Para pesquisador, trata-se do 'efeito-salsicha': aquele fenômeno que faz com que quem visite uma fábrica do produto não consiga mais consumi-lo.
A experiência de sediar uma Copa do Mundo desgastou a relação dos brasileiros com o futebol, até então tido como a maior paixão nacional. De acordo com o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Billy Graeff, que atualmente leciona e cursa doutorado na Universidade de Loughborough, na Inglaterra, ocorreu o que o comediante britânico radicado nos Estados Unidos, John Oliver, chama de “efeito-salsicha”: aquele fenômeno que faz com que quem visita uma fábrica do produto não consiga mais consumi-lo!
“Nós, brasileiros, observamos a fase atual dos megaeventos em geral e da Copa do Mundo em particular como uma festa distante, na qual torcíamos por nossas equipes e atletas. Agora, com Pan-Americano, Jogos Militares, Copa e Olimpíadas, entre outros, estamos descobrindo o que é um megaevento. E estamos descobrindo isso de uma maneira muito dura”, afirma ele, que pesquisa o assunto na universidade tida como um dos maiores núcleos da Sociologia do Esporte no mundo.
Para o acadêmico, são vários os motivos que influíram negativamente no encantamento do brasileiro com o futebol. Um deles é o entendimento de que as altas cifras movimentadas pela Copa do Mundo sustentam um grande esquema de corrupção que favorece os mesmos poderosos de sempre. Primeiro a FIFA, que foi quem mais lucrou com o megaevento sediado no Brasil. E cujo dirigentes, agora, estão presos, em função de investigação conduzida pelo FBI norte-americano. Em segundo, as construtoras com atuação local, cujos dirigentes também estão presos ou em processo de indiciamento devido à Operação Lava Jato.
Outra razão que o pesquisador aponta como determinante no desgaste desta relação histórica é o que ele chama de “estelionato do apelo ao desenvolvimento”. Para Gaeff, a população se sente enganada porque acreditou que a Copa traria grandes obras de mobilidade urbana para o país, o que não aconteceu na maioria das cidades-sedes. “A Copa não trouxe o desenvolvimento esperado. Quase todas as obras de mobilidade urbana prometidas não foram iniciadas, estão paradas, inacabadas ou nem foram iniciadas”, afirma.
Como exemplo concreto, ele cita o que ocorreu em Porto Alegre (RS): das 14 obras previstas na matriz da Copa, 12 foram retiradas. Em pesquisa concluída recentemente na cidade, mais especificamente com as famílias atingidas diretamente por uma das principais obras da Copa, a de construção da Avenida Tronco, Graeff chegou a números alarmantes: 77% das famílias relataram casos de ameaças as suas moradias e 91% disseram que nunca foram procurados pelo poder público para tratar de questões ligadas às obras, vivendo em constante vigília em função de informações extra-oficiais que sinalizam para a remoção compulsória e a perda de tudo que passaram uma vida juntando.
Para agravar o quadro, 95% das famílias afirmaram que nunca foram consultadas sobre as obras. E o que causou mais espanto: mais da metade considera que a vida piorou com as obras, que essas obras não valeram a pena para a comunidade e que a Copa não teve nenhum resultado positivo para Porto Alegre.
A pesquisa, que envolveu sete diferentes institutos de pesquisa, foi realizada em uma região habitada por pelo menos 3.645 famílias, apontada pela Prefeitura como área de impacto. Como as obras não estão nem perto de serem concluídas, a famílias sofrem com a incerteza dos seus destinos há mais de dois anos.
“Uma família chegou a prestar queixa na Delegacia em função das ameaças que vinham recebendo de um agente público, que chegou até a oferecer R$ 120 mil pelo seu terreno, avaliado em valor muito superior. Posteriormente nós descobrimos que o terreno nem seria impactado pela avenida”, conta o acadêmico.
O pesquisador acrescenta ainda como problema que afetou o encantamento do brasileiro com o futebol a falta de transparência nas decisões relativas ao evento. “A maioria dos estádios não precisava da maior parte das obras realizadas para dar conta do caderno de encargos da FIFA. Estas decisões foram tomadas em fóruns com limitado acesso ao publico (e nenhuma democracia, representatividade ou translucidez) e não sabemos quem foram os atores a influenciar tais decisões”, esclarece.
Segundo ele, com os atrasos nas obras e a Medida Provisória (MP) que criou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, as construtoras que ninguém sabe em que medida influíram no processo decisório foram designadas para concluir as obras atrasadas. “No caso dos estádios, por exemplo, esta manobra fez os valores crescerem pelo menos 285%”, acrescenta.
Problemas previsíveis
De acordo com Graeff, os problemas enfrentados pelos brasileiros atingidos pela Copa eram perfeitamente previsíveis, se respeitadas às lições tiradas da experiência internacional com os megaeventos. Segundo ele, à exceção de Los Angeles e Barcelona, as demais cidades-sedes de megaeventos mundo afora conviveram com fenômenos bastante parecidos. “Montreal, no Canadá, demorou 30 anos para pagar as dívidas contraídas para realizar as Olimpíadas de Inverno de 1976. Os investimentos nas olimpíadas têm grande participação na dívida pública da Grécia”, exemplifica.
Fonte: Carta Maior
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