quarta-feira, 8 de julho de 2015

BRASIL: VEREADORES DE CAMPINAS APROVAM "EMENDA DA OPRESSÃO"


Por Valério Paiva

Obscurantismo, retrocesso, machismo, racismo, homofobia e integralismo. Essas palavras podem sintetizar a forma como os vereadores da Câmara Municipal de Campinas trataram nos últimos meses a discussão da “emenda da opressão”, nome popular da proposta de emenda à Lei Orgânica Municipal 145/15, de autoria do vereador Campos Filho (DEM), que proíbe o debate de gênero e orientação sexual nos currículos das escolas municipais e proíbe medidas legislativas que tenham no seu conteúdo sobre o tema. Um dos maiores retrocessos nas políticas públicas da cidade, a emenda foi encampada por quase toda base aliada do prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), com apoio de setores reacionários da Igreja Católica, em especial a Renovação Carismática, Opus Dei e TFP, com o apoio de grupos evangélicos e de defensores do fim da democracia os integralistas.

No último dia 29/06 a emenda da opressão foi aprovada em primeiro turno numa sessão tumultuada e com agressões contra a população presente. Se aprovada em segundo turno a proposta de emenda 145/15 pode acabar com a autonomia dos educadores na sala de aula, legalizar a opressão e a intolerância contra as mulheres e a população LGBT, e ainda por cima proibir os próximos vereadores de legislar sobre o assunto. Um processo que ocorre de forma articulada em dezenas de outras cidades do País aproveitando-se da tramitação dos planos municipais e estaduais de educação.

PNE

A partir da tramitação do Plano Nacional de Educação em 2014, por meio da pressão entre a bancada conservadora e os interesses pragmáticos dos partidos fisiológicos, o Congresso Nacional vetou os artigos que tratavam das questões de gênero e orientação sexual. O texto vetado colocava como meta “a superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. O PNE aprovado não faz nenhuma menção às duas últimas questões, delegando para estados e municípios a decisão de incluir ou não em seus planos iniciativas que tratem de igualdade, identidade de gênero e sobre a orientação sexual e sexualidade.

Ao longo dos últimos meses uma enorme confusão foi criada por setores religiosos conservadores a partir da desinformação. Uma propaganda sistemática contra a denominada “ideologia de gênero”, passou a ser agitada em igrejas e associações de bairro dizendo que a discussão de gênero e orientação sexual seria uma ameaça à família tradicional. O obscuro Observatório Interamericano de Biopolítica, instituição até pouco tempo desconhecida fundada por membros da Renovação Carismática, passou a ser usada como referência para combater essa suposta ameaça. Esse observatório é presidido pelo assessor parlamentar Felipe Nery Martins Neto, lotado no gabinete do deputado estadual paulista Reinaldo Alguz (PV) e também membro da Renovação Carismática.

O que eles chamam “ideologia de gênero” é uma denominação pejorativa para um amplo e rico debate que tem sido construído por movimentos que lutam contra a opressão de gênero e que foi incorporado ao longo dos anos pela ciência e pelas políticas públicas no Brasil. O veto ao debate de gênero nas escolas reforça o machismo na medida que não permite o combate a ele. Mais que isso, o veto se apresenta como neutro, como se não estivesse em si contribuindo para a dominação de gênero, para a predominância do machismo. “Aprovada essa emenda, a cidade de Campinas, seja no Legislativo, seja nos espaços como conferências municipais, estariam proibidas de discutir esses temas, e sobretudo o que envolve a igualdade de gênero”, denunciou o vereador da oposição Paulo Búfalo (PSol).

Apoio dos conservadores

Membro da Renovação Carismática e eleito com campanha em igrejas e apoiado por grupos conservadores, Campos Filho costuma se apresentar como ex-narrador esportivo da TV Globo – ele trabalhou na década de 80 na afiliada EPTV, em Campinas. Membro da base aliada do prefeito e presidente da Câmara até o final de 2014, Campos é o principal responsável pelo processo de criminalização de centenas de manifestantes que protestavam no Legislativo municipal em agosto de 2013 contra o aumento abusivo dos transportes. Junto com a apresentação do projeto de emenda, Campos Filho é apontado como um dos responsáveis por uma cartilha apócrifa que alertava para os riscos da chamada ideologia de gênero que foi distribuída em igrejas e escolas.

