segunda-feira, 6 de julho de 2015

BRASIL: RESISTE IZIDORA, 30 MIL AMEAÇADOS DE DESPEJO EM BH


A zona da mata do Izidoro, na zona norte de BH, abriga as três ocupações que, juntas, ganharam o nome de Izidora

A intransigência da Prefeitura e de uma construtora podem causar uma mega-desocupação e a destruição de centenas de casas; área é 7 vezes maior que o Pinheirinho

Em meio a um enredo que envolve Prefeitura, governo do estado, governo federal e iniciativa privada, Belo Horizonte hoje é palco de um dos maiores conflitos territoriais urbanos do Brasil: cerca de 30 mil pessoas podem ser despejadas e ter suas casas destruídas. A reintegração de posse, pedida pela Prefeitura e autorizada pela Justiça Mineira, está suspensa por decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) expedida no dia 29 de junho (segunda-feira). A decisão judicial não é definitiva. Se a liminar for derrubada no STJ, a desocupação pode ocorrer a qualquer momento.

Batizada de Izidora, a ocupação mineira é formada por 3 vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória) e tem cerca de 20 mil pessoas a mais que a paulista, quase todas morando em casas de alvenaria.

A enorme área da Mata do Izidoro, na região norte da capital mineira, é sete vezes maior do que o terreno onde ficava Pinheirinho, a ocupação em São José dos Campos, interior de São Paulo, desocupada em 2012 em uma ação violenta da Polícia Militar. O Pinheirinho tem 1,3 milhão de metros quadrados e Izidoro, 9,5 milhões. Na ocupação mineira há ainda cerca de 20 mil moradores a mais.

O prefeito Márcio Lacerda, do PSB, pretende construir na área 13 mil apartamentos populares com verba do Programa Minha Casa Minha Vida –a maioria tem dois quartos e 43 m². As obras ficariam a cargo da Direcional Engenharia e a família Werneck, antiga proprietária do terreno, receberia dividendos da construtora.

No caminho do empreendimento imobiliário encontra-se, porém, gente como a assistente de pedreiro Silvana Vitória da Silva. Sem emprego fixo, ela ganha aproximadamente um salário mínimo por mês e viu na ocupação uma saída para fugir do aluguel. “A gente conhece todo mundo. Criei uma nova família e não quero deixá-la.”

Depois de quase um ano de negociações tensas e ao cabo malsucedidas entre a prefeitura, os moradores e a construtora, com intermediação do governo estadual, o pedido de reintegração de posse chegou às mãos da Polícia Militar no dia 18. Na iminência de verem suas casas destruídas, os moradores recorreram ao governador Fernando Pimentel. 

Tentam estimular a gestão petista a repetir um gesto de Itamar Franco, que durante seu governo, entre 1999 e 2002, impediu a PM de realizar despejos de populações pobres. Parece pouco provável. “Aceitar a proposta do movimento, que é manter e urbanizar a ocupação, não depende do governo do estado. Para ocorrer alguma mudança, a prefeitura e o empreendedor têm de ceder”, afirma Claudius Vinicius Leite Pereira, presidente da companhia estadual de habitação e um dos mediadores na negociação.

Segundo um dos coordenadores do Movimento Resiste Izidoro, Leonardo Péricles, a prefeitura é a responsável pela situação e nunca se mostrou disposta a negociar. “Eles fazem campanha contra as ocupações, criminalizam o movimento.”

Por meio da assessoria de imprensa, a prefeitura informa ter encerrado as negociações e não pretende retirar o pedido de reintegração de posse. Para Lacerda, as ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória são coordenadas por grupos políticos radicais que defendem uma moradia conquistada “na marra”. “Eles estão orientados por pessoas equivocadas, de profissões religiosas, de gente da universidade e eu acho que o governo do estado está no caminho certo ao cumprir a reintegração de posse.”

Por enquanto, a única proposta concreta na mesa é realocar as famílias nos prédios a serem construídos na região. A ideia seria remanejar os moradores da Ocupação Vitória para a área onde está instalada a Esperança, o que permitiria executar a primeira etapa das obras. Durante o período entre a desocupação e a construção do empreendimento, os moradores construiriam moradias temporárias subsidiadas pelo governo estadual.

As famílias se opõem. A comunidade, afirma Péricles, está consolidada e aceitar um apartamento do programa seria um retrocesso. “O Estatuto das Cidades prevê a realocação para locais com estrutura igual ou superior às instaladas anteriormente, e não é isso o que vai acontecer. Além disso, alguns moradores não se encaixam no perfil do programa. É o caso de quem mora sozinho. Queremos contemplar a todos.”

Em nota, a Direcional Engenharia afirmou que a estrutura para onde as famílias seriam levadas é infinitamente superior àquela das atuais ocupações. “Teremos lá toda a infraestrutura necessária, como abastecimento de água e esgoto, implantação de sistema de drenagem, de energização e iluminação pública e privativa, além dos equipamentos comunitários, como escolas, postos de saúde e áreas de lazer.”

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o urbanista Roberto Andrés critica a remoção. “São 8 mil famílias que em sua maioria não têm para onde ir e vão lutar para permanecer no local. É uma verdadeira tragédia social, que o prefeito parece ignorar, com conivência do governo estadual e da Justiça.”

As famílias prepararam-se para o conflito. Os moradores estabeleceram um esquema de vigília de 24 horas, para evitar serem pegos de surpresa pela polícia. Organizações sociais e líderes do movimento montaram acampamento no local e organizam a arrecadação de mantimentos e roupas.

As ameaças de despejo não são recentes. No ano passado, a PM chegou a montar uma operação. Um helicóptero despejou folhetos na ocupação com instruções para a saída dos moradores. A ação acabou suspensa, talvez por se tratar de período eleitoral. Uma tragédia, com mortos e feridos, afetaria as pretensões dos tucanos Antonio Anastasia, então governador, e Aécio Neves, presidenciável. O cenário agora é outro.

(colaborou Victor Diniz)

Moradores e apoiadores da ocupação fazem ato no último dia primeiro, na ocupação


Fonte: Carta Capital

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