Conselho Nacional de Direitos Humanos chega a Belo Monte
Publicado em ter, 02/06/2015 - 08:26
Uma comissão do Conselho Nacional de Direitos Humanos está em Altamira (PA) para verificar as violações de direitos ocorridas com a construção da hidrelétrica de Belo Monte. A comissão é ligada ao Grupo de Trabalho Atingidos por Barragens e responde a denúncia feita pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) ao Conselho.
Nesta segunda-feira (1º de junho), os conselheiros e integrantes do GT se reuniram com mais de 30 representantes de organizações e movimentos sociais da região para ouvir seus relatos sobre os principais impactos sentidos por quem atua na região. Parte do grupo também integrou a equipe de inspeção in loco organizada pelo Ministério Público Federal (MPF) para verificar a situação dos atingidos ribeirinhos.
Na reunião com as organizações locais estiveram presentes, além do MAB, sindicatos dos oleiros, carroceiros, professores, garimpeiros e trabalhadores rurais, integrantes da Prelazia do Xingu, Conselho Indígena Missionário (CIMI), Comissão de Justiça e Paz (CJP), Movimento de Mulheres Campo e Cidade (MMCC), Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS), Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), órgãos como o Conselho Tutelar e o Conselho de Segurança, entre outros.
Integrantes do GT Atingidos por Barragens do Conselho Nacional de Direitos Humanos, conselheiro Darci Frigo (Terra de Direitos) e Leandro Scalabrin (MAB) visitam ocupação urbana em Vitória do Xingu, municipio sede da hidrelétrica de Belo Monte
Algumas denúncias
Durante o dia, o grupo pôde colher algumas denúncias para iniciar seus trabalhos na região.
Brás, presidente do Sindicato dos Oleiros, denunciou que a Norte Energia, dona de Belo Monte, impôs critérios e metodologia para indenizar a categoria, uma das mais antigas em atuação em Altamira e que terá sua área de trabalho alagada com a barragem. Segundo seu relato, a empresa reconhece para indenizar apenas os proprietários das olarias, desconsiderando os trabalhadores empregados e os responsáveis pelo transporte dos materiais. Apenas 108 profissionais, de um universo de mais de 250, são reconhecidos. Após um processo de lutas, os trabalhadores passaram a ter direito a uma compensação, porém essa é tratada como “ajuda financeira” pela empresa e não como direito.
Para os carroceiros, a situação é ainda mais grave, pois sequer são reconhecidos como categoria atingida e não têm nenhum tratamento previsto no Projeto Básico Ambiental (PBA) de Belo Monte. Segundo Naldo, presidente do Sindicato dos Carroceiros, a categoria sofre com o aumento do trânsito e a diminuição da procura pelo serviço de frete. “Um trajeto que antes levava 30 minutos hoje gasta meio dia para fazer. Antes todo dia tinha pescador chegando com peixe para transportar, hoje o pescador demora mais de 15 dias para voltar com peixe. O povo do baixão (áreas alagadiças), que usava muito o serviço, também está sendo removido”, afirma. Um estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) já apontou os impactos aos carroceiros, mas mesmo com as lutas feitas pela categoria junto ao MAB, a empresa segue apresentando estudos que negam esse impacto.
O Movimento de Mulheres e o Conselho Tutelar denunciaram o aumento da violência, em especial contra mulheres e jovens, no contexto da obra. Segundo Antonia Martins, do Movimento de Mulheres, em 2014 foram registrados 611 casos registrados de violência contra a mulher. Apenas em janeiro desse ano, sete jovens foram assassinados pela polícia. Segundo a conselheira tutelar Rosa Pessoa, o aumento do tráfico de drogas vitima principalmente os adolescentes. “Nosso adolescente é apreendido, depois é liberado, não tem para onde ir e lá na frente é morto”, relata. As conselheiras tutelares Edizângela e Rosa Pessoa denunciaram que os atendimentos do Conselho Tutelar chegam a 2.500 por ano, porém a estrutura do órgão permanece a mesma de antes da barragem, com apenas cinco conselheiras para atender todo o município, incluindo distritos a mais de 1000 km de distância.
