Em 1968, Adriano Diogo, então com 18 anos, secundarista, foge da repressão policial da Ditadura Militar (ele é o primeiro à esquerda nesta foto, e está acompanhado de amigos também secundaristas). Depois, Adriano foi preso e barbaramente torturado pelo regime do AI-5, promulgado no dia 13/12/1968, que os fascistas querem agora restabelecer
Por Adriano Diogo, especial para os Jornalistas Livres
Era véspera de vestibular, oito horas da noite e eu estava no curso Objetivo, que então funcionava na Praça da Liberdade, ao lado da Igreja dos Aflitos. João Carlos Di Gênio, dono do cursinho, colocou em todas as caixa de som o pronunciamento do ministro da Justiça da época, Luis Antonio Gama e Silva.
Foi uma noite macabra.
Desci sozinho para o parque D. Pedro para tomar um ônibus e percebi que já estava tudo cercado pelo quartel da região. Nos pontos, as pessoas eram revistadas. Nas fábricas da Mooca, tudo estava cercado. A barra estava pesadíssima.
Todos os teatros fecharam as portas, e as pessoas começaram a se juntar e conversar para saber o que seria do Brasil. Anunciava-se a pena de morte e o banimento. Aquela noite foi apenas o começo de um pesadelo que iria durar dez anos.
Morto pela polícia da Ditadura quando se escondia da repressão dentro do restaurante Calabouço, o secundarista Edson Luís de Lima Souto tornou-se o símbolo triste de uma juventude silenciada à força
Fazia algum tempo que a Ditadura estava sendo fortemente contestada nas ruas. Passeatas se multiplicavam pelo país, a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, no Rio de Janeiro, assassinado pela polícia dentro do restaurante Calabouço, provocou uma comoção nacional contra o governo forte de Costa Silva. A UNE, União Nacional dos Estudantes, organizou um grande congresso em Ibiúna em outubro, interior de São Paulo, poucos meses antes. Os jovens foram presos e, depois do pronunciamento do AI-5, os líderes do movimento tornaram-se espécie de reféns clandestinos. A ditadura os marcou — quem estava na organização foi jurado de morte. A USP foi cercada, ninguém entrava sem ser revistado. Os centros acadêmicos foram fechados ou invadidos. Até o cursinho Objetivo, onde eu estudava, moveu uma forte perseguição aos estudantes. Eu mesmo era visado pela diretoria por levar os colegas ao teatro e conversar sobre política.
O ar estava irrespirável. Se antes do AI-5 a cidade estava efervescente com as contestações ao regime, depois a tristeza e o silêncio se abateram sobre todos. Só se ouviam notícias de gente que saía de casa e não voltava, gente que teve de se esconder, documentos que foram queimados. Eu percebi que o mundo havia mudado. Se antes conseguíamos fazer uma crítica ao acordo MEC-Usaid, de privatização do ensino, depois foi só solidão. Não se podia falar nada, as pessoas sussurravam. A televisão apoiava o endurecimento do regime, instigando o clima de terror, com delações aos colegas, aos professores e intelectuais. A censura piorou muito.
Muitos, como eu, foram presos e torturados ilegalmente pela Ditadura que endureceu com o AI-5. Tantos foram assassinados nos porões do regime, depois de sofrerem suplícios indescritíveis.
E agora, um grupo de golpistas tem a intenção de comemorar essa data macabra, dia 13 de dezembro, com uma manifestação para pedir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A escolha da data do protesto pelo impeachment é a melhor e mais cabal prova de que esses movimentos que pedem o golpe não estão interessados na Democracia. Longe disso.
Passaram-se 47 anos daquele dia trágico, mas eu e meus companheiros que sobreviveram ao arbítrio, às câmaras de tortura, ao assassinato, estamos aqui como testemunhas de acusação dessa gente que quer a volta da Ditadura ao Brasil.
O povo brasileiro, já tão sofrido, não merece essa empulhação, essa dor, mais este sofrimento.
Não é o que queremos.
É preciso salvar (e melhorar!) a DE-MO-CRA-CI-A.
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