A desigualdade é uma das caras do poder, seja ele qual for, de batina, de farda, de terno e gravata ou terninho, de posição social ou econômica.
A questão da desigualdade é milenar, bafeja tempos imemoriais de acordo com a situação e as condições de cada época histórica. Só para lembrar, Cristo já dizia que os “últimos serão os primeiros”. Este alerta foi um dos letreiros mais brilhantes de sua passagem por aqui.
Em sua mensagem a providência de todos no sentido de tirar do pé da escada os despossuídos e desvalidos e os levarem para junto aos demais nos degraus de cima. Seja no reino dele, seja no mundo dos homens.
A teologia da libertação de saudosa memória, para começar este texto pelo âmbito religioso, já pregava a emancipação dos pobres dos grilhões da estrutura social e econômica anacrônica, conservadora e reacionária.
A mensagem mais perturbadora de Cristo “amai o próximo como a ti mesmo” é a antítese da desigualdade, pois ela conclama a aproximação fraterna, livre e desimpedida de iguais, seres humanos que dependem do trabalho para construir suas vidas e um mundo melhor.
Ainda persiste as sementes de suas mensagens e ensinamentos pelos rincões brasileiros, embora abafada pela sanha da máquina do sistema e pela própria alta administração da Igreja em Roma que silenciou padres, bispos e teólogos.
No fundo, no fundo, a desigualdade é uma das caras do poder, seja ele qual for, de batina, de farda, de terno e gravata ou terninho, de posição social ou econômica. Não é à toa que a maioria esmagadora dos revolucionários vieram de baixo, dos despossuídos. Eric Hobsbawm foi um dos que tratou desse assunto em seu livro imperdível Os Bandidos.
O poder do estado se assenta de um lado na legislação que limita, impõe e pune e de outro lado nos aparatos judiciais, policiais e militares. O cidadão já nasce e entra na vida fragilizado diante de um poder constituído e visível que só permite ações dentro do regramento social e da conduta civil legal.
Não que se sustente a esbórnia geral e irrestrita, caso em que estaríamos à beira da barbárie, mas que o cidadão se valha da insubordinação civil para protestar e defender direitos porventura cerceados ou impedidos.
O poder dos sistemas econômicos por sua vez vem da hierarquia estabelecida na sociedade pelas classes e estamentos sociais e nas unidades produtivas pelas classificações ocupacionais e estruturas salariais. Tipo cada macaco no seu galho.
Das relações entre o poderes do estado e dos sistemas econômicos se estabelecem as posições sociais dos indivíduos ou grupos e suas respectivas porções de riqueza entre ativos físicos e financeiros. Essa tessitura social e econômica é que sustenta nas comunidades, classes e grupos as bases e fundamentos dos regimes.
Uma armadura complexa que domina o dia a dia das sociedades e das economias é difícil de ser rompida ou alterada para a redução dela mesma, isto é, para a melhoria da desigualdade dela nascida, reproduzida e mantida.
Apesar do fracasso econômico das experiências socialistas conhecidas, os seus regimes conseguiram melhorar consideravelmente a situação social dos cidadãos ao reduzir a desigualdade.
Dirão os críticos que a turma dirigente manteve privilégios, o que não é verdade em todos os casos, mas mesmo assim a maioria da população conseguiu obter o básico para viver, trabalhar, estudar e cuidar da saúde. Recentemente, por exemplo, relatório da ONU apontou Cuba como o país com os melhores níveis alcançados no mundo em saúde e educação.
O fracasso econômico das experiências socialistas contrasta com a pujança econômica do capitalismo. Ao revés o fracasso social do capitalismo contrasta com condição social do socialismo. A desigualdade no capitalismo sobrepuja a do socialismo.
Talvez seja uma questão de peso e medida. A combinação dos sucessos de um e de outro, tendo em conta seus respectivos fracassos, pode apontar, se é que seja possível, para alguma solução conciliatória. Que embora há séculos sendo procurada ainda não rendeu frutos. Só o futuro dirá.
No caso do Brasil, a melhoria da desigualdade é evidente desde 2003 para cá. A maioria dos indicadores aponta para essa direção nos estudos efetuados pela margem direita e pela esquerda do rios brasileiros.
Estudo recente feito por pesquisadores do IPEA, cobrindo o mais vasto período de tempo até hoje abordado, aponta que a desigualdade no país oscilou de pior no período da ditadura e melhor nos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Já nos anos recentes pesquisa minha** mostra que nos últimos quatro governos do país a desigualdade reduziu de forma acentuada. Programas como o PAC (Programa de Aceleração Econômica), Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, PRONATEC, PROUNI e outros contribuíram para o resultado, além de aumentos reais do salário mínimo.
Brasileiros antes na marginalidade, subocupados, sem formação profissional, enfim o contingente fora do mercado, passaram a movimentar a economia pelo aumento da renda familiar. Exemplos são inúmeros.
Dado divulgado esses dias mostra outra forma de comprovar a redução da desigualdade no país. A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) anunciou que, nos últimos dez anos o transporte aéreo de passageiros cresceu em contraposição ao rodoviário interestadual, que recuou.
Aeroportos cheios de passageiros que nunca voaram na vida, coisa que perturbou inúmeras socialites, é sinal evidente que eles passaram a poder comprar bilhetes aéreos porque suas rendas melhoraram de nível.
Os números mostram que, enquanto em 2004 o transporte rodoviário respondia por 69% e o aéreo por 31% dos passageiros transportados, em 2014 a relação se inverte de 40% para 60% respectivamente. Em números absolutos o aéreo pula de 30 milhões para 83 milhões e o rodoviário despenca de 67 milhões para 54 milhões. Ajudou nessa revirada o sistema de crédito de corte mais popular.
Duas lições para o país. Uma que a desigualdade aumentou no período da ditadura, outra que a saída pelo desenvolvimento é a alternativa, quando inegavelmente a desigualdade reduz. Já a austeridade só tende a piorar as coisas como no Brasil atual e na Europa dos últimos anos.
É simples entender o bê-a-bá da desigualdade. Se a situação econômica permite criar empregos ou mantê-los e melhorar os níveis de renda do trabalho ou mantê-los, bola para frente. Se, ao revés, os empregos são destruídos e os níveis de renda reduzidos, pare a bola.
Fonte: Carta Maior
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