação autorizando credores que desejassem receber os pagamentos, impedidos pelos fundos que não queriam renegociar seus títulos, a recebê-los em seu sistema bancário ou no francês.
15) Na Ásia políticos não-tradicionais vencem eleições na Índia (Narendra Modi) e na Indonésia (Joko Widodo) com bandeiras anti-corrupção. Na Tailândia os militares mais uma vez retornam ao poder depois de um golpe de estado. O ano também foi marcado por diversos momentos de tensão entre a Coreia do Norte e a do Sul, e pelo esforço dos Estados Unidos em isolar politica e militarmente (sem confronto direto) a China, através de iniciativas como om estímulo à aproximação entre a Índia e o Japão.
16) Na África do Sul, assim como em 2013, houve importantes greves (ainda que com menos incidentes violentos) no setor da mineração, sobretudo de platina. As greves se encerraram com vitória dos trabalhadores no que se refere às reinvindicações salariais.
17) O surto de ebola na África Ocidental pega os países mais envolvidos (Libéria, Serra Leoa e Gana), a Organização Mundial de Saúde e o mundo inteiro de surpresa e revela diversas falhas em várias frentes da saúde pública mundial. A carência de infra-estrutura nas áreas mais atingidas e demora nas reações e na compreensão da gravidade da situação em outros países, como Estados Unidos e Espanha, agravaram a situação.
18) O debate sobre a espionagem internacional prosseguiu, com declarações inflamadas por parte dos contrários e dos favoráveis a ela. Os Estados Unidos começaram uma campanha para garantir seu acesso aos códigos de encriptação eletrônica das empresas e servidores do mundo virtual. Cresceu enormemente a procura por códigos seguros e chaves de segredo no setor. Julian Assange continua asilado na Embaixada do Equador, em Londres, e Edward Snowden em Moscou. No final do ano Brasil e Alemanha conseguiram uma vitória na ONU: o Comitê de Direitos Humanos adotou por consenso uma resolução apresentada pelos dois países e apoiada por 65 outros que visa garantir o direito à privacidade nas telecomunicações e na web, além de prever reparos às pessoas que se sentirem prejudicadas pela espionagem indevida. A decisão não é vinculante, mas será levada à Comissão dos Direitos Humanos da ONU que se reúne em Genebra no ano que vem. O chamado “Grupo dos Cinco Olhos” (EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), que adota o compartilhamento automático de suas informações de inteligência, não apoiou a proposta.
19) A Organização Mundial do Comércio anunciou no final do ano o primeiro acordo alfandegário abrangendo todos os países membros, que deverá injetar 1 trilhão de dólares na economia mundial e gerar mais de 21 milhões de novos empregos. É a primeira vez que isto acontece na história da organização, numa vitória de seu diretor-presidente, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo e sua equipe. As discussões duraram 19 anos.
20) O Uruguai tornou-se o primeiro país no mundo a legalizar e regulamentar o chamado “uso recreativo” da maconha. O controle, da produção ao consumo, passando pela distribuição, será feito pelo Estado, como resposta inovadora ao narcotráfico. Vários estados norte-americanos adotaram políticas semelhantes, outros legalizaram o uso medicinal da maconha. Ainda no Uruguai, durante o mandato do presidente Mujica foi legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo e foi descriminalizado o aborto, confirmando o país como o mais liberal em termos de costumes do continente.
21) Do Vaticano, o Papa Francisco I figurou no noticiário durante todo o ano, em geral por assumir posições mais liberais e ousadas em várias matérias do que seus dois antecessores imediatos. A pauta papal compreendeu direitos humanos, maior transparência no Banco do Vaticano, combate à pobreza, maior tolerância quanto a relações familiares e afetivas “não-ortodoxas”, ainda que dentro dos limites da moral católica tradicional. Para completar, no final do ano, o Papa fez um pronunciamento no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Criticou acerbamente as políticas europeias que estão levando ao descaso pelos imigrantes, à aceitação como normal da existência de “hordas” de jovens desempregados e pela falta de cuidado com os mais idosos. Segundo ele, o continente europeu tornou-se “refém de um modelo economico uniforme que solapa a democracia, perdendo de vista a centralidade dos direitos humanos em favor de um narcisismo individualista”. Por isto o resto do mundo olha a Europa com “desalento, desconfiança e suspeição”. Francisco I foi o primeiro Papa a se dirigir ao Parlamento Euopeu em 26 anos. Na ocasião anterior, um ano antes da derrocada dos regimes comunistas, João Paulo II dissera perante os deputados do continente que “a Europa era uma farol da civilização”. O contraste não podia ser maior. Mudou a Europa ou mudou o Papa?
Ambos, certamente. Ainda no final do ano o Papa vai à Turquia onde faz apelos pela tolerância religiosa, reúne-se com lideranças muçulmanas e com o primaz da Igreja Ortodoxa, defende a proteção dos refugiados, diz que combater a violência do Estado Islâmico é justidicado mas que é necessário também investir em negociações. Acrescenta que o melhor meio de combater o terrorismo é combater a pobreza, a fome e a desiguladade. Aparentemente, sem deixar de lado as limitações da Igreja, Francisco I se afirma não só como o Papa mais “à esquerda” desde João XXIII, mas também como o chefe de estado mais progressista em termos sociais no espectro europeu.
22) A Agência Espacial Europeia anunciou no final do ano ter conseguido pela primeira vez na história, pousar um robô no núcelo de um cometa, o P67. O projeto levou 20 anos para ser executado: somente a viagem da nave mãe (Rosetta) que “soltou” o robô (Phileas) demorou dez anos. O custo do projeto foi de 1,5 bilhão de dólares, metade do preço da construção de um submarino nuclear.
23) No futebol a Alemanha conquistou seu quarto título mundial na Copa disputada no Brasil, depois de vencer a seleção argentina na final por 1 x 0 e de derrotar a seleção da casa com o placar histórico de 7 x 1, a maior goleada já sofrida pela equipe brasileira em toda sua história. A Fifa foi objeto de várias críticas e contestações, sendo a maior delas a que houvera corrupção na indicação do Qatar como sede da Copa de 2022. O relatório final da entidade – motivo de controvérsias – confirmou o Qatar como sede. Também os jogos olímpicos de inverno, disputados em Sochi, na Rússia, foram alvo de controvérsias e acusações de corrupção. No Brasil, apesar do clima histérico dentro e fora do país de contestação da realização e do resultado da Copa para o país, esta se processou com total sucesso e sem maiores acusações comprovadas.
Fonte: Carta Maior
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