segunda-feira, 10 de agosto de 2015

BRASIL: TAXA DE JUROS, OUTRA JABUTICABA?


Por Paulo Kliass
Da Carta Maior

Ao longo das últimas décadas, o Brasil esteve a maior parte do tempo ocupando a primeira posição entre os mais diferentes países do mundo, sempre quando o assunto em pauta fosse o nível da taxa de juros. As razões para tal fenômeno podem ser encontradas em várias esferas da dinâmica econômica. Algumas delas podem ser classificadas como razões de ordem estrutural. Outras causas estão mais associadas a movimentos de natureza conjuntural. Assim, às vezes não ocupávamos o primeiro posto no ranking, mas estávamos sempre ali, entre os líderes.

Um fato inequívoco relaciona-se com o crescente processo de financeirização de nossa economia, de maneira que uma parcela cada vez maior das atividades realizadas e da renda gerada passa a ser dependente dessa esfera muito particular da acumulação de capital. A generalização da lógica do universo financeiro para as demais áreas da economia termina como que por “contaminar” as decisões dos detentores de capital. É o caminho aberto para o império do financismo.

Mais do que isso, a hegemonia que se instala a partir da dominação do capital financeiro impõe uma referência de padrão de remuneração dos investimentos, muitas das vezes distante da realidade concreta da dinâmica da acumulação de capital na indústria, no agronegócio, no comércio ou nos serviços. A atratividade exercida pela facilidade dos ganhos obtidos - sem que haja nenhuma atividade produtiva, concreta ou geradora de emprego - provoca uma reorganização das alocações dos recursos no conjunto da sociedade. Enfim, essa dinâmica termina por condenar qualquer tipo de inciativa que envolva um retorno mais reduzido do que o patamar mínimo obtido pela alternativa mais fácil oferecida pelo financeiro.

Remuneração

A remuneração básica é estabelecida pelo governo, por meio da definição da taxa oficial de juros - a SELIC. A partir dela é que o conjunto dos agentes econômicos vão determinar suas expectativas de rentabilidade para os seus próprios recursos. Em sua última reunião, o COPOM (colegiado responsável pela política monetária) resolveu aumentar pela sétima vez consecutiva a taxa e ela alcançou os 14,25 % anuais. Isso significa que ninguém deverá aceitar uma remuneração mais baixa do que a menor oferecida dentre as inúmeras alternativas de investimento: emprestar dinheiro para o Tesouro Nacional. Em tese, trata-se da mais segura de todas. E por apresentar o menor risco, é também a alternativa que oferece o menor ganho.

Esse patamar tupiniquim elevado de taxa de juros somente foi superado ao longo dos últimos anos - ainda que por curtos intervalos de tempo - pela Rússia e pela Turquia. Assim, a absoluta maioria dos países têm apresentado políticas monetárias envolvendo taxas oficiais de juros mais modestas - até mesmo negativas. Atualmente a distribuição de alguns países selecionados é a seguinte: i) o Banco Central Europeu (BCE) oferece 0,05% ao ano; ii) o Banco Central dos Estados Unidos (FED) apresenta 0,25% ao ano ; iii) na sequência um conjunto amplo de países, mas sempre abaixo de 10%; iv) a Rússia está com 11,50% e depois vem o Brasil com a medalha de ouro (veja quadro Taxa oficial de juros).

O que mais instiga a análise do fenômeno é o aparente consenso que os meios de comunicação conseguem forjar em torno de uma opção de política
 

econômica que vai contra os interesses da maioria da população e também contra os supostos interesses de todas as frações do capital não-financeiro. No entanto, quando se trata de realizar o “debate” a respeito das alternativas de rota para a economia brasileira, se impõe o modelo ortodoxo e conservador, em oposição ao receio das classes dominantes quanto a uma suposta “esquerdização irresponsável” que estaria inevitavelmente contida em qualquer proposta de cunho desenvolvimentista. Uma tolice sem tamanho, que só nos condena a reproduzir o modelo neo-colonialista de exportação de produtos primários, pois não consolida um mercado interno sólido e sustentável.

Assim, o conjunto da sociedade acaba ficando refém da armadilha da dívida e do compromisso em não quebrar as regras do jogo impostas pelo poder do financismo. Isso significa a dominação da política econômica pela perseguição obstinada ao superávit primário e a drenagem de um volume imenso de recursos gerados na economia real para o pagamento dos juros e serviços da dívida pública. Afinal, não existe razão econômica para que as taxas de juros oficiais tenham ficado em patamar tão elevado por aqui – e quase só por aqui! - em nossas terras.

Por outro lado, também surge como especificidade brasileira a facilidade com que o setor financeiro impõe aos demais as suas condições operacionais e comerciais. Contando com a complacência e a cumplicidade do órgão regulador e fiscalizador, o banco nada de braçada na extorsão de recursos de outrem, por meio de tarifas elevadíssimas e de diferenciais de taxas estratosféricas. Uma loucura!

Taxas

Isso pode ser identificado nas taxas cobradas pelas instituições financeiras em suas operações de crédito. Os dados são públicos, levantados e divulgados periodicamente pelo próprio Banco Central. Para o mês de junho, por exemplo, quando a SELIC estava ainda em 13,75% ao ano, os bancos praticavam spreads imensos. A média das inúmeras taxas das pessoas jurídicas chegava a 28% ao ano, com destaque para operações corriqueiras como descontos de duplicatas (35%) ou de cheques (42%).

Ganhos Exagerados

Mas os ganhos exagerados ficam mesmo por conta das pessoas físicas, com uma taxa média de 59% no conjunto das operações. E o inexplicável surge nas modalidades envolvendo o cartão de crédito rotativo (372%) e o cheque especial (241%).


Esse quadro (taxas) nos permite concluir que a sociedade brasileira não apenas aceita conviver em meio a uma referência de custo e rentabilidade bastante elevada, como se vê obrigada a repassar uma parcela expressiva de seus recursos para o próprio sistema financeiro, sob a forma nada sutil da “remuneração dos serviços prestados”. Esse fenômeno ocorre há tanto tempo e se apresenta tão arraigado à nossa estrutura social e padrão comportamental, que as empresas e as famílias de renda mais elevada da classe média acabam se tornando também dependentes do modelo. A lógica que domina a estratégia da maioria das corporações é a do departamento financeiro, prejudicando muitas das vezes a própria atividade fim do grupo.

No caso das camadas sociais que conseguem poupar algum excedente de sua renda mensal, permanece uma ilusão de ganho com a taxa de juros também elevada que o sistema financeiro oferece para suas aplicações. Tanto é assim que sempre que o governo tenta iniciar algum movimento de redução da remuneração real, os órgãos de imprensa iniciam uma falsa polêmica a respeito das perdas em relação às aplicações mais tradicionais da modalidade “caderneta de poupança”, como se fosse interessante para todos a manutenção da taxa de juros oficial em níveis elevados.


♦ Paulo Kliass é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10


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