A privatização do sistema carcerário pode tirar do poder público a opção de escolher a melhor política pública
Há alguns anos os presídios vêm sendo alvo de preocupação da sociedade diante da sua ineficiência e da crescente onda de denúncias de corrupção e de instalação de crime organizado nas prisões. O tratamento desumano dado aos presos e seus familiares é uma realidade histórica e teve parcas alterações desde a aprovação da Lei de Execução Penal, em julho de 1984, que, caso fosse efetivamente aplicada, garantiria aos presos e seus familiares uma outra perspectiva de futuro.
Todavia, nas últimas três décadas, o problema se agravou. Além da ampliação das dificuldades já existentes (como superlotação, tortura e assassinatos), houve a expansão do narcotráfico e o aumento significativo da população carcerária. Os estabelecimentos prisionais brasileiros passaram a ser dominados por facções criminosas.
A realidade do Sistema Carcerário Brasileiro é do conhecimento de todos, tanto do ponto de vista do aumento gritante do número de encarceramentos e presos provisórios, como das condições sub-humanas a que são submetidas os(as) trabalhadores(as) e presos(as) egressos(as) no sistema.
Foi por este consenso que foi instalada a CPI do Sistema Carcerário na Câmara no primeiro semestre.
Os trabalhos chegaram ao fim neste mês de agosto e, como membro da comissão, me manifestei contrário com relação às medidas que sugerem a privatização do sistema carcerário. O caminho para a solução ou amortização dos problemas carcerários não está na privatização, terceirização ou outro modelo de cogestão de unidades carcerárias.
Sabemos que o que tem impulsionado o caminho das privatizações é um argumento político e muito bem construído, com o qual não podemos coadunar. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante anos, para que então se atingisse uma argumentação que justificasse a entrega desses serviços à iniciativa privada. O Estado, sucateado e, sobretudo, saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais ‘prática’. E essa forma, como não poderia deixar de ser, se dá através da obtenção de lucro.
A lógica de mercado no sistema proposto é evidente. Um preso que “custa” para o Estado aproximadamente 1,3 mil reais por mês, podendo variar até 1,7 mil reais, de acordo com o estado, numa penitenciária privada, a exemplo da Penitenciária de Ribeirão das Neves (MG), passa a custar 2,7 mil reais. O pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do Estado, mas, principalmente, no corte de gastos nas unidades.
Assim como nos outros setores onde as parcerias público privadas já viraram a regra, entram as empresas porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia, além da tendência de transformarem o preso em fonte de lucro. Afinal, a que empresa não interessaria o trabalho de um preso?
As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execuções Penais (LEP) de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar três quartos de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso, nesses casos, sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.
Ademais, tem sido muito comum vermos no marketing das empresas que argumentam pela privatização do sistema carcerário (tanto no sistema de PPP como no de cogestão) as bandeiras da “assistência médica, odontológica, e jurídica”. Todavia, sabe-se que a prestação de assistência jurídica gratuita é constitucionalmente reservada à Defensoria Publica. Diante de uma situação de tortura ou violação de direitos, por exemplo, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Ou seja, tudo arquitetado dentro de uma lógica muito perversa.
Em 2010, CNJ encontrou presos confinados em contêineres no Pará
A partir do momento em que se enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, o poder público cai na armadilha de ter de abrir mão da melhor opção política em troca da necessidade de garantir retorno ao investimento realizado pela iniciativa privada.
Segundo dado informado pela Associação Brasileira de Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios, extraído do relatório, a margem de lucro das empresas é de, pelo menos, 8%.
Dados do Infopen (relativos a junho de 2014) mostram que a taxa de ocupação dos estabelecimentos em cogestão brasileiros é, em média, de 131% (a média de todos os estabelecimentos nacionais é de 161%, incluídos os inteiramente públicos). Revelam ainda que 17% dos presos em estabelecimentos em cogestão estudam e apenas 16% trabalham. O número de presos por agentes de custódia no sistema de cogestão não é excessivamente distinto do sistema público (5,3 no de cogestão e 9,1 no sistema público).
Assim, os números nos indicam que não há motivos para argumentarmos em favor desta recomendação. Os presídios sob cogestão continuam superlotados, a maioria dos presos ainda não tem a oportunidade de trabalhar e de estudar e os custos estão mais altos para o Estado. Não é possível que se permita uma mudança em que o preso seja fonte de lucro e, portanto, que o encarceramento seja algo desejado e positivo.
Queremos uma sociedade justa e feliz, com cada vez menos encarcerados e com mais cidadãos que gozem de plenos direitos e, por isso, não tenham seu destino fadado às grades.
*Edmilson Rodrigues é deputado federal (PSOL/PA) e membro da CPI do Sistema Carcerário
Fonte: Carta Capital
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