Por Lilian Milena, do Jornal GGN
A resposta que o governador Geraldo Alckmin tem dado às manifestações e ocupações de secundaristas contra o fechamento de escolas no estado e, mais recentemente, contra a PEC da Maldade (241/2016) é preocupante e revela, mais uma vez, a fragilidade da democracia no país.
Por outro lado, aponta para a capacidade de mobilização e força desses jovens, algo inesperado para os cabeças de planilha, lotados na administração pública e distantes dos reais anseios da população que é a democracia participativa. Alckmin comprovou estar distante dessa nova política, não apenas ao propor seu programa de reorganização escolar, sem antes dialogar diretamente com estudantes, professores e mães e pais de alunos, mas pela forma como vem utilizando agentes da Segurança Pública do Estado para perseguir, coagir e até espancar estudantes.
Não parecia que a gestão Alckmin chegaria a esse ponto, ao revogar, em dezembro de 2015, o decreto que propunha a reorganização escolar. Mas a atitude do governador foi um engodo. O fechamento de escolas e salas de aula está em andamento, como você verá nos números apresentados ao final desta matéria e, pior ainda, jovens ligados diretamente às manifestações estão sendo perseguidos e sofrendo abusos físicos.
O volume de casos é tão expressivo que levou o Comitê de Mães e Pais em Luta, criado para defender os filhos secundaristas, a preparar um dossiê com relatos dos casos de violência que foi entregue ao Ministério Público de São Paulo e também à Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O documento, assinado por diversas entidades, dentre elas o Núcleo de Direitos Humanos e o Núcleo de Situação Carcerária, ambos da Defensoria Pública, foi aceito por esse último órgão, levando à realização de uma audiência em abril deste ano em Washington, Estados Unidos. A sessão contou com a presença de representantes de estudantes, do Comitê de Mães e Pais em Luta e também do procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos, que fez o seu papel de defender o governo Alckmin.
A polícia paulistana é acusada de carregar uma lista com fotos e nomes de secundaristas e apoiadores do movimento. Ao ser abordado, o jovem é obrigado a reconhecer os colegas apresentados nas imagens. Quem não consegue, é espancado. Apesar da denúncia internacional, em abril, as perseguições não cessaram, pelo contrário, se tornaram mais frequente e violentas, segundo fontes ouvidas pelo jornal GGN.
Um dos casos recentes mais graves, e que até já foi veiculado na imprensa independente, é de um estudante de Paraisópolis, pego dentro de uma estação da CPTM e levado até uma pequena sala com dois policiais, sem identificação, que o interrogaram apresentando fotos de outros estudantes que o jovem precisava reconhecer dando nomes e endereços. Como o rapaz, de apenas 16 anos, se recusou a passar informações, foi brutalmente espancado até perder a consciência.
Seu corpo, ainda com vida, foi encontrado há quilômetros de distância, por volta das quatro e meia da manhã, na Estrada de Itapecerica da Serra, por uma taxista que o levou ao hospital. Há notícias de que o jovem teria perdido 75% da visão, porém o GGN apurou que ele está recuperado, pelo menos fisicamente.
O segundo caso mais recente, ocorreu há cerca de uma semana. Um adolescente do bairro da Liberdade ficou desaparecido, após ter sido abordado e levado pela PM. A família conseguiu encontra-lo oito dias depois, na casa de conhecidos. O jovem estava escondido, traumatizado pela tortura e decidiu se afastar, durante algum tempo, com medo que a perseguição se estendesse aos familiares.
Segundo a professora Luciana Pereira, ligada aos secundaristas, as primeiras perseguições começaram envolvendo jovens detidos nas manifestações. "Depois de passarem pelo DP, eles são seguidos dentro de metrôs ou no caminho de casa para a escola". A polícia também trabalha com uma espécie de book, com fotos de jovens e apoiadores do movimento.
A maioria das imagens utilizadas pela PM nas abordagens são de câmeras de segurança pública da região da Av. Paulista e das linhas do Metrô e CPTM, apontando para a participação de outras estruturas de segurança do governo do Estado na estratégia de perseguição.
O GGN conversou com uma das meninas que aparecem na lista que a PM carrega. A estudante de 16 anos, do Fernão Dias, conta que as perseguições são frequentes.
"Às vezes recebemos ligações de desconhecidos avisando para não irmos para protestos, também [somos] seguidos no caminho de casa para a escola e da escola para casa, dentro do transporte público por pessoas estranhas. Fora viaturas rondando o colégio e onde a gente mora".
Há também relatos de dois jovens que, retornando de manifestações, foram abordados por policiais que os obrigaram a segurar uma bomba de efeito moral nas mãos enquanto um PM ameaçava tirar o pino. "Os policiais ainda falavam que se deixasse cair no chão, iam apanhar até morrer".
A coerção contra os estudantes não para apenas na ação policial. Há registros de diretores que permitem a entrada de PMs nos pátios e nas salas de aula, numa alusão clara aos anos de ditadura militar. Professores aliciados pelo Estado também estariam perseguindo secundaristas envolvidos nas ocupações, reduzindo notas e, em casos em que todas as notas dos alunos são boas, reprovando-os por falta.
O filho da professora Luciana é um desses casos. "Ele não tinha nenhuma nota vermelha, já tinha sido aprovado quando eles resolveram, de forma ridícula, reprovar, porque a ficha dele está com um corretivo, onde escreveram por cima 'detido'. Por saber um pouquinho das leis eu consegui recorrer".
O Comitê também tem registrado o aumento de processos administrativos contra professores que apoiam as ocupações. Luciana conta, por exemplo, que a própria Dirigente de Ensino da sua região, chegou a ligar para pais de alunos seus pedindo para processarem ela por aliciamento de menor. "Só que eu tive sorte nesse sentido, porque os pais participavam das nossas reuniões [de ocupação]".
Reorganização silenciosa
Pesquisas apontam que o fechamento de escolas está em andamento. Uma delas, realizada parcialmente pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), e apresentada em julho desde ano, aponta que mais de 5 mil classes foram fechadas entre 2015 e 2016, cerca de 270 mil estudantes ficaram de fora da escola e as classes oferecidas pela rede pública estadual continuavam superlotadas.
Já um outro levantamento, realizado pela Rede Escola Pública e Universidade, mostra que, só em 2015, Geraldo Alckmin fechou 2.800 salas, mesmo tendo recebido, em 2016, cerca de 70 mil matrículas a mais do que no ano passado. Esses dados foram obtidos pela comparação do número de alunos, turmas e escolas que cada ciclo de ensino ofereceu em 2015 e 2016, conseguidos junto à Secretaria Estadual de Educação de São Paulo somente após os pesquisadores recorrerem à Lei de Acesso à Informação.
A Rede Escola Pública e Universidade foi criada em 2015, a partir do movimento de ocupações, por professores e pesquisadores da USP, Unicamp, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia São Paulo (IFSP). O grupo promete divulgar, até o final de novembro, um mapa com o total de escolas e salas de aula fechadas pelo governo estadual.
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