Michel Temer oferece vinho, carne com risoto de funghi, salmão, massa e salada para mais de 200 deputados e suas respectivas esposas. Jantar foi cartada final para assegurar votos e aprovar a PEC 241, que congela investimentos na saúde e na educação. Palácio do Planalto não quis revelar o custo do evento
A Proposta de Emenda à Constituição ( PEC 241 ), que congela os gastos públicos, monopoliza todas as discussões na Câmara dos Deputados hoje (10).
O esforço feito pelo governo para aprovar a PEC, observado por meio de conversas de bastidores, passou a ser escancarado desde a última semana e culminou com o jantar milionário oferecido pelo presidente Michel Temer, aos deputados, na noite de ontem (9).
De acordo com o cerimonial do Palácio do Planalto, 215 parlamentares, entre deputados e senadores, compareceram ao jantar, que durou três horas. Foi servido um vinho de boa qualidade e uma carne com risoto de funghi, além de salmão, salada e massa.
O custo do encontro não foi revelado. O presidente recebeu os convidados ao lado de sua esposa, Marcela Temer. Os parlamentares puderam levar familiares.
Na manhã desta segunda-feira, os ministros Geddel Vieira Lima (secretário de Governo), responsável pela articulação institucional, e Eliseu Padilha (Casa Civil) deram entrevistas otimistas. Pelas contas dos dois, o Executivo tem mais dos 309 votos – número tido como suficiente para a aprovação da matéria – embora na última semana muitos integrantes da base aliada tenham deixado dúvidas sobre como se comportariam durante a votação.
Ministros exonerados para votar
O presidente Michel Temer exonerou os ministros das Cidades, Bruno Araújo, e de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, nesta segunda-feira (10), conforme decretos publicados no Diário Oficial da União (DOU).
Os dois ministros são deputados federais da base aliada de Temer. Bruno Araújo é do PSDB e Fernando Coelho Filho, do PSB, ambos de Pernambuco. Eles foram exonerados para votar a PEC 241.
Bastidores e mudança de posição
Alguns deputados da base aliada de Temer, que até a última semana falavam em reservado sobre a importância de se discutir melhor a matéria e postergar a apreciação, evitaram dar declarações neste tom nos últimos dias, dando a entender que mudaram de ideia.
Da mesma forma, nem bem se sabe se a votação ocorrerá mesmo hoje, já foram observadas surpresas referente a mudanças, o que levou oposicionistas à suspeita de que os acordos feitos nos bastidores podem ter sido bem maiores que o comentado.
Uma dessas surpresas foi o deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), vice-líder das minorias e que sempre fez um discurso inflamado contra o governo Temer.
No plenário, ele defendeu que o congelamento de gastos vai ajudar a reduzir o desemprego no país e encampou a justificativa dada pelos governistas de que não haverá prejuízos para a saúde, o que tem sido contestado por discursos técnicos de diversas entidades, inclusive governamentais, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O deputado disse que não aceitou ir ao jantar ontem com Temer, porque continua “sendo da oposição” e não se sentiria bem lá em meio aos outros colegas. Mas, ao mesmo tempo, confirmou sua mudança.
Costa falou em meio a olhares atordoados e decepcionados de deputados como Luiza Erundina (Psol-SP) e Ivan Valente (Psol-SP). Como já se esperava, ele foi aplaudido por integrantes da base aliada e tratou de desconversar. “Não me aplaudam muito porque daqui a pouco voltarei a bater em vocês outra vez.”
Povo está ‘de olho’
Diante das mudanças de discurso, o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), fez um alerta para os colegas. “Prestem bem atenção sobre como vocês vão votar diante deste congelamento de gastos que vai engessar o Brasil. A população inteira estará de olho em vocês e faremos questão de divulgar seus nomes um por um”, ameaçou.
A oposição promete obstruir a matéria e trabalha para adiar ao máximo a votação, caso ela aconteça mesmo hoje. Uma das principais brigas diz respeito à quebra do interstício regimental. Trata-se da regra de que é preciso, após a aprovação da PEC na comissão especial que a aprecia, realização de uma sessão para que ela seja apreciada.
‘Pecado mortal’
O analista político Paulo Vannuchi afirma que uma eventual aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que engessa gastos públicos por 20 anos, é um retrocesso e representa “pecado mortal” em relação aos direitos humanos.
Integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Vannuchi lembra que o documento que rege a organização da qual o Brasil é signatário (Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969), determina que os Estados membros adotem medidas a fim de alcançar progressivamente a efetivação de direitos econômicos, sociais e culturais, e que a PEC 241 segue no sentido oposto a esse princípio.
Segundo ele, a PEC 241 é símbolo de um projeto neoliberal, que já fracassou na Grécia e na Espanha, e segue a mesma receita de impor cortes que recaem fundamentalmente sobre os mais pobres. Ele destaca que esse é um esforço que atende aos interesses do PSDB, que apoia essas medidas restritivas, mas quer ver o desgaste político ficar com o PMDB, abrindo caminho para a sucessão de 2018.
Vannuchi também ressalta manobra do partido de Temer para regras de transição que evitarão que os efeitos dos cortes sejam sentidos já no próximo ano, e lembra que a proposta faz parte de um programa mais amplo que inclui ainda medidas como a reforma da Previdência, para restringir o acesso dos trabalhadores a pensões e aposentadorias, terceirização e privatizações, como a revisão da lei do regime de partilha, que possibilitou o acesso das petroleiras estrangeiras às reservas do pré-sal.
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