A aprovação da modificação do marco regulatório da exploração do petróleo no Brasil constitui não somente um enorme retrocesso soberano para o país como também a confirmação de que, independente das motivações internas, o golpe contra Dilma Rousseff também estava pautado pelas necessidades e conveniências dos interesses externos.
Tal como afirmou Edward Snowden, o Brasil foi um dos países mais espionados do mundo, um dos alvos preferenciais da Agência Nacional de Segurança (NSA, por sua sigla em inglês). Dentro dos âmbitos de interesse prioritários norte-americanos figuravam tanto as atividades pessoais da própria presidenta Dilma como os movimentos realizados pela empresa Petrobras. Nada disso era aleatório: Dilma havia formado parte do Conselho da Petrobras e, tanto em sua função anterior como ministra de Minas e Energia como quando ocupou o cargo de chefa da Casa Civil, foi figura central na reorganização da empresa e na implementação de determinados investimentos públicos, que possibilitaram e desenvolveram, a partir de 2006, os descobrimentos do petróleo em águas profundas, os chamados campos do Pré-Sal. Este foi um dos momentos decisivos para a geopolítica continental das últimas décadas: se trata da mais importante área de petróleo em águas profundas descobertas no Século XXI, o que posiciona o Brasil como o terceiro país a nível mundial em termos de reservas. De forma quase automática, houve uma reação estrangeira ao contexto: após bom tempo de hibernação, a IV Frota dos Estados Unidos, voltou a ser ativada.
A situação se tornou mais delicada uma vez que, com autonomia, o Brasil aprovou, em 2010 seu próprio marco regulatório para a exploração desse tipo específico de recurso. Uma regulação moderada que manteve as concessões já outorgadas previamente, mas que gerava outros tipos de concessões e, a respeito dos novos descobrimentos, determinava uma porcentagem obrigatória de (pelo menos) 30% de exploração para a Petrobras. Exatamente isso foi o que a recente votação na Câmara dos Deputados anulou.
Desde que se aprovou o marco regulatório de 2010, o Brasil deixou de ser o modelo a seguir: Lula já não era mais o “homem do ano” da Revista Time e as pressões sobre o governo de Dilma começaram a ser cada vez maiores, a ponto de ser derrubada. Sem contar a campanha contra a própria empresa estatal Petrobras, cada vez mais intensa, sobretudo desde a instalação da Operação Lava Jato, tendo em vista os perfis dos protagonistas dessa investigação judicial impôs: um juiz de primeira instância cujo currículo exibe vários “cursos de formação” financiados pelo Departamento de Estado norte-americano, ex-diretores “arrependidos” – talvez por causa dessas mesmas informações colhidas através da espionagem –, meios de comunicação que, como em nenhuma outra circunstância na história do país, novelizaram a causa judicial de formas grotescas, colocando ênfase sempre em Lula e no Partido dos Trabalhadores (PT).
Para isso foi dado o golpe, para terminar com essa porcentagem operativa a favor da estatal Petrobras, para entregar uma quantia de recursos extraordinários que, segundo o determinado por lei durante o governo de Dilma Rousseff, seriam destinados diretamente às políticas de educação e saúde. José Serra, o atual chanceler brasileiro e autor do projeto de lei que alterou a regulação do petróleo, já havia se comprometido com uma executiva da Chevron, anos atrás, como foi reproduzido por documentos vazados por Wikileaks: “quando nós chegarmos (ao poder), isso (o marco regulatório de 2010) vai terminar”. Uma avançada que também teve patrocínio comprovado dos Irmãos Koch (proprietários de uma das principais empresas privadas dos Estados Unidos, dedicadas precisamente à exploração de gás e petróleo) aos diversos grupos que convocaram as mobilizações contra o governo destituído, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua. Através dessas organizações e think tanks de ocasião que são cada vez mais comuns em todo o nosso continente, a direita conseguiu dar outra dimensão às pressões que visavam impedir que a esquerda brasileira pudesse recompor estruturas à altura dos recursos em jogo.
Como parte deste mesmo avanço predatório, devemos considerar também algumas mudanças recentes dentro da própria empresa estatal. Por exemplo, o atual presidente da Petrobras, Pedro Parente – nomeado por Michel Temer – colocou no posto de consultor senior da estatal o antigo dono do BG Group, companhia que foi vendida à Shell e que operava nos campos do Pré-Sal. Como reconheceu o CEO da petroleira holandesa Shell, em entrevista à revista Forbes, “a compra do BG Group tem como objetivo buscar uma maior aproximação com a `potencialidade econômica das águas profundas brasileiras´”, algo que, com a ajuda de uma Petrobras agora colonizada, seguramente será mais simples – o que explica, também, porque a Shell deixou de investir em 10 países para se concentrar no Brasil. A produção de petróleo tem que ficar em mãos confiáveis, por isso se nota a participação dos Estados Unidos em todos os processos de desestabilização, que em outras latitudes são fomentados mediante guerras internas, e que, no caso brasileiro, se baseia na alteração do Estado de Direito.
Sempre esteve claro que o golpe contra Dilma Rousseff e contra a democracia brasileira tinha seus interesses por trás. Não era a “responsabilidade fiscal” o verdadeiro argumento. O que pode chamar um pouco a atenção é a velocidade com a que a classe política golpista, que assumiu o manejo da administração pública, começa a devolver os apoios aos promotores e financiadores do golpe. Ou, desde outro ponto de vista, a rapidez com que os interesses estrangeiros estão determinando as coordenadas do interesse nacional. Agora, é a desapropriação da riqueza que a Petrobras produz – e produziria –, elemento crucial para a independência econômica brasileira, e para a autonomia latino-americana. Neste sentido, o golpe de 2016 tem a marca dos interesses geopolíticos.
Fonte: Carta Maior
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