Um veículo blindado russo é retratado na junção entre a rua Ritter e a rua Alexandrinen nesta foto de maio de 1945 em Berlim, na Alemanha
Na Guerra da Tríplice Aliança, o modesto Paraguai deu muito trabalho para as Forças Armadas de Brasil, Argentina e Uruguai -- com destaque para o famoso espírito guerreiro dos guaranis, apoiados por um engenheiro inglês chamado George Thompson.
Com a ajuda de um livro sobre engenharia militar, Thompson aprendeu como construir fortificações em Curupaiti e Humaitá, onde os paraguaios resistiram por muito tempo, causando uma quantidade enorme de baixas no inimigo.
Thompson escreveu um livro sobre os eventos, Guerra no Paraguai, no qual deixou claro seu desprezo pelo comandante adversário.
O Duque de Caxias, diz o inglês, invariavelmente mandava seus homens para atacar aquela parte da linha defensiva dos paraguaios que estava mais forte. Foi, segundo Thompson, um imbecil.
Pode ser que o engenheiro inglês tenha razão. Mas há uma outra explicação. Homens não faltavam a Caxias -- o seu exército era muito maior que o do Paraguai.
Perder tantos soldados não era um grande problema, uma vez que o comandante não dava muito valor à vida deles.
Uma acusação, claro, não exclui a outra. É possível ser, ao mesmo tempo, desumano e um idiota -- a mesma visão que muitos têm dos generais do Exército inglês na Primeira Guerra Mundial.
Há exatamente 100 anos, eles estavam mandando milhares para uma morte certa, no conflito em que a obediência e a velha hierarquia encontraram a metralhadora moderna.
Esse Exército britânico ganhou o apelido de "leões comandados por burros". Mas nos últimos anos uma nova escola de historiadores surgiu para argumentar que os generais não eram tão estúpidos assim.
No entanto, contra a acusação de desumanidade não há defesa. O marechal britânico Douglas Haig, por exemplo, registrou várias vezes em suas anotações que a morte de 10 mil ou até mais soldados era uma coisa "muito pequena".
Já o lorde Kitchener criticou um general por ter usado um excesso de munição, em vez de homens. Para ele, soldados poderiam ser substituídos com muito mais facilidade do que as armas de artilharia.
A matança acabou no dia 11 de novembro de 1918. Nos anos seguintes, a data foi comemorada com festas. Depois, quando se deu conta como uma geração havia sido perdida, instaurou-se um clima de luto.
E desde então criou-se o hábito de, nesta época do ano, as pessoas usarem broches de flores de papoulas em plástico para celebrar a data. Isso porque as batalhas mais sangrentas aconteceram numa região da Bélgica cheia de campos dessas flores vermelhas.
Quando eu morava na Inglaterra, até 1994, o ato de usar a papoula era opcional. Mas depois disso, com a ascendência de ideais direitistas, isso parece ter virado uma obrigação.
Na histeria da imprensa popular, tem-se hoje em dia uma "patrulha patriótica", que interpreta qualquer ausência de uma flor vermelha como falta de respeito.
Confesso que não consigo entender, e fico até assustado com isso. Acredito que é preciso ficar muito claro o que está sendo lembrado ou comemorado.
Da geração que viveu a Primeira Guerra Mundial, não sobrou mais ninguém. Da Segunda, há alguns veteranos vivos.
Os motivos, os certos e os errados, da Primeira Guerra ainda são alvo de debates. Já na Segunda Guerra, não há debate. Fica claro que o adversário nazista foi um monstro, uma combinação de ciência moderna com obscurantismo medieval que formou a encarnação do mal.
Anos dourados
A luta contra Hitler, e tudo que representava, é obviamente um sacrifício que deve ser lembrado e comemorado. Mas essa geração não somente lutou contra. Lutou também a favor -- em prol de um mundo mais justo.
O prêmio veio depois, com o estabelecimento de um Estado de bem-estar social; um sistema de saúde gratuito, moradia decente com aluguel barato, seguro-desemprego, educação até faculdade de graça -- um pacote que permitiu os anos dourados da história.
Nos últimos anos, essas conquistas têm sido ameaçadas por uma ideologia neoliberal que sabe o preço de tudo e o valor do nada, com a mentalidade de "público é ruim, particular é bom".
E na sua face mais populista e demagoga, a mesma corrente de opinião exige uma papoula em respeito pelo sacrifício dos soldados enquanto procura retirar os frutos desse mesmo sacrifício.
Assim o respeito é mais artificial do que a papoula de plástico. Há aí uma hipocrisia grotesca - o heroísmo dos leões a serviço dos burros.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela
Universidade de Warwick.
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