Ao abrir a porta para o desconhecido, o PSDB poderá não voltar ao poder em 2018. Pelo contrário: pode entregar o país ao fascismo.
Talvez influenciado pelo fato de estar sendo entrevistado por uma publicação estrangeira - em certos países e organismos multilaterais se conhece bem os avanços alcançados pelo Brasil nos últimos anos - o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, para a revista alemã Kapital, que a Presidente Dilma Roussef é "honrada", e que o ex-presidente Lula é um líder "popular" cuja prisão, caso viesse a acontecer, poderia dividir o país.
Foi o que bastou para que fosse imediatamente execrado pela parcela da opinião pública que ocupa, destilando bílis, os sites e portais mais reacionários - para dizer o mínimo - da internet brasileira.
O que importa, não é saber - embora torçamos para que isso tenha ocorrido - se FHC foi sincero em suas considerações sobre a Presidente Dilma, e, sim, prestar atenção à verdadeira avalanche de estupidez que suscitaram suas palavras.
"Doido", "senil", "demente", "gagá", "caduco", "bipolar" - odioso, preconceituoso e covarde, o fascismo despreza e confunde a idade com fraqueza e costuma ser particularmente impiedoso com os mais velhos, as mulheres e as crianças - "doente de Alzheimer", e o já tradicional apelo do "morre de uma vez" (como fez o "sutil" internauta que atende por Paulo Votan, acima, no print que precede este texto) foram alguns dos epítetos lançados pela malta nos grandes portais da internet, contra o ex-presidente da República.
Outros o acusaram de "pateta", "traidor", "idiota", "maconheiro", "THC"- lembrando sua defesa da descriminalização da Cannabis - e de "cara de pau", "sem-vergonha", e ladrão - acusando-o de estar "roubando também", ou de já ter se encontrado secretamente com Lula para conchavos.
E os mais "espertos", a serviço da nefasta "via alternativa", que espreita, como hiena, nos meandros da história, os países que se rendem aos que fomentam o caos e a cizânia, preferiram, como sempre, aproveitar a oportunidade para intensificar os ataques contra a democracia - "político é tudo lixo", "farinha do mesmo saco"; defender a violência: "é preciso amarrar a boca do saco", "matar todo mundo a paulada" e "jogar o saco no rio"; e propagar a teoria - esse é "esquerda caviar", "comunista enrustido" - da conspiração, segundo a qual PT e PSDB representariam, na verdade, duas faces da mesma moeda, da "tática da tesoura stalinista", de disfarçar parte da esquerda como direita; tomariam parte da estratégia de conquista da hegemonia, por meios pacíficos e "gramscianos", do poder, e atuariam seguindo os padrões do "marxismo cultural", como fantasiam, e pregam certas correntes da imbecilidade neo-direitista antinacional. Tudo isso coroado pelos pedidos de instalação no país de nova ditadura - agora com caráter "policial-jurídico-militar" - e os indefectíveis slogans da campanha - que já está no ar há muito tempo - de BOLSONARO 2018 para a Presidência da República.
Na página do ex-capitão do Exército, no Facebook, por exemplo - que, significativamente, já tem mais de 3 vezes o número de curtidas (1.5 milhão contra 450.000) que a página oficial de FHC, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso aparece como defensor das drogas ao lado do ex-presidente uruguaio José Mujica, em contraponto ao próprio Deputado Bolsonaro, que se destaca, convenientemente, à direita, ao lado da figura do Presidente da Indonésia - país que pune o tráfico com a pena de morte - Joko Vidodo (que é, na verdade, um fabricante e exportador de móveis) em uniforme militar.
Em outras páginas - e cabeças - aparecem, como se fosse normal, propostas de que urnas eletrônicas passem a emitir recibo; de leis antiterroristas - para se emular gringos - de que se apresente o CPF antes de entrar na internet; de se identificar e eliminar, no nascimento, no futuro, bebês que tenham propensão criminosa; de se substituir o povo por "Deus" no parágrafo único do Artigo Primeiro, que define a fonte do poder do Estado no texto constitucional; de se punir com até 3 meses de prisão professores que abordem assuntos políticos na sala de aula; de se submeter as decisões do Supremo Tribunal Federal a igrejas, depois de já se ter aprovado a isenção de impostos para "repasses" a pastores, como se, em pleno século XXI, tivéssemos entrado em uma máquina que nos teletransportasse para um hospício, ou, de volta, no tempo, para mais ou menos 100 anos atrás.