Lindomar Maués, presidente do Conselho de Segurança, afirmou que foi feito um acordo de cooperação da empresa com o governo do Pará para investir R$ 100 milhões em segurança, porém não se vê onde foi aplicado esse dinheiro, pois, por exemplo, todos os equipamentos se segurança seguem funcionando em prédios alugados em Altamira. Com esse dinheiro, a secretaria de segurança comprou um helicóptero de 31 milhões, que só existe em 5 estados do país, e não é usado na região.
Cleanton, do Conselho Indígena Missionário (CIMI), denunciou que a Norte Energia não reconhece os indígenas que moram na cidade como povos indígenas, pois eles não receberam nenhum tratamento diferenciado no processo de remoção forçada, inclusive obrigando famílias a se separarem. Claudio Kuruaia, liderança indígena, contou que após um pleito de quase três anos, a Norte Energia se comprometeu a instalar um reassentamento específico para indígenas e ribeirinhos, chamado Pedral, próximo ao rio. No entanto, ela vem tentado se desobrigar a iniciar sua construção alegando que não tem demanda para essa área. Cleanton também denunciou o processo de cooptação de lideranças empregado pela Norte Energia contra os indígenas das aldeias. “O relatório da Norte Energia diz que já foram investidos R$ 14 milhões nas aldeias, mas você entra lá e é a mesma miséria de antes. A droga e o álcool entram através dos trabalhadores das obras condicionantes”, afirmou. Ele também classificou como “desumano” o tratamento dado aos indígenas na Casa do Índio em Altamira. “Das 26 condicionantes indígenas, podemos dizer que umas seis foram cumpridas parcialmente”.
Os efeitos de Belo Monte também são sentidos nos municípios vizinhos a Altamira, como denunciaram Brás e Josélia, integrantes da Comissão de Justiça e Paz de Brasil Novo. Eles relatam um aumento no número de acidentes na rodovia e o colapso no sistema de saúde do município. Josélia também lembrou o assassinato de dois agricultores durante um protesto na entrada do canteiro de obras de Belo Monte ocorrido no dia 18 de maio. “A polícia está querendo tratar como acidente de trânsito, mas todos sabemos que foi assassinato e exigimos justiça.”
Lucivan, do sindicato dos professores, relatou que apenas um colégio de ensino médio foi reformado pela Norte Energia, e “após muita pressão dos alunos”. Ele relata que a evasão no ensino médio tem sido muito grande frente à obra e isso é preocupante. Além disso, a Norte Energia não construiu nenhuma escola nos reassentamentos, obrigando as crianças a fazerem longos trajetos diários de ônibus para estudar.
Problemas no reassentamento também foram relatados por Edizângela, que também é coordenadora do MAB e reassentada no bairro Jatobá junto com mais de 1000 famílias atingidas. Segundo ela, chega a faltar até água no reassentamento durante dias. Há uma estação de tratamento de esgoto dentro da área que não funciona e exala um mau cheiro diariamente, prejudicando o bem estar das famílias. O MAB também denunciou problemas no processo de remoção das famílias, em especial porque o número de casas construídas pela empresa é insuficiente para abrigar todos os atingidos. “São mais de 8 mil famílias cadastradas e menos de 5 mil casas. Qualquer ignorante vê que essa conta não fecha. Agora, a Norte Energia está passando por cima de qualquer critério de tratamento, tentando inclusive comprar o direito dos atingidos à casa”, afirmou Iury Paulino, do MAB.
O MAB e o Xingu Vivo denunciaram ainda o processo de criminalização dos atingidos e dos movimentos sociais, através do uso de interditos proibitórios. O Movimento também denunciou a contratação de uma milícia armada para intimidar os moradores das áreas alagadas a não construírem mais casas, além da presença de um coronel reformado da PM para espionar as atividades das organizações.
Vitória do Xingu
Após a atividade, o grupo foi a Vitória do Xingu conhecer a realidade das ocupações urbanas motivadas pelo aumento no custo de vida devido à barragem.Vitória do Xingu se transformou no município mais rico da região, pois o Imposto Sobre Serviço (ISS) devido a Belo Monte já rendeu para a prefeitura mais de R$ 300 milhões (frente a uma arrecadação de R$ 17 milhões anuais). Porém, a população não vem sentido esse benefício, pois há mais de 1000 famílias vivendo em ocupações urbanas sofrendo diariamente com a ameaça de despejo.
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