O lobby dos grupos conservadores garantiu que a Comissão Especial de Estudos para analisar a ideologia de gênero no Plano Municipal de Educação não fosse neutro. O presidente da comissão foi o vereador Jorge Schneider (PTB) e teve como auxiliar o pastor evangélico Jeziel Silva (PP). Membro da maçonaria, Jorge Schneider gritou para um grupo de militantes LGBT: “Isso, virem de costas, essa é a especialidade de vocês. Querem esculhambar a nossa cidade? Nós não vamos aceitar que uma minoria tenha voz. Amanhã vão dizer que galo e galinha não existem mais, vaca e boi não existem mais”.

Campos Filho declara que seu projeto foi baseado num suposto pedido de educadores e pais.“Nosso objetivo é proteger as crianças. Nós não queremos que se faça apologia a ideologia de gênero. A família educa e a escola escolariza”. No entanto, diversos educadores e juristas divergem de Campos Filho e avaliam que o projeto reforça o machismo dentro das escolas e a violência de gênero, além de ser um mecanismo de censura que contraria a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais e de significar o retrocesso em políticas públicas já consolidadas, como por exemplo a existência de um Centro de Referência LGBT na cidade e Lei Municipal 9.809/98 (que regulamenta a atuação da municipalidade a coibir qualquer discriminação, seja por origem, raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, estado civil, condição econômica, filosofia ou convicção política, religião, deficiência física, imunológica, sensorial ou mental). “A violência de gênero é uma realidade trágica no Brasil e o debate de gênero nas escolas é fundamental para reverter esse quadro. A proibição desse debate nos currículos escolares e em políticas públicas legitima e reforça a violência machista. Longe de ser uma ameaça às famílias, a luta contra o machismo visa promover a diversidade na família e a construção de uma família sem violência”, afirma Mariana Conti, membro do Coletivo Feminista Rosa Lilás e uma das lideranças do movimento.

Apesar de ser encampado pela base aliada do prefeito Jonas Donizette, o projeto enfrentou uma série de protestos convocados por educadores, militantes feministas e LGBTs e servidores municipais que estavam em greve, o que forçou a Câmara a realizar uma audiência pública para debater o tema no dia 01/06. Enquanto a posição de veto ao projeto foi defendida por educadores e militantes de direitos humanos, os vereadores defensores da emenda chamaram para participar uma representante do Observatório Interamericano de Biopolítica e o juiz Fábio Henrique de Toledo, membro da Opus Dei. Ademais, a segunda audiência pública prevista inicialmente foi cancelada pelos vereadores sem maiores explicações.

Nas sessões seguintes o preconceito e a intolerância de boa parte dos vereadores de Campinas ficou ainda mais evidente. O vereador Cid Ferreira, do Solidariedade, apontou para militantes LGBTs e declarou que “Deus está aqui (ao lado dos vereadores) e o diabo está lá (ao lado dos manifestantes contrários ao projeto). Nós vamos para o céu (vereadores) e vocês para o Inferno (manifestantes)”. Em seguida entrou em conflito com o Fernando Moraes, do coletivo Raízes da Liberdade, e afirmou que o manifestante “era feio” por ser negro, enquanto o vereador se declarou “bonito por ter olhos azuis”. Diversas entidades do movimento negro estão entrando com uma representação no Ministério Público contra este vereador por racismo, que para interlocutores se defende dizendo que é vítima de “racismo ao contrário”.

Nesse contexto, o Plano Municipal de Educação, aprovado pela Câmara dos Vereadores em junho desse ano, já incorpora a censura prevista pelo projeto de lei 145/15. Sendo que o mesmo foi apresentado à Câmara pelo prefeito Jonas Donizette já modificado em relação ao que foi decidido pela sociedade civil na Conferência Municipal de Educação. Ao contrário do que os delegados decidiram, o Plano aprovado não menciona gênero e orientação sexual. Curiosamente, o plano aprovado também não respeita a decisão da sociedade civil em reverter o processo de privatização da educação infantil na cidade e ampliar a educação pública de gestão direta. Hoje parte da educação infantil de Campinas já é privatizada, sendo gerida por Organizações Sociais (OSs). Algumas dessas OSs contratadas pela prefeitura pertencem à entidades religiosas.