Enquanto o setor de óleo e gás - de alta tecnologia - corre o risco de desmantelamento, a indústria naval é destruída, com o fechamento de vários estaleiros, a indústria de defesa se desarticula, com seus principais projetos sendo ameaçados, e as maiores empresas do Brasil são arrebentadas, milhares de seus fornecedores quebram, e se pretende impor a elas multas absurdas de bilhões de reais - para que não sobre pedra sobre pedra - eliminando-se milhares de empregos, brasileiros que fazem questão de ignorar que ainda somos - apesar de tudo - a oitava economia do mundo e o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos, e que o nosso desemprego é de um terço de países como a Espanha, e nossa inflação a metade do que era há pouco mais que uma década, comemoram em grupos como o Direitas Já, Direita Brasil, Direita Conservadora, Direita Realista, Direita Política, Tradutores de Direita, Direita Forte, Rede da Direita Nacional, Canal de Direita, Professores de Direita, Direita Atual, Direita Ocidental, Extrema Direita Nacionalista Brasileira, Linhas Direitas, Jovens de Direita, Militantes de Direita, Garotas Direitas, Sou de Direita, Extrema-Direita, Direita Unida, Direita Única, Direita Blindada, Direita Conservadora, Direita Brasil, Rua Direita, Direita Nacional Brasileira, Vem pra Direita Brasil, Skins Direitista (sic) e dezenas de outras comunidades menores, os problemas do país, torcendo, muitas vezes abertamente, pela derrocada da Nação, a quebra do Estado de Direito e a inviabilização da economia e da governabilidade.
É principalmente quado o tufão se aproxima, que é preciso escutar a voz da razão.
A reação - nos dois sentidos - contra as declarações de Fernando Henrique Cardoso na internet é apenas a ponta do iceberg de um quadro claro, para o qual os setores mais influentes da sociedade brasileira ainda não acordaram - ou só estão começando - talvez tardiamente - a atentar.
O PSDB corre grandes riscos se não souber corrigir o rumo de sua nau em meio à tempestade que ele mesmo ajudou a conjurar, e mesmo com o risco de perder o mandato, já existe quem esteja, como a Senadora Lúcia Vânia, de Goiás, tomando a decisão de abandonar esse barco no meio do caminho, alegando não acreditar em uma "oposição movida a ódio", e fazendo apelo a mais "equilíbrio e sensatez", diante da gravíssima situação política que está sendo enfrentada pelo país.
Ao embarcar na "direitização" da classe média, e endossar, de forma atravessada, indireta, e, eventualmente, interesseira, o discurso da exageração da crise, da criminalização dos políticos, da judicialização da política, e da repetição da irresponsável e continua multiplicação, à estratosfera, de cifras (da ordem de dezenas, centenas, de bilhões de reais) em pseudo prejuízos da corrupção que não correspondem aos fatos nem às provas efetivamente, inequivocamente, colhidas até agora, o PSDB - deixando-se seduzir pelas perspectivas do caos - está brincando de afagar as cabeças de Cérbero - o cão mitológico que guarda a saída - e a entrada de Hades - na ante-sala do inferno.
Mais importante do que se haverá ou não impeachment, do ponto de vista histórico, é o Brasil que ficará desse processo.
A História avança em ciclos, e entre eles há aqueles que, depois de iniciados, dificilmente são detidos, e que cobram pesados tributos em atraso e em sangue, antes de que venham a se encerrar.
É preciso que as lideranças do PSDB percebam - e há outras personalidades na legenda que foram lembradas - e muitas vezes virulentamente criticadas - nos ataques contra FHC na semana passada - que o imponderável é - por sua própria natureza - incontrolável e voraz. E que, ao abrir a porta para o desconhecido, o PSDB poderá não voltar ao poder em 2018.
Pelo contrário.
Existe uma grande chance de que venha a entregar o país - ou boa parte dele - ao fascismo. E de que venha a ser vitimado, mais cedo do que tarde, pelo fascismo, como ocorre com o PT.
Fonte: Carta Maior
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