Os americanos agem na Venezuela de acordo com sua estratégia de 'mudança de regime', que não passa necessariamente pela via eleitoral...
Desde que o Governo Obama decidiu impor novas sanções à Venezuela, muitas pessoas, incluindo jornalistas, se perguntam sobre o que teria motivado Washington a tomar tal atitude. Alguns estão intrigados com a aparente incongruência entre este movimento e a decisão da Casa Branca, em dezembro, de iniciar o processo de normalização das relações com Cuba. Outros se perguntam por que o governo americano faria algo que obviamente enfraquece a oposição na Venezuela, pelo menos no curto prazo. O principal grupo de oposição, a Mesa da União Democrática (MUD), emitiu um comunicado em que afirma não apoiar as sanções: "A Venezuela não é uma ameaça para ninguém", dizia, em resposta à afirmação absurda da Casa Branca de que a Venezuela representava uma "ameaça extraordinária" à segurança nacional dos EUA. Finalmente, há o problema do isolamento de Washington no hemisfério, que certamente só se agrava com esta última decisão.
A contradição entre as sanções à Venezuela e a abertura a Cuba é, provavelmente, mais aparente do que real. A maior parte dos principais atores da política externa dos EUA queria normalizar as relações com Cuba desde, pelo menos, a década de 1990. Tanto pelo dinheiro que se pode ganhar lá, como pelo fato de que a maioria dos interessados %u20B%u20Bem se livrar do governo cubano acredita – com ou sem razão – que a tarefa será mais fácil com as relações comerciais com os EUA restabelecidas. Assim, a retomada das relações com Cuba é, de forma geral, coerente com a estratégia mais ampla de oposição à Venezuela e a outros governos de esquerda que vêm sendo eleitos e reeleitos desde 1998.
As sanções só parecerão incoerentes para quem enxergar na abertura a Cuba o início de uma mudança na estratégia global dos EUA para a região, que procure aceitar a enorme mudança política hemisférica que ocorreu no século 21 – às vezes chamada de "segunda independência" da América Latina. O presidente Rafael Correa, do Equador, expressou sucintamente a desaprovação dos governos regionais com as últimas sanções, afirmando que estas "nos lembram dos momentos mais sombrios de nossa América, quando fomos invadidos tivemos ditaduras impostas pelos imperialistas." Em seguida, perguntou: "Será que não percebem que a América Latina mudou?" A resposta curta para a pergunta é não. Washington ainda está a uma longa distância de algo equivalente no hemisfério ao que representou a viagem de Nixon à China em 1972, que não marcou apenas o início de um processo de abertura de relações diplomáticas ou comerciais, mas a aceitação de que uma "China comunista" e independente era uma realidade nova, mas permanente.
Mesmo com o processo de normalização das relações com Cuba, a Casa Branca planeja continuar a financiar programas de "promoção da democracia" no país – assim como em muitos outros na região.
A explicação sobre o que a Casa Branca – ou quem quer que os tenha influenciado – espera destas sanções é menos óbvia. Durante a presidência de Obama, tem havido desacordo sobre a política do país para a América Latina entre diversos setores do governo. Por exemplo, quando o presidente Obama quis restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela em 2010, foi sabotado por congressistas da direita e, provavelmente, os aliados destes no Departamento de Estado. Em meados do ano passado, o governo deu um passo em direção ao estabelecimento de plenas relações diplomáticas com a Venezuela ao receber um adido comercial da embaixada venezuelana – um degrau abaixo do embaixador. O encontro também foi recebido com alguma resistência e tentativas da direita de prejudicar as relações, a fim de dinamitar o progresso natural em direção às plenas relações diplomáticas.
É sob esta luz que devem ser analisadas tanto as últimas sanções como aquelas aprovadas em dezembro. Elas representam a vitória da facção política que quer impedir a normalização das relações diplomáticas com a Venezuela. Embora a opinião mais audível deste setor venha da extrema direita do Congresso – como Marco Rubio no Senado ou Ed Royce na Câmara dos Deputados – há importantes aliados dentro do próprio governo, em lugares como o Departamento de Estado e o Pentágono. O apoio de Washington ao golpe militar de 2009 em Honduras foi, talvez, o mais importante dos muitos exemplos desta força, pois não resultou de pressão da direita no Congresso, tendo vindo, ao contrário, de dentro da administração Obama.
Estes setores jogam um jogo de longo prazo, e parecem dispostos a sacrificar algum capital político (em Caracas bem como Washington), a fim de tentar deslegitimar o governo da Venezuela. Assim como boa parte da oposição local, não estão comprometidos com a via eleitoral do poder. Embora a Venezuela esteja enfrentando problemas econômicos agora, ninguém sabe quando os preços do petróleo irão se recuperar, ou quando o governo poderá corrigir seus mais importantes problemas econômicos. Mesmo que a oposição ganhasse a maioria nas eleições legislativas nacionais, em dezembro, isto não daria a ela o controle do governo, da mesma forma que o controle atual do Congresso pelos republicanos nos EUA não os permite controlar o governo americano. Por isso, a linha dura quer agir agora, na esperança de fazer avançar sua estratégia de "mudança de regime".
Os governos latino-americanos compreenderam esta estratégia, vista como uma grave ameaça à democracia na região; daí a resposta rápida e a feroz oposição às sanções. Assim como os republicanos pensaram que eram gestos inteligentes convidar o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu para discursar no Congresso americano ou enviar uma carta do Senado americano ao governo do Irã, os arquitetos desta nova política de sanções descobrirão, em breve, seus erros de cálculo.
Mark Weisbrot é economista, codiretor do Center for Economic and Policy Research, em Washington, e presidente do Just Foreign Policy.
Fonte: Carta Maior
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