segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O RESTAURANTE QUE SÓ VENDE COMIDA DE PAÍSES EM CONFLITO COM OS EUA


Restaurante dedicado a culinária de países em conflito com EUA já abordou Cuba, Irã, Venezuela, Afeganistão e Coreia do Norte. Edição palestina foi a que causou mais polêmica. Objetivo não é apenas apresentar sabores exóticos, mas promover o diálogo sobre a política externa americana e os interesses nacionais

Na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, um pequeno quiosque que vende comida para viagem está chamando a atenção do país. Sua atração é um menu rotativo baseado na culinária dos países com os quais os Estados Unidos está em algum tipo de conflito.

Nos quatro anos e meio desde que o restaurante Conflict Kitchen abriu, ele já teve menus de comida afegã, norte-coreana, cubana, iraniana e venezuelana. O objetivo não é apenas introduzir sabores exóticos no cardápio da cidade, mas promover o diálogo sobre a política externa norte-americana e os interesses nacionais.

“Precisamos formar nossas próprias opiniões, admitir nossa própria ignorância, fazer perguntas”, diz Dawn Weleski, artista e uma das fundadoras do restaurante.

As embalagens de papel, a comida e os eventos que acompanham o cardápio do Conflict Kitchen são projetados para incentivar os clientes a refletir sobre questões geopolíticas e culturais. Questões que muitos conhecem apenas através das reportagens e agendas políticas polarizadas da grande mídia norte-americana.

No entanto, em outubro de 2014, quando o Conflict Kitchen anunciou seu novo menu, o restaurante atraiu mais do que clientes curiosos e dispostos a participar do diálogo. A homenagem à culinária palestina fez com que organizações judaicas, meios de comunicação e até um dos financiadores criticassem o restaurante. As embalagens e os eventos promovidos pelo Conflict Kitchen foram considerados “anti-Israel”, “antissemitas” e “parciais”.

Weleski diz que a equipe do Conflict Kitchen imaginou que as pessoas ficariam “agitadas” com o menu palestino. Apesar da controvérsia, ou talvez por causa dela, o cardápio atual é a rodada mais popular do restaurante até hoje. Chegou-se a uma média de 400 clientes por dia, ávidos para experimentar os pratos palestinos nas mesas e cadeiras de metal montadas no Parque Schenley, no leste da cidade.

Eles interpretam a popularidade como uma reação positiva, um sinal de que as pessoas estão curiosas e querem saber mais sobre a Palestina e seu povo. “A Palestina é um assunto delicado, provavelmente o conflito mais delicado no momento, pelo menos dentre os que ganham a atenção da mídia”, comenta Weleski. “Não é questão de estar de um lado ou de outro, mas de tentar compreender a vida dos palestinos”.

No fim de outubro, a B’nai B’rith International, organização judaica mais antiga do mundo, entrou em contato com a fundação filantrópica Heinz Endowments para que ela “retirasse” o financiamento de 50 mil dólares [cerca de 130 mil reais] fornecido ao Conflict Kitchen em 2013.

Em resposta, Grant Oliphant, o presidente da Heinz Endowments – cujo conselho é presidido por Teresa Heinz-Kerry, esposa de John Kerry, secretário de Estado dos EUA – respondeu em carta que o dinheiro concedido não foi direcionado para o menu palestino. “Nós não financiaríamos um programa assim, precisamente porque parece ir contra nossa missão de promover o entendimento”, escreveu Oliphant.


“O foco do Conflict Kitchen em países que estão em conflito com os EUA é louvável, mas a Palestina não está em conflito com nosso país”, afirmou Gregg Roman, diretor do Conselho de Relações com a Comunidade da Federação Judaica de Pittsburgh.

Weleski aponta que os fatores que constituem um conflito “não são tão claros e transparentes”. “Quais são os interesses nacionais dos Estados Unidos? E qual é a definição de ‘conflito’?”, questiona. “Não é tão simples quanto um conflito armado ou um embargo econômico.”

“O apoio dos Estados Unidos à Palestina de 2006 até hoje consiste numa assistência muito irregular, enquanto a assistência financeira a Israel é de três bilhões de dólares ao ano, consistentemente, sem nenhuma contrapartida. A maior parte disso segue para o setor militar do país.”

Apesar do alarido dentro das comunidades judaicas e israelenses de Pittsburgh e de outros lugares, muitos de seus membros deixaram claro que organizações como a Federação Judaica de Pittsburgh não os representam.

Uma petição denunciando a tentativa da Federação em sufocar as vozes palestinas promovidas pelo Conflict Kitchen recebeu quase 2.200 assinaturas. Naftali Kaminski, físico e cientista israelense, juntou-se a Michael Zigmond para escrever a petição. Kaminski, que viveu em Pittsburgh por mais de dez anos, disse que os israelenses da cidade “estavam irritados com a Federação” e com suas atitudes autoritárias. A comunidade israelense de Pittsburgh é diversa, diz ele, e é “ofensivo” que a Federação tente falar em nome de toda a comunidade.

