O governo Dilma segue a linha dos governos anteriores: saúde não é prioridade. Desde 1995 o gasto na saúde persiste praticamente estático em 1,7% do PIB.
É preciso dizer de forma clara que o ajuste fiscal anunciado pelo governo federal, em 22 de maio de 2015, constitui mais um ataque brutal aos direitos sociais da população brasileira em geral e à saúde pública, em particular.
O governo Dilma Rousseff segue a mesma linha dos governos anteriores, principalmente a partir do governo tucano FHC, em que a saúde, o SUS, não foi considerada área prioritária no capitalismo tardio brasileiro. Isso porque, desde 1995 até 2014, o gasto com ações e serviços do Ministério da Saúde manteve-se praticamente estático em 1,7% do PIB, enquanto o pagamento de juros da dívida correspondeu, em média, a 6,5% do PIB, nesse mesmo período.
Diante da crise do sistema capitalista e seu impacto no Brasil, o governo federal busca o seu enfrentamento por meio do aumento do grau de exploração dos trabalhadores e da população em geral, diminuindo os recursos para as áreas sociais, com maior ênfase para a educação e a saúde. Esses setores são justamente os que não deveriam sofrer reduções de recursos em um momento de crise profunda do capital.
Os gastos nessas áreas devem ser entendidos como mecanismos indiretos de redistribuição de renda, isto é, com a crise, se houvesse investimento nesses setores, a população não precisaria "tirar do seu bolso" para pagar por esses direitos. Mas essa não é a visão do governo federal. Sua resposta para o enfrentamento da crise vem com a adoção de um grande corte de recursos, principalmente nas políticas sociais.
O ajuste, ao invés de promover uma diminuição no pagamento dos juros da dívida, resultou em um corte de recursos de R$ 69,9 bilhões em todo o orçamento desse ano, sendo para a saúde R$ 11, 8 bilhões a menos, isto é, diminuindo o orçamento aprovado 2015, de R$ 103,2 bilhões para R$ 91,5 bilhões, o que corresponde a uma redução de 11,3%. Nesse sentido, tal volume de recursos para o orçamento da saúde desse ano é menor que o gasto executado em 2014 que registrou R$ 91,9 bilhões.
A situação para 2015 será ainda pior que o fraco e penoso orçamento executado em 2014, que acabou por atrasar as transferências federais de dezembro a municípios, repassando-as apenas no final de janeiro deste ano.
Para se ter uma ideia do significado do ajuste fiscal na saúde, é necessário que se tenha claro a real dimensão dos itens mais gerais que compõem o orçamento do Ministério da Saúde (MS). Em 2014, o gasto com ações e serviços de saúde correspondeu a: 12,3% com pagamento de pessoal; 50,1% com o atendimento da Média e Alta Complexidade (MAC); 17,8% com a Atenção Básica (AB); 9% com medicamentos, 5,4% com Vigilância em Saúde (sanitária, epidemiológica e ambiental); 1,8% com ações de saneamento; e, 3,6% com “demais ações”.
Quando se discute redução de orçamento, na “linguagem orçamentária”, menciona-se há gastos que são incomprimíveis, isto é, não podem sofrer redução, por motivos de ordem legal, como os salários (pagamento de pessoal) e, ainda, no caso específico do SUS, como também as transferências denominadas Fundo a Fundo, isto é, do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde. Essas transferências, que incluem parte dos itens MAC, AB e Vigilância em Saúde, são calculadas a partir de limites pré-definidos no âmbito do SUS e repassadas automaticamente todo o mês. Porém, há uma parte delas que pode sofrer queda à medida que se referem a incentivos financeiros do MS, calculados a partir de projetos específicos que, principalmente, os Municípios, enviam a esse Ministério.
De forma mais clara, é possível que ocorra reduções em projetos que compõem: a) a Média e Alta Complexidade, sem incluir aqueles, obviamente, da “marca” desse governo, como os “Mais Médicos”, mas prejudicando o atendimento de exames mais complexos e serviços hospitalares de forma geral; b) o interior da Atenção Básica, que vem com muita dificuldade buscando ampliar o acesso dos cidadãos brasileiros às consultas referentes às clínicas básicas de saúde; c) as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, fundamentais, como por exemplo, as ações de combate à epidemia atual do dengue. Além disso, certamente o item medicamentos será reduzido com o corte do ajuste fiscal.
Todos os que lidam com o orçamento público em saúde sabem que esse item é passível de redução de recursos, em que pese a sua importância. Como as transferências para Estados e Municípios representam mais de 2/3 do orçamento do MS, o corte de recursos agravará a situação de asfixia financeira dos Estados, e, principalmente, dos Municípios. Na prática, não resta dúvida, que o corte de recursos para a saúde pública prejudicará a população brasileira que já sofre com o conhecido histórico desfinanciamento do SUS.
Devemos nos perguntar, a quem interessa o subfinanciamento do nosso sistema de saúde e o fortalecimento do setor privado, inclusive com a mais nova forma de participação das empresas estrangeiras (Lei nº. 13.097/2015)? Certamente, não interessa à classe que vive do trabalho.
Por fim, torna-se importante afirmar que o caráter do ajuste fiscal deveria ser totalmente outro. Um ajuste fiscal, comprometido com a valorização de políticas sociais, poderia priorizar, por exemplo, a adoção de mecanismos de tributação para a esfera financeira – responsável pela grande riqueza/fortuna nos últimos 35 anos -, por meio da criação de uma Contribuição Geral sobre as grandes movimentações financeiras, especificamente para quem movimenta mais de R$ 2 milhões mensais – vinculados à Seguridade Social. Isto seria o mesmo que defender a criação de uma Contribuição Geral sobre as grandes fortunas financeiras, com destinação para a seguridade social, consequentemente para a saúde. Contudo, esta proposta está bem distante da opção desse governo federal.
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Áquilas Mendes é professor livre-docente de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP e do programa de pós-graduação em Economia Política e do Departamento de Economia da PUC-SP.
Fonte: Carta Maior
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