Agressões

A sessão que aprovou a emenda da opressão foi o ápice desse processo truculento e antidemocrático que os vereadores de Campinas impuseram contra a população. Uma claque de defensores do projeto foi arregimentada em algumas igrejas da cidade, estas vinculadas à Renovação Carismática. Parte veio junto com o agitador profissional Rodrigo Pavane, uma figura controversa conhecido por organizar protestos e agressões contra vereadores de oposição de diversas câmaras municipais da região e movimentos sociais. Outro grupo era ligado ao Movimento Integralista Linearista Brasileiro. Mesmo assim, centenas de manifestantes contra a emenda compareceram à Casa para protestar.

Com o controle da maioria dos vereadores pela base aliada do prefeito Jonas, já era previsível a vitória da emenda se não houvesse pressão popular. Mesmo com reforço da Guarda Municipal, durante os debates Rodrigo Pavane pegou uma bandeira de um dos grupos participantes do protesto e a rasgou. Com a confusão armada, ele chegou a gritar para agredirem quem estavam próximo a ele. Em seguida o integralista Cássio Guilherme Reis da Silveira desferiu dois socos contra a professora Carolina Figueiredo, membro do PSol. A agressão foi feita na frente da Guarda Municipal, que nada fez para impedir e foi registrada por um cinegrafista da TV Movimento. Apesar da pressão dos manifestantes presentes, a Guarda Municipal deteve Rodrigo Pavane, mas escoltou Cassio Guilherme para fora da Câmara em liberdade. “A posição da Guarda Municipal foi lamentável. Eles se omitiram em relação à agressão, um crime cometido na frente deles. E blindaram o agressor para que ele saísse pela porta dos fundos da Câmara, sem que houvesse mais nenhuma responsabilização”, declarou Carolina. Posteriormente ela recebeu ameaças de Cássio via redes sociais. Além do boletim de ocorrência por agressão, também foi aberto outro registro de ameaça.

Apesar das agressões contra a população, o presidente da Câmara, vereador Rafael Zimbaldi, não interrompeu a sessão e prosseguiu com a votação, apesar dos protestos dos vereadores da oposição. O projeto de lei acabou sendo aprovado por 25 votos contra cinco. Os votos contrários foram de Paulo Búfalo (PSol), Pedro Tourinho, Angelo Barreto e Carlão (PT) e Gustavo Petta (PCdoB) – membro da base aliada. Os vereadores Artur Orsi (PSDB), Carmo Luiz (PSC) e Thiago Ferrari (PTB) não compareceram. O projeto deve ser votado em segundo turno em agosto, apesar das análises de juristas sobre a inconstitucionalidade. “O fato da sessão ter continuado tranquilamente é uma prova que essa emenda vem para legitimar e naturalizar a violência contra a mulher”, desabafou Carolina. Questionado se tinha vergonha de seu projeto ter recebido o apoio de integralistas, Campos Filho foi enfático: “Não, esse momento é de agregar”.

Maçom, assim como o vereador Jorge Schneider, o integralista Cássio Guilherme é agente da Polícia Federal em Campinas e autointitulado presidente do Movimento Integralista Linearista Brasileiro. Passou toda a sessão segurando bandeiras e faixas integralistas e ameaçando agredir os manifestantes. Muito antes da agressão, Cássio declarava defender o legado da Ação Integralista Brasileira e de seu mentor, Plínio Salgado. “Nós propomos uma mudança completa do sistema político brasileiro para acabar com os partidos e com essa representatividade. Plínio Salgado foi um dos maiores políticos do Brasil”. Ao comentar sobre o projeto contra a ideologia de gênero, Cássio Guilherme era enfático: “Esse projeto quer implantar nas escolas uma diferenciação entre as pessoas e deturpar o que é a família. A escola é local de aprender matemática, física e português, e não lugar de aprender promiscuidade e depravação”. Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação da Polícia Federal em Campinas confirmou que Cássio Guilherme é agente da corporação. Posteriormente o órgão informou que abriu um processo administrativo disciplinar. Em 2012 Cássio Guilherme foi condenado a quatro anos de prisão por peculato e recorre em liberdade.

Em Campinas e em outras cidades, uma série de iniciativas de grupos reacionários e parlamentares fisiológicos estão levando à aprovação um conjunto de medidas que impõe enormes retrocessos em termos de direitos humanos. Um processo combinado, nas quais as bancadas conservadoras fazem negócios com outros grupos em troca de aprovar seus projetos. Medidas de cunho moralista e criminalizador são aprovados em troca do apoio à retirada de direitos sociais e a privatização do serviço público. Nesse jogo quem sai perdendo é toda a população brasileira, mas em especial as mulheres, negras, negros e LGBTs.


Fonte: Caros Amigos

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