Esperança e dignidade: a fé e a luta pela moradia em Niterói
Por Fábio Py e Ronilso Pacheco
Ouve-se as vozes gritando “MTST: a luta é para valer!”, nas proximidades do Largo da Batalha em Niterói, caminho para os que querem ir à região oceânica. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto ocupou um antigo terreno que deveria ser utilizado para servir à população niteroiense com um terminal rodoviário que nunca foi levado à frente pelos governantes. A ocupação foi iniciada na madrugada da sexta-feira, dia 7 de agosto, sob clima tenso, em que os policiais do Bope chegaram a quebrar e jogar alguns bambus fora. Parlamentares do PSol de Niterói acompanharam de perto a ação, buscando salvaguardar os membros do movimento de algum abuso de autoridade e violência em meio à ação da polícia durante a ocupação que inicialmente contabilizava uma centena de pessoas nos primeiros cadastros do MTST.
Depois da ocupação, ao longo da semana, a Prefeitura de Niterói foi fazer as negociações e já existe a promessa de terrenos para que possam alocar as famílias que lá iniciaram a mobilização. Além disso, a boa notícia é que o assentamento já contabiliza cerca de 700 pessoas e vem chegando mais e mais famílias. É um prazer inenarrável assistir uma família chegar ao local. Mães, filhos, filhas, pais, com roupas comidas e com a esperança nos olhos de que o fim do processo de luta trará uma terra para morar. Chegam ao local, cortam bambus, jogam uma lona preta por cima – fazendo barraca. Precisam estar lá para que a partir da urgência de sua situação consigam o pleito da casa. Pontualmente, a promessa é que num dos terrenos prometidos pela Prefeitura, as famílias serão alocadas no programa “Morar Melhor” do governo federal.
Ataques
Claro, o caminho nem sempre é feito apenas por rosas. A página nas redes sociais do movimento de Niterói é hostilizada chamando-os, no mínimo, de
“vagabundos”. Também carros que passam pela ocupação param para xingar, apontar o dedo e falar que deveriam todos estar num “camburão” – presos pela polícia-política. Ora, isso é interessante. Por que uma cidade que tanto se orgulha de ter uma população com os melhores índices de educação do País, sem analfabetismo, apontar o dedo de forma tão grotesca para pessoas em situação limite? Não é falta de educação? A resposta não é difícil. Para respondê-la, lembra-se o que o filosofo Karl Marx nos ensinou: isso não é uma questão apenas de educação. A partir do filósofo-revolucionário pensamos de uma forma mais total os gestos dos que hostilizam os trabalhadores sem-teto. Parece ser apenas uma faísca (entre outras silenciadas em outros momentos) da luta de classes na sociedade brasileira. Ela vem formando a espinha dorsal do racismo estrutural brasileiro que opõe os ricos, classes médias, brancas e racistas com o restante da população descendentes de africanos, indígenas e pobres no geral.
Ainda bem que mesmo diante de um processo tão vexatório tivemos no sábado, dia 15, por volta das 18 horas, a oportunidade de nos reunir numa celebração ecumênica marcando o início do acampamento chamado de “6 de Abril” em homenagem ao desastre das chuvas no morro do Bumba em Niterói. A celebração reuniu membros da ocupação, membros de diferentes espectros cristãs, representantes da umbanda, candomblé e do espiritismo, além de simpatizantes. Cantou-se músicas que lembraram o passado de luta e fé do povo brasileiro como “Cio da Terra”, de Milton Nascimento, e “Anunciação”, de Alceu Valença. Contudo, o momento alto foi quando uma fiel acampada, pentecostal, pediu para orar falando das lutas e da esperança da terra que Deus separou para ela. Particularmente, gostaríamos que todos os brasileiros tivessem a coragem da luta e da organização do movimento na região oceânica de Niterói, que ao mesmo tempo convida a todxs os sujeitxs que quiserem ter um teto digno na região fluminense para ir ao acampamento e iniciar a luta por sua dignidade. Afinal, aprendemos com o MTST que sua luta é para valer.
♦ Fábio Py é doutorando em teologia; Ronilson Pacheco é graduando em Teologia da PUC-Rio
Fonte: Caros Amigos
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