Ele também comentou que a Federação Judaica tem dificultado o diálogo sobre Israel, especialmente quando as ações do governo são questionadas. “Para muitos”, a campanha da organização contra o Conflict Kitchen “foi apenas mais uma confirmação de que, quando se trata da subjugação da vida e da terra palestina por Israel, a Federação Judaica muitas vezes representa o governo de Benjamin Netanyahu, e não a comunidade judaica de Pittsburgh”, escreveu Kaminski em artigo publicado em um jornal da cidade.

“A Federação e a organização B’nai B’rith afirmam que o material divulgado passa uma impressão negativa de Israel. Devo concordar. Mas o problema não é que o material é ‘anti-Israel’. O problema é que Israel está cometendo atrocidades. A Federação não está se opondo ao Conflict Kitchen, está se opondo à realidade”, escreveu Ella Mason, da organização Jewish Voice for Peace [Voz Judaica pela Paz].

“Sempre que se fala sobre esta questão, há repercussão de parte da comunidade sionista, que não quer que a comunidade palestina se expresse”, comentou Omar Abu Hejleh, porta-voz do Comitê de Solidariedade Palestina de Pittsburgh.

Ele apontou que a programação do Conflict Kitchen inclui vários fóruns públicos onde todas as vozes podem se expressar. “Pessoas com a perspectiva sionista podem se apresentar e mostrar suas ideias, mas elas não aparecem”, afirmou, comentando que é difícil para Israel “se defender frente aos 80 anos de investida contra a Palestina”.

“Nós não podemos representar toda a comida palestina nem toda a perspectiva palestina”, diz Weleski. “Este é um gostinho, é um início de conversa, para deixar as pessoas interessadas.”

Assim como a culinária de qualquer outro país ou cultura, pode ser difícil identificar exatamente qual é a cozinha palestina. Hejleh diz que, mesmo tendo vivido na Cisjordânia, ele não reconheceu alguns dos pratos no menu do Conflict Kitchen. Mas do maftoul, uma sopa de frango com grão de bico e cuscuz palestino, ele se lembra bem.

“Minha avó enviava a massa do cuscuz para a minha mãe porque ela não conseguia prepará-la. É uma arte perdida”, disse Hejleh, cujos pais imigraram da Palestina para os Estados Unidos no começo dos anos 1960.


O musakhan, “prato nacional” da Palestina

Robert Sayre, diretor culinário do Conflict Kitchen, contou que a maior parte do cardápio é baseada principalmente nos pratos servidos na Cisjordânia, a região que visitaram para aprender sobre a comida, conversar com os palestinos e cozinhar com eles em suas casas e restaurantes. Como é um quiosque que serve pratos para viagem, o menu também oferece comidas de rua populares, como falafel e shwarma.

“A culinária palestina representa também a região ao seu redor”, disse Sayre, explicando que três regiões representam diferentes aspectos da cozinha palestina: Gaza, Cisjordânia e Galileia. “Há pratos básicos feitos em todas essas áreas”, afirmou, explicando que também há diferenças devido às variações geográficas e aos recursos disponíveis.

A Galileia está em uma área com terreno pedregoso e alta pluviosidade, e sua cozinha possui vários pratos de arroz e diversos quibes. A comida em Gaza compartilha várias das características da culinária da região do Levante e do Mediterrâneo, mas também inclui vários frutos do mar e muita pimenta.

As fronteiras impostas por Israel têm um impacto sobre o que se come na Cisjordânia. Uma das entrevistas incluídas nas embalagens da comida servida no Conflict Kitchen diz: “Ainda que estejamos a cerca de 20 quilômetros do mar, Israel está no meio do caminho, então o povo da Cisjordânia quase não come peixe.”

Apesar de pratos como hummus, falafel e baklava aparecem em peso na cozinha palestina, eles não são necessariamente de lá. São comidas de todo o Oriente Médio e estão disponíveis praticamente em todos os lugares para onde a diáspora da região chegou. Um prato de meze, uma travessa com pastas que geralmente são numa variedade de vegetais em conserva, hummus, baba ganoush e pão, pode ser facilmente encontrado num restaurante comandado por um israelense ou um palestino.

“Estes itens em particular são comuns por todo o Levante, parte de uma continuidade geográfica”, afirma Laila El-Haddad, jornalista palestina e autora de “The Gaza Kitchen”[A Cozinha de Gaza], um livro que combina receitas, história e entrevistas com pessoas que vivem na Faixa de Gaza.

“A comida não obedece fronteiras”, diz a jornalista, explicando que pratos como hummus e shakshuka, que têm sido feitos pelo povo árabe há milênios, são muito difíceis de serem reivindicados por algum país ou cultura.

Um item no cardápio do Conflict Kitchen é descrito como o “prato nacional” da Palestina: musakhan.

“Pergunte a um palestino: ‘Qual é o prato mais comum? O que você cozinha regularmente?’”, diz El-Haddad, explicando que musakhan seria provavelmente a resposta. “É o prato que as famílias fazem no fim de semana ou quando recebem visitas.”

Na embalagem de papel, alguém entrevistado pelo Conflict Kitchen descreveu o prato: “É apenas um pedaço redondo de pão com frango, cebola e uma tonelada de sumagre. Simples, mas delicioso”.

Fonte: Mint Press News

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