segunda-feira, 24 de outubro de 2016

BRASIL: ÚLTIMA PARADA DA RODOVIA SEDIA NOVA FRENTE DE EXPANSÃO DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA


Criança pirahã dorme em rede de acampamento montado às margens do rio Maici, em Humaitá (AM) (Lalo de Almeida - 30.set.2016/Folhapress)


DOS ENVIADOS ESPECIAIS A LÁBREA E HUMAITÁ (AM)

Bode Velho, Bode Preto e Bode Augusto. Bastam alguns minutos de conversa em Lábrea, a última cidade da Transamazônica, a 700 km em linha reta de Manaus, para que ao menos um dos irmãos apareça na história.

Não é para menos. Filhos de um seringueiro cearense, são um caso raro de ascensão social na região. Atualmente, estão envolvidos em quase tudo na cidade, uma das mais novas e devastadoras fronteiras de desmatamento na Amazônia.


Empresário, Aurivaldo de Almeida, 58, o Bode Velho, iniciou a fortuna da família com uma pequena barca no rio Purus. Hoje, é dono, entre outros negócios, de uma loja de departamento de tamanho desproporcional ao município de 44 mil habitantes e de quase todos os postos (cobra R$ 4,98 pelo litro da gasolina, o preço mais caro da rodovia).

Fazendeiro, Antonio, 51, o Bode Preto, já chegou a ter, com os irmãos, todas as terras que margeiam a Transamazônica entre o casco urbano e o km 30, num total de 17 mil hectares (cerca de cem parques Ibirapuera). Hoje, possui o único frigorífico da cidade e três fazendas.

Na entrada de uma dessas fazendas, à beira da rodovia, ele pendurou o barco que deu início à fortuna da família, em imagem que lembra o avião do traficante colombiano Pablo Escobar no portão da sua fazenda Nápoles.

Político, Bode Augusto (PP), 49, foi reeleito vereador com a maior votação do município. Também tem uma pequena empresa, responsável pela colocação de meio-fio nos recém-concluídos 16 km de asfalto da Transamazônica, na entrada do casco urbano. É o único trecho pavimentado dos 215 km até Humaitá (AM), a próxima cidade.

“Se procurar a gente pelo nome, dificilmente vai achar. Mas, se perguntar onde mora o Bode Preto, todo mundo sabe”, diz o irmão fazendeiro, na varanda de sua ampla casa, construída na beira da Transamazônica e famosa pela imensa estátua de são Jorge no jardim.
Porteira da fazenda de Antônio Almeida, mais conhecido como Bode Preto, em Lábrea (Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress)


MAIOR QUE O RJ

Na última década, a cidade dos Bodes se tornou uma grande frente de desmatamento, principalmente por causa da pecuária. Do início do ano até 9 de outubro, Lábrea havia registrado 1.601 focos de incêndio, ou 16,4% das ocorrências no Amazonas nesse período, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais). É o município com mais queimadas neste Estado e o sexto do país.

O fogo é usado principalmente para facilitar a substituição de florestas por pastagens e para “limpar” áreas já abertas. Nos dias em que a reportagem visitou Lábrea, no final de setembro, havia esses dois tipos de queimada ao longo da Transamazônica.

Somente entre 2014 e o ano passado, foram desmatados 242,6 km² no município, o equivalente a 153 parques Ibirapuera –aumento de 79% em relação ao período anterior. O levantamento é do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) feito a pedido da Folha, a partir de dados do Inpe.

Juntos, Lábrea, Manicoré e Apuí –outros dois municípios do sul do Amazonas também cortados pela Transamazônica– respondem por 59% do desmatamento do Estado nesse período.

A região é uma das que mais contribuíam para o aumento de 24% na taxa anual de desmatamento da Amazônia no período 2014-2015. É o maior avanço desde 2011.


Pecuarista, Bode Preto nega responsabilidade pelos números ruins. Ele alega que comprou as fazendas já formadas –incluindo uma área cujo pasto beira o rio Mari, desrespeitando a mata ciliar– e aponta a distante região sul de Lábrea como o foco das queimadas e desmatamento.

O irmão Bode Augusto operava uma serraria, mas afirma que era em pequena escala e que fechou após receber multas sucessivas do Ibama, que considera abusivas. Ele admite que usava madeira ilegal, mas disse que empregava “14 pais de família”.

As imagens de satélite mostram que, de fato, é no distante sul de Lábrea, e não no entorno da cidade, que o desmatamento se concentra, embora haja muitos focos ao longo da Transamazônica. Lábrea é o décimo maior município do país em área –são 68 mil km², pouco menor do que os Estados do Rio de Janeiro e de Alagoas somados. No imenso território, há até índios isolados.


CONFLITOS

O sul de Lábrea fica na área de influência da BR-364, em trecho que liga Rio Branco (AC) a Porto Velho (RO) e tem sido palco de conflitos fundiários, com com sete assassinatos desde 2006, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Perto da cidade, Bode Preto tem uma disputa antiga em torno dos limites de sua fazenda com a Terra Indígena Caititu, dos índios apurinãs. “Esses índios, caboclos velhos, só querem saber de cachaça. Não fazem outra coisa, não produzem nada”, diz.

Para conter o desmatamento e proteger as comunidades tradicionais da grilagem, o governo Lula criou, em 2008, duas reservas extrativistas, a Ituxi e a Médio Purus.



DESMATAMENTO E SECA ÀS MARGENS DA TRANSAMAZÔNICA

Embarcações no rio Purus em frente à cidade de Lábrea (AM) (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)

Passados oito anos, líderes locais reclamam que o governo não cumpriu a promessa de criar escolas e postos de saúde e de apoiar atividades econômicas, como a produção de farinha e a extração de produtos da floresta.

“Muita gente está saindo de lá para morar na cidade. Éramos nove irmãos, agora só sobrei eu”, diz Irismar Duarte, 33, presidente da associação de moradores da reserva Ituxi. “Quando a gente lutava pela Resex [reserva], acreditava que ia ter mudança social, mas a vida ficou tão difícil que as famílias foram saindo.”

Além de famílias extrativistas, a cidade também tem atraído parte dos 10 mil indígenas da região. Com a escassez de empregos formais, para sobreviver, muitos acabam dependendo de programas sociais, como o Bolsa Família.

Inchada, a cidade sofre com a falta de estrutura urbana. A cobertura de esgoto é de apenas 14%, e muitas casas são construídas em palafitas sobre a água fétida, povoada por urubus. Um dos reflexos é a malária, endêmica na área urbana.

“Lábrea nunca teve muito potencial”, diz Bode Preto, sobre a economia local. “Aqui gira em torno do pescado, da prefeitura. Já tiraram muita madeira desse Purus aí, mas não pode mais tirar. Pra ser sincero, fico quase sem resposta pra ti.”

RAIO-X
Cidade: Lábrea (AM)
Ranking de Eficiência (REM-F): 5.191º (0,261) Ineficiente
IDHM (2010)*: 0,531 (baixo)
Área desmatada (km²): 3.859 (5,5% do total)


*Números de 2010. O índice varia de 0 a 1. Os municípios da Transamazônica são de desenvolvimento baixo ou médio. O IDH do Brasil é 0,755.




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