Não há rede de televisão no mundo mais contrária a iniciativas diplomáticas abertas pelo seu país. Por lá, só o que é americano é que é bom.
Em artigo anterior expus os vícios praticados pelos noticiaristas e comentaristas da Globo na cobertura distorcida do noticiário nacional. Agora vou acabar o serviço fazendo uma análise sumária do noticiário internacional. Este é o campo preferido de William Waack, onde, com seus esgares característicos, ele nada de braçadas, ora vocalizando os interesses do Departamento de Estado americano, ora fulminando com a política de integração sul americana iniciada na gestão de Lula e aprofundada no governo Dilma.
As duas mais brilhantes conquistas da diplomacia brasileira há décadas, a construção da Unasul e o apoio decidido à organização dos BRICS, pareceram à Globo um passo insignificante ou nulo para os interesses brasileiros objetivos. Por puro viés ideológico, ela desmereceu o momento político mais positivo da região, em décadas, criado por afinidades democráticas entre os presidentes da América do Sul. E relegou a Arnaldo Jabor a tarefa de caracterizar a Unasul como uma entidade ideológica esquerdista e insignificante.
A motivação óbvia é o descompasso potencial entre Unasul e os interesses norte-americanos, defendidos diligentemente por Jabor, algo que ficou ainda mais explícito com a organização dos BRICS. Neste caso, ao interesse econômico concreto, a diplomacia brasileira adicionou um aspecto adicional geoeconômico e geopolítico, tendo em vista a aproximação política do Brasil com a China e, principalmente, com a Rússia – o grande rival nuclear pós-Guerra Fria dos Estados Unidos no plano mundial. A atitude da Globo aqui não foi principalmente de oposição mas de omissão ou desmerecimento.
Talvez o fato mais significativo em outro nível, a subserviência da Globo à política racista americana pró-Israel e contra os muçulmanos, tenha sido a cobertura pela tevê da iniciativa do Governo Lula no sentido de uma solução para a questão nuclear iraniana. Com prévio conhecimento de Obama, Brasil e Turquia propuseram um caminho ao Irã e aos Estados Unidos para se chegar a um acordo aceitável para as partes. Israel ficou contra, e obrigou os Estados Unidos a voltarem atrás e abortar a iniciativa. Obama se comportou, portanto, como um mau-caráter servil aos belicistas, e o Jornal de Waack tomou o lado dos belicistas.
A Globo regozijou-se com o mau resultado da legítima tentativa do Brasil, como membro temporário do Conselho de Segurança da ONU, de tentar ajudar no encaminhamento pacífico do mais prolongado e difícil conflito no mundo contemporâneo. O comentarista Arnaldo Jabor festejou o que teria sido um monumental fracasso brasileiro, condenando publicamente a interferência de Lula num jogo político que lhe parecia ser destinado exclusivamente aos “grandes”. Não houve uma única referência ao fato de que, pela primeira vez nas negociações dos Estados Unidos (ou, como querem, do “ocidente”) com o Irã, chegou-se muito próximo de um acordo por uma audaciosa e oportuna intervenção brasileira e turca, quebrando o gelo das negociações.
Não posso imaginar nenhuma televisão no mundo que se coloque tão abertamente contra iniciativas diplomáticas abertas de seu país, em especial quando se trata de iniciativas de paz, como a rede Globo. Claro, para Waack e Jabor mais vale uma gracinha na mão que um noticiário responsável voando. A parcialidade em favor da direita anti-palestina de Israel, assim como da direita norte-americana salta à vista. No caso do Irã, assim como foi anteriormente no caso do Iraque, o interesse norte-americano vem descaradamente coberto por um ente de razão chamado “ocidente”, como se houvesse uma real coligação de países ocidentais coordenados pelo hegemon decadente. O que se tem, hoje, na Europa é apenas medo da pressão diplomática e econômica norte-americana.
Não fossem a internet e as redes sociais, jamais saberíamos que o avião derrubado na Ucrânia o foi provavelmente por forças radicais do governo de Kiev, e não pelos insurgentes russófilos; que o assassinato de Allende foi orquestrado pelo Departamento de Estado; que o golpe brasileiro teve o patrocínio direto americano; que a direita belicista israelense sequestrou corações e mentes americanas; que o noticiário vindo dos Estados Unidos está contaminado por uma visão parcial da história mediante o controle direto pelo aparato de informação da notícia distribuída pelas agências.
Os repórteres da Globo enviados para o exterior, com raríssimas exceções – posso citar Renato Machado, com medo de prejudicá-lo no meio da mediocridade e da negatividade -, absorvem a cultura local pela ótica norte-americana, e não pela brasileira. Em matéria de política e de economia o que vale é o que agrada o Tio Sam. Em geral, são mal formados, porque a Globo dá atenção máxima à forma, não ao conteúdo. De qualquer modo, as meninas bonitas da Globo defendem suas promoções seguindo rigorosamente a cartilha de direita extremada da emissora.
Conheci Waack décadas atrás, na cobertura de uma reunião dos Sete Grandes em Bonn, na Alemanha. Na época, a cobertura política tinha total precedência sobre a econômica, pois o neoliberalismo ainda não estava plenamente instalado no mundo. Waack se revelou contente de me entregar a parte econômica da cobertura porque, dizia ele, não sabia nada de economia. Fiz minha parte. Testemunhei o que foi a completa capitulação da França e da Itália socialistas ao credo neoliberal defendido por Reagan e Thatcher no comunicado final. Claro, Waack e a maioria dos jornalistas políticos não tiveram ideia do que estava acontecendo.
Como isso aconteceu em 1985, teria bons motivos para acreditar que, desde então, aprendera alguma coisa de economia. Não é, porém, o que revela nos comentários. Na verdade, ele trava uma tremenda guerra com Jabor, outro fundamentalista da superficialidade, para saber qual dos dois é o mais raivoso, mais insolente, mais anti-nacional. A propósito, Waack fez uma longa pesquisa militar na Alemanha e na Itália para produzir um livro em que pretendeu demonstrar cabalmente que a FEB fez verdadeiro fiasco na Segunda Guerra, e que Monte Castelo foi um vexame. Bons, mesmo, verdadeiros heróis foram os norte-americanos!
*Jornalista, economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política, entre os quais “A Razão de Deus”.
Fonte: Carta Maior
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